sexta-feira, 21 de junho de 2019

BUF089.07 Ladrões dizimados por balas e gado tresmalhado

— Vocês dois ficam aqui, amiguinhos. Podiam matá-los os ladrões de gado e seria uma verdadeira lástima.
Lombell Dimtry e Tony Legrand olharam para Hugh com muito fingida estranheza.
— Não compreendemos essa sua decisão, Hugh —objetou Lornbell. — O nosso dever é acompanhá-los e tomar parte na luta que se avizinha. Não és da mesma opinião, Tony?
—Naturalmente. Hugh considerou-se incapaz de continuar a fingir ante o par de traidores. Fez um sinal a dois vaqueiros dos mais próximos.
— Atai cotovelo com cotovelo a estes dois rufiães.
Considerando que o seu jogo já estava descoberto, os dois indesejáveis fizeram menção de levar as mãos às armas. Não tiveram tempo. Na mão direita de Hugh apareceu, como por encanto, um «Colt» cujo cano se imobilizou cobrindo com o seu olho negro e sinistro os dois indesejáveis. Os vaqueiros a quem Hugh designara momentos antes lançaram-se como trombas sobre eles. Intentaram defender-se, embora sem resultado. Acudiram outros mais e, momentos depois, ambos os homens se debatiam inutilmente entre uma série de ligaduras capazes de imobilizar dois elefantes.
—Perfeitamente, rapazes —disse Hugh, repondo o revólver no coldre.
Em seguida, encarou. com os dois traidores:


—Suponho que não tendes de que vos queixar pelo trato que vos dispensamos. Não sei exatamente quais os delitos que pesam sobre as vossas negras consciências. Portanto, entregar-vos-emos ao Xerife, e ele que decida. A vossa atuação no «Quatro Ventos» torna-os credores de uma boa corda de cânhamo. Em qualquer caso, que seja a Lei que se encarregue de vos castigar. Vamos fechem-nos num velho subterrâneo. Alguns vaqueiros apressaram-se a cumprir a ordem de Hugh, que se tinha constituído por unanimidade, em chefe daquele punhado, de homens valentes e decididos. Os traidores não cessavam de gritar e maldizer em todos os tons, enquanto quatro vaqueiros os levavam em bolandas para o sítio indicado por Hugh.
—Ponham-lhes uma boa mordaça! -- gritou o jovem.
Momentos depois, os quatro homens regressavam ao alpendre, sacudindo as mãos como se tivessem estado a tocar alguma coisa imunda, cujo contacto os poderia contagiar com perigosa enfermidade. O jovem passou revista aos vaqueiros, como um general, antes de começar a batalha. Todos tinham preparado os cavalos e iam arriados de revólveres e rifles.
--Bem, rapazes. Verifico que pondes boa cara na perspetiva de dar um passeio noturno. Quase me atrevo a assegurar que não nos aborreceremos. Estão dispostos?
Como um só homem, todos responderam afirmativamente. Hugh dirigiu-se aos dois vaqueiros mais velhos, da equipa, dizendo: Vocês, Calei e Edward, ficarão aqui, com o capataz e a patroa. Não devemos afastar a ideia de que esses truões intentem alguma coisa contra o rancho, em cujo caso tudo se teria perdido. Tenham os olhos bem abertos e, logo que «Buck» e «Silver» ladrem, atirem a matar.
Ninguém ousou discutir as /ordens de Hugh Hallowan. Todos, absolutamente todos, tinham posto uma confiança cega na inteligência e audácia do jovem. Wanda não estava presente para ver partir a sua equipa.
Quando, meia hora antes, Hugh saiu do escritório da rancheirinha, esta tinha os olhos húmidos e a Voz entrecortada. E Hugh despediu-se dela sorrindo emocionado, sem a sua costumada ironia.
Não quis esperar mais. Viu em todos os rostos as ânsias combativas, que animavam aqueles homens e, aproximando-se de «Esqueleto», subiu de um salto para a sela. Em seguida estendeu o braço direito, exclamando com voz vibrante:
— Vamos, rapazes!
Um minuto depois, o grupo composto por doze vaqueiros, levando Hugh na vanguarda, galopava velozmente no dorso das suas respetivas cavalgaduras. Marchavam dando urna volta pela parte traseira da fazenda.
Os últimos raios do sol que morria despediram-se dos cavaleiros quando estes galopavam já por terrenos livres de pastagens. Imediatamente, a pradaria sumiu-se num véu de tonalidades acinzentadas. Poucos minutos mais tarde, as sombras adensaram-se, dando lugar a que algumas estrelas iniciassem débeis cintilações nas alturas.
Chegaram à ribanceira completamente de noite. Hugh ordenou aos seus homens que desmontassem e que cada um continuasse a levar o seu cavalo à rédea. Faltavam uns centos de metros para chegar às zonas arborizadas onde haviam de preparar a emboscada aos ladrões de gado.
Os mugidos das reses acolheram os «cowboys», que caminhavam silenciosos, com os cavalos pela arreata. Os animais pareciam desassossegados, como se pressentissem que dentro em pouco os obrigariam a correr desabaladamente pela planície que se estendia para o outro lado da ribanceira.
Passaram os vaqueiros a escassos metros do gado. Depois de ultrapassarem o terreno fundo, Hugh mandou fazer alto e ordenou a todos que se aproximassem para receberem, as instruções pertinentes.
— Bem, amigos; chegou o momento. Agora só se trata de operar com a máxima cordura e serenidade sem se atrapalharem. Você, Sidney, com quatro homens, coloca-se naquelas moitas da direita. Atrás há um bosquezinho de giestas onde podem ocultar os cavalos. Você, Reginald, encarregue-se de vigiar naquele montículo com mais quatro homens. Procurem conter os nervos e não disparar enquanto eu não o fizer, que será quando estiverem a arrebanhar o gado. Eles hão-de entrar, forçosamente, pelo limite da planície com o terreno fundo, ou seja, pouco mais ou menos onde nos encontramos agora. Como a maior parte dos foragidos galopará atrás da manada e à frente, ao tresmalhar-se o gado não terão, tempo de se porem a salvo. Rusty Freinor, Austin e eu, ficaremos nesta pequena encruzilhada. Logo que se inicie a algazarra, eu galoparei quanto o meu cavalo puder para me pôr à cabeça do gado e tratar de fazer a roda. É tudo. Se algum tem alguma coisa a objetar ao meu plano, diga-o. Há tempo para se pensar noutro.
Ninguém respondeu. Hugh olhou novamente para os seus homens, que por sua vez o olhavam também como se esperassem alguma ordem mais, e disse:
— Já podem ocupar os vossos lugares. Não percam tempo. A lua não tardará em nascer e, se a isso se reunir o facto de os ladrões de gado se terem adiantado ao curso dos acontecimentos, todo este plano irá á terra.
Não foi preciso repetir a ordem. Sidney, um vaqueiro de quarenta anos, forte como um toiro e acostumado a toda a classe de lutas, foi-se com os quatro homens designados até aos matagais. Reginald, pelo seu lado, afastou-se com mais quatro. Era o tal Reginald um tipo baixo e miúdo de aspeto doentio; no entanto, ninguém na comarca manejava um rifle com a sua velocidade e precisão. Apesar do seu físico, tinha boa fama de valente, pelo que nenhum ousou pôr em dúvida a primazia que Hugh lhe tinha concedido ao entregar-lhe o comando dos quatro vaqueiros.
Hugh e os seus dois companheiros eram os que mais perto tinham o lugar onde deviam emboscar-se. E também 'o mais perigoso; dada a sua proximidade com sítio por onde forçosamente passariam os ladrões do gado.
— Que julgas tu que resultará de tudo isto, Hugh? — perguntou Rusty, uma vez entrincheirados na pequena encruzilhada.
—Nunca se podem fazer juízos prematuros a respeito destas coisas, amigo — respondeu o jovem, sorrindo. — Porém, se o que queres dar a entender é que sentes medo, ainda estás a tempo de te ir embora.
O grandalhão soltou um bufido, muito parecido comum zurro.
—Olha, Hugh, se tornares a dizer que tenho medo, não verás o sol de amanhã, porque te porei os olhos negros com dois murros.
Hugh riu mansamente e Austin olhou os seus dois companheiros- com admiração, especialmente Hugh. Eles pareciam estranhamente serenos, como se a luta que se avizinhava dentro em pouco fosse uma brincadeira de crianças ou um divertimento. Ele não era cobarde, não sentia sensação alguma que pudesse traduzir-se. por medo; no entanto, uma espécie de inexplicável angústia fez rapidamente aparição no seu espírito. Dentro em pouco, a morte abateria a sua gadanha inexorável, ceifando vidas, culpadas umas e inocentes outras. O silêncio da planície não tardaria em ver-se rasgado pelo eco atroador dos disparos e o ambiente impregnar-se-ia do cheiro a pólvora; o solo, de sangue...
Decorreram duas horas de interminável espera. Rusty e o jovem Austin começaram a dar sinais de nervosismo. Dos três, só Hugh conservava a sua costumada fleuma. Fumava o seu cachimbo com a maior tranquilidade, como se naqueles momentos se encontrasse no alpendre do rancho esperando. a hora de ir para a cama.
Austin e o grandalhão não podiam fumar. Eles não possuíam cachimbo e os cigarros podiam ser perigosos ao mostrar a sua ponta ígnea, facilmente percetível na semipenumbra reinante.
Por fim, quando, a espera se tornava quase insuportável para a maioria dos vaqueiros, uma mancha de cor indefinível começou a mover-se na planície. Os agudos olhos de Hugh esforçaram-se por atravessar a distância e as sombras, agora menos densas, da paisagem.
Não lhe coube a menor dúvida sobre a natureza daquilo, que se movia a uns quatrocentos metros; eram cavaleiros.
Apurou o ouvido e sortiu. Em seguida olhou para os seus dois companheiros.
— Que lhes parece, rapazes? Aí os temos. Os espertalhões cobriram os cascos das cavalgaduras com bocados de sacos e mantas, para galopem silenciosamente. É um truque mais velho do que Matusalém.
— São muitos? — perguntou Rusty, apertando o rifle.
—Não posso precisá-lo. A dois mil não chegam...
Rusty julgou oportuno pôr-se a rir, ímitado por Austin.
— És muito engraçado, Hugh. Se te derem um par de tiros, veremos a gana de chalacear com que ficas. Se calhar, és capaz de chorar como uma criancinha.
— Pode ser.
Não tardaram em perceber claramente as silhuetas dos cavalos, e, coisa estranha, pareciam galopar sem cavaleiro.
— Ouve, Hugh. Reparaste que...?
— Sim, reparei que... Não sabes porque fazem isso? Pois não julgo que tenhas acreditado que os cavalos vão sós. Os ladrões de cavalos costumam meter-se por debaixo das suas montadas, evitando assim serem: descobertos antes de chegar ao sítio da «operação». Eu esperava isto. Por isso julgo preferível atacá-los quando levarem o gado. Então galoparão bem escorreitos na sela e ser-nos-á mais fácil fixar a pontaria. Conheço na perfeição os costumes dessa gentalha.
Momentaneamente, Rusty Frernor recordou o dia em que Hugh lhe contou, a traços largos, «a terrível história» da sua vida. Teria sido Hugh, além de salteador de Bancos e diligências, ladrão de gado? Com a mesma rapidez com que evocou tais recordações, afastou-as em seguida da sua mente. Não valia a pena pôr--se a pensar no passado daquele homem, já que na, presente situação, se estava comportando como. um verdadeiro valente. Além disso, impunha-se fazer quanto fosse possível para inclinar a seu favor e dos seus companheiros o resultado da perigosa situação que não tardaria muito em produzir-se.
Os ladrões de gado ao mando de Gregory deviam ser gente muito eficaz no desempenho do seu «ofício». Dificilmente teriam decorrido uns quinze minutos, quando os mugidos das reses indicaram aos homens do. «Quatro Ventos» que os foragidos tinham conseguido pôr a manada em movimento. Com os nervos em tensão, os treze homens permaneciam à espreita, esperando sinal convencionado para fazer vomitar fogo e chumbo aos canos das. suas armas.
O facto não tardou muito em produzir-se. Uma mancha pardacenta começou a estender-se ao comprimento e largura da planície, enquanto uma quinzena de cavaleiros galopava furiosamente em diferentes direções, conduzindo as suas montadas com mão hábil.
Soou um disparo cujo eco se repercutiu no ar, semelhando um estranho clarim, e antes que totalmente se extinguisse, um trovão pareceu estremecer a calma noturna da pradaria.
Uma infinidade de chamas alaranjadas iluminou tétrica e intermitentemente os contornos dos lugares onde a planície começava.
Quando os bandidos intentaram passar ao contra--ataque, já seis deles tinham caído, mortos uns e feridos outros. A confusão foi espantosa. Homens e animais misturaram-se num estranho torvelinho, ao passo que dezenas de projéteis, semelhando furiosos besouros, sulcavam o espaço uma e outra vez, buscando o alvo eleito.
A Hugh, que tinha sido o autor do primeiro disparo, coube-lhe a satisfação de ver cair o foragido a quem apontara cuidadosamente. Voltou a meter outra bala na câmara da arma e, apoiando-a numa saliência rochosa, cobriu com o ponto de mira a silhueta doutro cavaleiro. Curvou o dedo com movimenta veloz e ao ladrido seco da «Winchester» seguiu-se a queda de um novo inimigo.
Apenas a batalha tinha começado e já podia considerar-se ganha. O fator surpresa ajudou sobremaneira aos emboscados, os quais, sabendo a classe de gente com quem se enfrentavam, não sentiam o menor remorso em apontar com o maior sangue-frio. Qualquer daqueles bandidos era pretendente a várias cordas de cânhamo e as suas mãos tinham derramado em mais da que uma ocasião sangue inocente. Gregory Tilland era um tipo de inconcebível crueldade, amigo de rodear-se sempre de gente sem o menor escrúpulo, de gente para quem os sentimentos humanos significavam algo de frívolo, inútil...
Os que intentaram escapar seguindo o itinerário que marcava a planície, foram caçados implacavelmente. Apenas um pareceu que conseguia atravessar a mortífera zona onde os disparos se cruzavam ininterruptamente. Mas Hugh Hallowan não pôde vê-lo. Apenas fizera quatro ou cinco disparos, deu breves instruções aos seus jovens, companheiras, desaparecendo, imediatamente por detrás de uns rochedos. Ali estavam três cavalos. O jovem, deixando a rifle apoiado a uma rocha, montou de um salto sobre «Esqueleto», iniciando rapidamente um galope velocíssimo por cima de uma lomba desprovida de vegetação.
Como Hugh havia previsto, as reses começavam a perder a escassa presença de ânimo tão natural nos animais da sua espécie. Já galopavam atropeladamente, dando a impressão de um mar de carne ondulante, com as hastes em riste. Tinha-se iniciado o tresmalho. Cabia agora a Hugh realizar a parte mais arriscada do plano concebido no escritório de Wanda Kollings: deter o gado tresmalhado.
Uma voz soou fortíssima, entre a barulho geral:
—Não disparem mais! Hugh dispõe-se a fazer a roda!
O aludido reconheceu imediatamente a voz de Rusty Fremor. Naquele momento, os cascos de «Esqueleto», cuja mobilidade era realmente assombrosa, transpunham a linha ondulante formada pelas reses que corriam à cabeça da manada.
Hugh abarcou a situação num rápido golpe de vista. Nem um só cavaleiro galopava adiante nem atrás da manada. Todos deviam ter perecido na armadilha mortal, uns em consequência das balas que Com tanta prodigalidade tinham disparado os «cowboys»; outros esmagados pelas terríveis patas dos cornúpetos. O plano de Hugh, na sua fase inicial, tinha dado excelente resultado.
O jovem supôs que não havia a lamentar baixas definitivas no grupo em que se integravam os seus companheiros. Desta vez, os triunfos estavam nas mãos dos que lutavam em defesa da verdadeira Justiça.
O estrépito, que formavam as patas daqueles animais enlouquecidos pelas detonações e pelo cheiro a pólvora, ao chocar firmemente com o duro solo da planície, era infernal, ensurdecedor. Semelhava o produzido por milhares de tambores tocados por mãos infernais.
Hugh Hallowan manobrou habilmente com as rédeas do seu corcel, pondo-se a escassos metros dos cornúpetos que iam à cabeça. Uma vez que o conseguiu, retardou um pouco o galope de «Esqueleto», e, num alarde maravilhoso de equitação, permitiu que as hastes das reses mais adiantadas roçassem quase nas ancas do seu cavalo. Feito isto, apertou um pouco mais as esporas contra os flancos do equídeo, logrando assim aumentar a velocidade. O exercício que o rapaz estava levando a cabo era dos mais arriscados. Um simples tropeção do cavalo e ambos teriam perecido irremediavelmente debaixo da fúria do gado tresmalhado.
Mas não foi assim. No momento oportuno Hugh obrigou a sua montada a galopar para a esquerda, seguidos a escassíssima distância pelos enfurecidos animais. Estes pareciam ter concentrado toda a sua atenção em alcançar o cavaleiro, e começaram também a girar na mesma direção.
Agora, sob a luz mortiça do astro noturno, o espetáculo tinha traços de extraordinária magnificência. O cavaleiro continuou sustendo a sua montada, tratando de formar um semicírculo. Um grosso cordão de animais enlouquecidos e uivantes seguiam, como que hipnotizados, a marcha do audaz cavaleiro, como se aquela fosse a única direção que lhe fosse permitido seguir.
Alguns minutos mais tarde, a manada tinha-se convertido numa interminável fila. Hugh compreendeu que tinha chegado o momento culminante. A enorme fila de animais formava já quase uma circunferência. Faltavam muito poucos metros para que os cascos dianteiros de «'Esqueleto» entrassem em contacto com os novilhos que iam à retaguarda.
De repente, com um movimento velocíssimo, como se aquele exercício não tivesse qualquer novidade para o cavalo e cavaleiro, aquele dobrou rápido à esquerda e adiantou-se aos cornúpetos que formavam a cauda daquela interminável filha de cabeças e hastes. A «roda» estava feita. Agora faltava sair daquele redondel perigosíssimo, que ameaçava fechar-se e aprisionar com a sua fúria quem a tinha provocado.
Hugh virou a sua vista em todas as direções, tratando de observar em que ponto o cordão de reses era menos grosso, para saltar para fora da zona de perigo. Os agudos olhos do cavaleiro abarcaram a crítica situação.
Naquele momento, como se a Natureza quisesse ajudar na medida da possível o valoroso cavaleiro, a lua, saiu de entre umas nuvenzinhas onde tinha ficado aprisionada por uns minutos. A visibilidade fez-se muito mais perfeita, permitindo que o cavaleiro pudesse ver à esquerda que o cordão dos cornúpetos era mais delgado. No entanto, a fileira apresentava naquele sítio a largura correspondente a três reses correndo muito juntas, com os lombos pegados e as enormes cabeças curvadas.
Sem' pensar um instante, Hugh fez retroceder o seu estranho cavalo até ao centro de redondel.
— Salta, «Esqueleto»!
Como se tivesse compreendido a realidade da situação, «Esqueleto» pareceu encolher os seus músculos delgadíssimos; em seguida, soltando um relincho, estendeu. as suas compridas pernas e iniciou um galope de loucura, mas que só havia de durar escassos segundos. Ao chegar a três metros da movente fila dos cornúpetos, Hugh agachou-se como se também ele fosse saltar, ao passo que gritava com voz vibrante:
—Agora!
O salto foi realmente maravilhoso. «Esqueleto» deu a sensação de possuir asas. Com os cascos encolhidos contra o ventre, cruzou o espaça por cima dos cornúpetos num alarde de energia e serenidade impressionantes.
No entanto, um pequeno incidente esteve a ponta de deitar por terra toda a empresa. A queda do homem e do animal foi mais aparatosa do que grave. Hugh pôs-se em pé imediatamente e acudiu a ver o que tinha acontecido ao cavalo. Também «Esqueleto» se levantava naquele momento, coberto de suor e coxeando dolorosamente. A prova que o esforçado animal acabava de realizar não era coisa que estivesse ao alcance de qualquer cavalo, por 'mais veloz e resistente que fosse.
Uma estrepitosa salva de aplausos rubricou a façanha. Hugh olhou em frente e não pôde deixar de se admirar. A uns trinta metros permaneciam os vaqueiros do «Quatro Ventos», sujeitando cada um o seu cavalo pela rédea.
—Foi fenomenal!
 — Maravilhoso!
—Nenhum vaqueiro de Smoky Valley é capaz de fazer outro tanto!
—Com certeza!
Por este estilo, cada um expressou a admiração que o feito lhes produziu.
— Os rapazes têm razão, Hugh — disse Reginald. — Ninguém por estes arredores é capaz de levar a cabo esta proeza. Necessita-se de um domínio absoluto do cavalo e uma serenidade e sangue-frio à prova de bomba.
— E não há perigo que se tresmalhem outra vez as reses, Hugh? -- perguntou Austin, que não tinha olhos senão para contemplar o valente «cowboy».
Hugh sorriu.
— Não te preocupes, rapaz. Esses animais ficarão feitos numa massa de patas, lombos e hastes. Os que vão adiante continuam correndo na mesma direção e vão estreitando o círculo até que se fecha por completo e ficam apertados uns contra os outros, completamente imóveis. Amanhã, ao meio-dia, ainda continuarão na mesma situação.
Hugh calou-se um momento e dirigiu-se depois a Reginald:
— Como ficou tudo lá por cima?
—Foi um pouco desastroso, Hugh... O teu plano permitiu aniquilar essa gentalha de forma definitiva. Creio que não escapou nem um. Os que não foram mortos a tiro, sofreram pior sorte... O princípio da planície apresenta um espetáculo impressionante e trágico. Há mais de uma dúzia de homem sem vida, outros tantos cavalos e um ou outro novilho. Os ladrões de gado não voltarão a roubar mais reses no «Quatro Ventos» ...
Hugh Hallowan não pareceu impressionar-se muito com a sorte cabida aos malfeitores: Apenas as suas sobrancelhas se franziram ao perguntar com voz um tanto ansiosa:
— Houve alguma baixa entre os nossos homens?
— Definitiva, nenhuma — respondeu Reginald —embora Crawford tenha tido a triste lembrança de se interpor na trajetória de um pedaço de chumbo quente. Apresenta uma pequena brecha no braço direito, nada de importância.
Aquele a quem chamavam Crawford sorriu. Levava o braço direito entrapado, mas o seu rosto não expressava dor, mas antes a satisfação de ter acabado de uma vez para sempre com o terrível pesadelo que os ladrões de gado representavam para os interesses do «Quatro Ventos» e para qualquer outra fazenda da comarca. De repente, como se naquele momento reparasse nalguma coisa, Hugh perguntou:
—E Sidney? Não o vejo em parte alguma.
Foi Reginald o encarregado de dar ao jovem resposta:
—Tinha-me esquecido de to dizer. Sidney saiu como um raio atrás do único ladrão de gado que conseguiu escapar. Desistimos de o seguir e de lhe prestar auxílio.
— Porquê?
—Sidney monta a «Tifón», o cavalo mais veloz das nossas cavalariças com exceção de «Esqueleto». Nada tínhamos ganhado em rebentar com as nossas montadas. Estou completamente certo de que Sidney alcançará a fugitivo.
Como se as palavras do vaqueiro respondessem a urna arte mágica, o galope de um cavalo fez-se ouvir a curta distância. O rítmico tropear dos cascos fez-se mais audível por momentos e, pouca depois, a galharda figura de «Tifón», trazendo na sua sela o cavaleiro e um vulto atravessado na garupa, fez a sua aparição ante o grupo.
Sidney manobrou habilmente com as rédeas do animal e sopeou o seu galope, saltando em terra seguidamente.
—Que traz você aí, Sidney? — perguntou, Hugh — Um presente... aproxime-se e veja-lhe a cara. Quando o meu cavalo distava do dele umas quinze jardas, deitei-lhe o laço. Bem... tive sorte de que a laçada lhe entrasse pelo pescoço ou o pescoço pela laçada, O caso é que o trago atado de pés e mãos como um chouriço.
Hugh fez o que o bravo vaqueiro lhe indicou E os seus lábios esboçaram um sorriso que nada tinha de amável. Estava contemplando o rosto feroz e imóvel de Walter Grinnell, o ex-captaz do «Quatro Ventos».
— Bem, bem, querido Walter. Vejo que também gostas dos passeios à luz da lua, hem? Pois será este o último que vais dar. Agora empreenderás uma viagem muito mais longa e irás a um sítio onde faz calor, muito calor... E não é que se trate precisamente de um país equatorial, compreendes? Sem a menor dúvida.
Embora o medo que dominava o corrompido espírito do miserável fosse mais do que regular, nem por isso deixava de compreender que Hugh lhe estava falando do inferno. E foi precisamente a voz suave e melíflua do jovem o que causou calafrios na espinha dorsal do sentenciado. No entanto, querendo esgotar as escassíssimas possibilidades de defesa que tinha à mão, rugiu anais do' que disse:
—Tu não podes fazer isso comigo! Não podes fazê-lo! Entrega-me ao xerife para que me julgue!...
Sem fazer o menor caso dos seus protestos, Hugh aproximou-se mais, estendeu o braço e puxou-o, fazendo-o cair por terra. O canalha retorceu-se quanto pôde, tentando rebentar as ligaduras que tão sabiamente lhe tinha aplicado Sidney ao derrubá-lo do cavalo. O jovem voltou a usar da palavra, mas desta vez empregando um tom sinistro que gelava o sangue nas veias:
— Não mereces a menor oportunidade de salvar essa porca vida que te faz respirar, canalha. Se ao mesmo tempo que és miserável e infame fosses valente, conceder-te-ia o privilégio de te bateres comigo em duelo legal, embora nada conseguisses com isso. Matar-te-ia antes que roçasses com os dedos as coronhas das tuas armas. Mas nem sequer és valente. No dia da minha chegada ao rancho intentaste assassinar-me à traição; pouco depois, no dia em que a Patroa e eu viemos desse viveiro de cobras que é o ranho do teu amo e senhor, Edmund Kendall,. tiveste a lembrança de acolher-nos a tiros em plena estrada...
—Não fui eu, não fui eu! — gritou o bandido, arregalando os olhos.
Austin adiantou um passo, encarando com ele. Foi você, Walter Grinnell! — exclamou o jovenzito, com voz segura. —Você explicou tudo a Gregory Tilland e a Jonathan Speneer na cabana do velho Ralston. Eu ouvi tudo.
—Mentiral... — interrompeu o ladrão de gado. — Maldito boneco!
— Não te ponhas com bravatas, Walter — interveio novamente Hugh — porque de nada te servirão nesta ocasião. Só me resta, dizer-te que o teu trabalho no «Quatro Ventos» foi mais próprio de um monstro do que de um ser humano. Enquanto vivia o velho Kollings, por medo, inibiste-te de colaborar com os bandidos, mas ao morrer este, teve começo o teu miserável trabalho de sapa, atraiçoando os interesses de uma rapariga órfã e desamparada. Cobarde!...
O espetáculo era de um realismo trágico e impressionante. Sob a escassa luz, da lua, rodeados por um ambiente surpreendente, um grupo de homens contemplava a figura jacente do sentenciado. Seus rostos sombrios e carrancudos não exprimiam O menor sintoma de piedade para o culpado de quantas desditas e calamidades afligiram o rancho da patroa. Todos eles tinham comido ali o seu pão entre tristezas e alegrias durante muitos anos...
Hugh, não querendo dar mais largas ao asqueroso assunto, voltou-se para os seus companheiros.
— Em vossa opinião, que pena merece este indivíduo?
Uma dúzia de vozes espondeu em uníssono:
— A forca!
— Pois à forca com ele! — exclamou Hugh, implacável.
O sentenciado fez vãos esforços para resistir. Foi içado ao ar por muitos braços robustos e levado uns duzentos metros para a direita. Ali, rompendo a monotonia da planície, cresciam uns pinheiros de considerável altura...
Momentos mais tarde, um grupo de silenciosos cavaleiros cruzava a planície, deixando atrás de si uma prova tangível da sua própria justiça. O luar projetava contra a aridez do solo uma sombra macabra, semelhando as oscilações de um enorme pêndulo...
Um pouco mais longe, contrastando com a quietude e silêncio reinantes, um estranho redemoinho de hastes e lombos ondulantes indicava o sítio onde as reses estavam aprisionadas nas garras da sua própria ofuscação. Não tardariam em ficar totalmente imóveis, esgotadas pelo violento exercício a que tinham sido submetidas.

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