sábado, 15 de junho de 2019

BUF089.01 Um rancho com problemas

Wanda Kollings ergueu-se rapidamente, do outro lado da mesa. Relampejavam os seus lindos olhos castanhos, sinal inequívoco de que se achava sob os efeitos de uma surda irritação.
— Já lhe disse várias vezes que peça licença antes de entrar no meu escritório, Walter! Será necessário repeti-lo a cada instante?
A enorme figura de Walter Grinnell avançou até roçar a borda da mesa. O seu rosto de gorila permaneceu imperturbável, como se as palavras da rapariga em nada o afetassem. Respondeu com a sua zombaria habitual:
— Os cumprimentos não são comigo, menina...
—Faça o favor de me chamar senhora Wanda! Quem lhe deu essa confiança? Convença-se de uma vez para sempre que já não sou uma menina!
— Bom, bom, isso para mim não importa, sabe? O certo é que não me acostumo a tratá-la com tanta cerimónia. E quanto ao pedir licença para entrar, devo dizer-lhe que o patrão, que em paz descanse, sempre me deu livre acesso a esta dependência do rancho. Não vejo motivo para essa inovação.
Wanda cravou no seu capataz o brilho das suas pupilas luminosas.
— Meu pai dava-lhe demasiada liberdade, Walter; mas agora sou eu a dona do «Quatro Ventos». E tem de me tratar como tal, compreende?


—Um pouco...
—Pois há-de compreender mais — voltou a sentar-se, um pouco mais calma. Em seguida dirigiu-se novamente ao capataz. — Posso saber ao que vem?
— Para lhe dar uma má notícia.
—Não admira, tratando-se de si. Bem, diga o quo for e não fique aí parado como um poste.
Sem ter motivos plenamente justificados para isso. Wanda Kollings professava uma antipatia enorme pelo capataz do «Quatro Ventos». Havia qualquer coisa na sua forma de olhar que repelia. Além disso, tratava os «cowboys» da equipa com excessiva dureza, como se fosse ele o verdadeiro dono da fazenda.
— Na noite passada, os ladrões de gado fizeram outra vez das suas. Levaram aproximadamente cem reses.
Wanda explodiu, presa de fúria incontível:
—E diz-mo você com essa tranquilidade? Envergonhe-se de ser tão inútil! Como é que não saíram sua perseguição? Isto torna-se insuportável!
Walter pareceu indispor-se ante o qualificativo de inútil que a jovem acabava de proferir. O seu rosto, já de si desagradável tornou-se ameaçador.
—Não lhe consinto que me insulte! Aproveita-se de ser uma mulher, mas no dia em que me canse do seu meu génio...
— Ainda se permite ameaçar-me? Isto é o cúmulo... Saiba que se eu fosse homem, a esta hora já lhe linha partido a cara. Bem, deixemos isso e vamos ao que importa. Que espécie de medidas tomou para que o facto não se repita?
— Nenhuma. Sozinho não posso enfrentar os bandidos, e os rapazes da equipa também não se querem expor. Para o que recebem... Por acaso esqueceu-se de que nos deve três mensalidades.? Se depois de tudo isto quer que arrisquem a pele, defendendo os seus interesses...
—Os meus interesses e os seus! — exclamou a jovem indignada. — Todos eles assim como você têm aqui o seu lar e o pão que comem. Em vida de meu pai, nada disto ocorria. Parece que tudo se conjugou contra mim para me mergulhar no desespero. Esses ladrões de gado só se atrevem a roubar reses no meu rancho, valendo-se de que sou uma mulher, mas a vocês não lhes custa permitir este estado de coisas? Que culpa tenho eu que os negócios tenham caminhado mal ultimamente? Diga aos rapazes que tudo se solucionará. Venderei uma parte do gado, seja o que for, mas anime-os e faça-os perder a sua preguiça.
O capataz moveu a cabeça de um lado para o outro.
— Isso é muito fácil de dizer, senhora Wanda, não me disse que a tratasse assim? Pois bem, isso não é assim tão fácil, repito. Os rapazes estão contagiados de uma espécie de vadiagem, que não há quem lha tire de cima. Eu, como compreenderá, faço quanto me é possível para obrigar cada um a cumprir a sua obrigação, mas não vou questionar com eles continuamente... Não estaria bem.
— Não me faça rir, Walter. Estou convencida de que não faz nada do que está dizendo. Vi-o muitas vezes questionar com eles, não pelos motivos a que alude, mas sim por questões meramente pessoais: Consta-me que estão fartos de si até mais não poderem. Como pôde modificar-se assim? Meu pai sempre me disse que você o serviu fielmente. Não me explico o seu comportamento.
— Seu pai foi rancheiro toda a vida, sabe? Conhecia na perfeição todas as fainas relativas à fazenda, e sabia mandar. Mas a situação atual é completamente diferente. Os rapazes não querem ser mandados por uma mulher, por mais enérgica que esta seja, e a senhora costuma intrometer-se em coisas que não entende. Para mim não atrasa nem adianta o assunto, mas se quer um conselho, vou dar-lho: venda o rancho. É a única solução que pode encontrar para o seu conflito: vender e voltar novamente para o Este, onde esteve todos os anos a estudar. O Oeste fez-se para os homens curtidos e não para as mulheres. A continuar aqui, só conseguirá que vá para o diabo o pouco que lhe resta e...
—Cale-se, Walter, faça favor! — interrompeu ela, batendo na mesa furiosamente. — Acaso julga que, por ter vivido alguns anos no Este, sou feita de manteiga? Sou uma mulher do Oeste, tome nota, porque tenho nas veias o sangue de meu pai, o sangue de um verdadeiro lutador. E quanto ao vender o «Quatro Ventos», saiba de uma vez que não o farei, ainda que fique sozinha nele e tenha de cuidar dos porcos e das galinhas sem auxílio de ninguém. Esta fazenda legou-ma meu pai, que sempre embebeu nela o suor do seu rosto; nas suas terras jazem os restos de minha mãe, cuja recordação é sagrada para mim; nesta casa vi a primeira luz... Acha que tudo isto pode esquecer-se facilmente?
— Tudo isso não deixa de ser uma idiotice, senhora Wanda — replicou Walter, passados uns instantes de silêncio. — Na vida, há que sermos práticos e não nos deixarmos levar pelo sentimentalismo. Não repara que esse caminho não conduz a qualquer finalidade? Todos sabemos que o «Quatro Ventos» está hipotecado em vinte mil dólares. Como vai arranjar-se para cancelar essa hipoteca, que se vencerá de um dia para o outro?
Vencida já a crise emocional, Wanda respondeu:
— O rancho vale muito mais do que essa quantia, e você sabe-o. Farei quanto me seja possível para reunir esse dinheiro antes da data prevista... Farei... não sei! Qualquer sacrifício me parece insignificante para que me não veja expulsa deste rancho. Além disso Edmund Kendall talvez me conceda qualquer prorrogação.
O capataz sorriu astutamente.
— Vê-se bem que não conhece o senhor Kendall, patroa. É um usurário... Além disso, o «Quatro Vem-tos» interessa-lhe mais do que qualquer outro rancho de Valley Smoky.
Wanda olhou o seu interlocutor cara a cara. O cinismo que empregava aquele indivíduo passava das marcas. Não podendo deixar sem resposta as suas considerações acerca do rico fazendeiro, apressou-se a responder:
— Como é possível que fale nesses termos de Edmund Kendall? Tenho verificado que vocês são bons amigos. Ou você é um hipócrita, Walter, ou está combinado com esse homem. É coisa que eu não estranharia.
— Nem uma coisa nem outra, patroa. Com efeito, une-me uma certa amizade ao senhor Kendall, mas isso não impede que reconheça os seus sentimentos. Também ele nada faz para os ocultar. Empresta dinheiro a juros e não costuma conceder nem um minuto de prazo na hora da cobrança, mas não é culpa minha que ele proceda dessa maneira. Que se governe com os seus negócios. Eu limitei-me a fazer-lhe ver a conveniência de vender o rancho e pagar as pequenas dívidas que possui, pois se permanecer nesta situação, em breve os vaqueiros começarão a despedir-se. No entanto, a senhora, como dona, fará o que melhor lhe parecer.
Wanda esteve a ponto de estoirar novamente em impropérios contra o capataz, mas conteve-se. Nada conseguiria com isso, senão piorar as coisas. Decidiu dar por terminada a conversa com Walter. Aquele sujeito tinha a virtude de lhe fazer perder a paciência. A sua animosidade para com ele aumentava dia a dia, embora não achasse um motivo que justificasse tal atitude da sua parte.
— Pode sair, Walter — declarou a jovem — não tem mais nada a comunicar-me. E faça o possível para atalhar esses desmandos que têm sido cometidos. Eu sou uma mulher, sabe?, mas se descobrir alguma desonestidade na sua conduta ou na de algum dos vaqueiros, sou capaz de empunhar o revolver e enfrentar quem cometa a falta. Não deixe cair no olvido a minha advertência.
Grinnell perdeu a cor ao escutar as palavras da rapariga. Equivaliam a uma acusação velada contra ele e o resto dos vaqueiros que formavam a equipa do «Quatro Ventos».
— Não lhe permito que fale assim! — rugiu mais do que falou, golpeando a mesa com o seu punho de gorila. — Isto é insultar-nos a todos! Acredita que no rancho há algum traidor? Se os rapazes soubessem o que pensa a nosso respeito, ir-se-iam embora neste mesmo momento. –
— Eu não acuso ninguém diretamente --- respondeu Wanda, sem que o tom da sua voz perdesse firmeza. — Limito-me somente a admitir certas possibilidades que, sem prejuízo de ferir o amor-próprio de ninguém, podem resultar perfeitamente lógicas.
—'Bem, a mim não venha com embrulhadas. Tem algumas ordens a dar?
— Sim.
— Quais são?
— Que se vá embora o mais rapidamente possível.
Walter soltou um bufido e dirigiu-se para a saída da Moradia, transpondo a porta e fechando-a nas suas costas com grande estrépito. Notava-se à légua que ia levada de todos os diabos.
— Selvagem!
Naquela exclamação resumiu a rapariga a antipatia que professava pelo capataz. Não compreendia como seu pai podia ter tida durante tantos anos um tipo como aquele ao seu serviço.
Uma vez a sós, Wanda deu rédea solta aos seus pensamentos.  Ao recordar a notícia que pouco antes o capataz lhe trouxera, sentiu-se invadida por uma cólera que ameaçava consumi-la. Seria possível que os ladrões de gado só se atrevessem a roubar gado no «Quatro Ventos»? Porque havia outras fazendas muito mais valiosas na comarca, das quais se podia obter um despojo infinitamente melhor.
Estava visto que até os bandidos cooperavam na sombra, para tramar a ruína total dos seus interesses. A única esperança que possuía para se sair bem de tão crítica situação tinha-se evaporado como o fumo.
Contava com a ajuda de sua tia Caroline, velha solteirona que, segundo informações que tinha, era dona de uma considerável fortuna, visto que possuía dois dos melhores ranchos de Topeka, no estado de Kansas. Wanda escrevera-lhe uma carta havia uns meses e obtivera uma resposta pouco satisfatória. Pedia-lhe emprestados os vinte mil dólares de que necessitava, prometendo pagá-los tão rapidamente quanto lhe fosse possível e dando como garantia a remonta do gado daquele ano. Às reses faltava-lhes quase meio ano para se acharem em condições de venda e a jovem esperava conseguir aquele dinheiro para a data indicada. Mas a tia Caroline respondeu-lhe, comunicando-lhe que estava passando por um mau momento e queixando-se do mesmo mal do que ela: o ano tinha-se apresentado mau e apenas conseguira suprir os gastos das suas fazendas. Além disso, uma epidemia tinha aniquilado quase todo o gado de que dispunha, deixando-a numa situação quase tão desesperada como a que Wanda estava suportando.
Apoiou o rosto entre as mãos e pediu a Deus uma ajuda que, segundo parecia, ninguém mais podia conceder-lhe...
Walter Grinnell, pela sua parte, desceu a escada até ao andar inferior do enorme Casarão. Os seus olhos esgazeados revelavam uma fúria incontível. Não podia suportar a forma depreciativa de que a sua patroa o fazia o objeto. Os seus maus sentimentos estavam a ponto de vir à superfície e só esperava o mais pequeno motivo para lhes dar rédea solta.
Não tardou em achar o motivo. Um rapazote dos seus dezoito anos, que tratava de limpar os estábulos e dar de beber aos animais, foi a vítima propiciatória para desafogar os seus malvados instintos. Austin, que assim se chamava o rapaz, dedicava-se naquele momento a puxar o lustro às suas botas, sentado num dos bancos do pátio. Junto dele, uns arneses velhos e outros arreios indicavam a faina que lhe tinha sido encomendada naquela manhã. Walter tinha-os mandado arranjar o mais rapidamente possível.
Sem aviso prévio, o capataz dirigiu-se a ele, fundiu a sua manápula de urso na cabeleira loira do rapazote e, mediante um violento sacão, fê-lo pôr-se de pé.
— Vadio! — exclamou, com os olhos cegos de ira. — Vou quebrar-te os ossos! Não tens mais nada que fazer do que limpar as botas?
Austin, cujos olhos se turvaram de lágrimas ao receber o doloroso sacão nos cabelos, sentiu-se perdido. Conhecia sobejamente a crueldade do malvado capataz e estava certo de que não escaparia sem uns quantos safanões, dos que ele sabia dar. Por fim conseguiu tartamudear:
—É que... Oiça, capataz... Esta noite tenho de ir ao povoado e... Bem, o senhor compreenderá que...
—Não compreendo nada, estúpido! — resmungou Walter, abanando o rapaz como se fosse um boneco de palha. — Entendes que as minhas ordens aqui não servem para nada? Vamos, responde!
-- Pois... sim; ninguém diz o Contrário, Walter. Mas você sabe que os demais rapazes da equipa também não fazem nada... Passam os dias deambulando de um lado para o outro, sem se preocuparem com as reses, especialmente Tony Legrand e Lombell Dirntry.
Imediatamente se arrependeu de ter ido tão longe, mas já não havia remédio. Aquelas palavras acabaram de encolerizar o capataz, pois distinguia com a sua doentia amizade os aludidos «cowboys».
Não se enganou Austin nas suas suposições. O rosto de Walter Grinnell cobriu-se de uma expressão sinistra, de implacável ameaça. Com voz que ressumava ódio e despeito, exclamou:
— Vou-te desfazer, língua de víbora!
E sem dar tempo a que Austin fizesse o menor movimento defensivo, golpeou com o seu enorme punho o rosto do rapaz. Este nem sequer se preocupou em passar ao contra-ataque, pois sabia que lhe era de todo o ponto impossível defender-se e só conseguiria uma tareia maior do que a que se avizinhava. Walter possuía fama de invencível nas pelejas a punhos limpos.
Durante meio minuto, o capataz empregou-se a fundo contra o rapaz, propinando-lhe uma série de golpes capazes de derrubar um búfalo. Austin acabou por cair de costas, com a cara banhada em sangue e incapaz de aguentar o castigo que aquela fera humana lhe infringia.
Walter fez o arremesso de continuar a pontapés no derrubado, mas conteve-se. Uma voz acabava de soar a curta distância, uma voz rouca e aguardentosa, mas de tons ameaçadores:
— Basta, cobarde!
Com os olhos injetados de sangue, o canalha rodou sobre os calcanhares e viu diante de si a figura exígua e delgada de um homem cuja idade andaria pelos sessenta anos. Vestia de vaqueiro, trazendo no cinto um Colt de 45, tão velho conto o seu dono. O rosto do intruso contraía-se com um trejeito de raiva e desprezo.
— Vá ao seu trabalho, Cornel! Quem o manda meter-se onde não é chamado? O que fora designado por Cornel cuspiu com um gesto de repugnância.
— És a besta de duas patas mais sanguinária que conheço, Walter. Não tens vergonha de agredir desse modo ao pobre Austin? Que classe de sentimentos alberga o teu apodrecido coração de hiena? Se tornas a bater no rapaz, arrefeço-te com um balázio...
—Não abuse da sua idade, Cornel. Vale-se do facto de todos o respeitarmos por ser o vaqueiro mais velho da equipa, mas isso não lhe dá direito a meter-se sempre onde não é chamado.
— Isso não é verdade. Apenas não posso tolerar semelhantes injustiças diante dos meus olhos. Porque não brigas comigo, diz? Não com os punhos, de que te vales para avassalar toda a gente, mas com as armas na mão.
Walter sentiu um calafrio na espinha. Embora parecesse estranho, o «Bravo» temia Cornel mais do que ao próprio diabo. E não é porque fosse cobarde de todo, mas a fama que o velho Cornel Johnson possuía a manejar os revólveres era verdadeiramente extraordinária. Na sua juventude fora um dos homens mais rápidos do Novo México e ainda conservava á sua antiga habilidade.
—Não tenho vontade de discutir com um homem que tem o dobro, da minha idade — disse a malvada personagem. Em seguida acrescentou, querendo colocar-se um pouco à altura das circunstâncias: — Advirto-o de que sou eu quem manda aqui, Cornel, e não estou disposto a permitir que ninguém se imiscua nas minhas coisas. Já o sabe.
E não querendo discutir mais com o velho, dirigiu--se ao seu cavalo que permanecia amarrado a um poste, subiu para a sela, e, depois de lançar um novo olhar de rancor para o seu inimigo, empreendeu, um rápido galope até às pastagens do «Quatro Ventos».
Cornel viu desaparecer cavalo e cavaleiro, ao passo que o seu rosto completamente enrugado esboçava um sorriso enjoado. Ao fazê-lo quedaram a descoberto os seus dentes grandes e amarelados.
Em seguida, caminhando com agilidade imprópria dos seus anos, abeirou-se do semidesmaiado corpo do jovem Austin cujo rosto acusava as nódoas negras do feroz castigo recebido, ajudou-o a voltar a si e, dando algumas passadas, levou-o até uns baldes onde davam de beber aos cavalos.
Uma vez ali, o velho lavou a rosto ensanguentado de Austin, que se sentiu aliviado ao receber a fresca carícia da água. Tratando de tirar importância ao assunto, Cornel deu uma palmada no ombro do rapaz, enquanto dizia jocosamente:
— Caramba, Austin! Parece que te escouceou a cara um potro de dois anos... Vamos, homem, isso não é nada. Logo que te ensine uns quantos truques de luta, terás ocasião de pagar na mesma moeda a essa besta do Walter.
— Obrigado, Cornel — respondeu o jovem, sorrindo tristemente. — O senhor, depois da patroa, a única pessoa boa do rancho. Mas quanto ao capataz, julgo que nunca poderei devolver-lhe a tareia. É demasiado forte.
Cornel sorriu duramente.
— Pois se não te julgas capaz de lhe pagar na mesma moeda, Austin, dá-lhe um tiro na moleirinha e acabou-se. Esse idiota não merece nada melhor. Anda — acrescentou afetuoso — agora que podes aguentar-te sozinho vai curar-te à farmácia. Eu não posso entreter-me por mais tempo pois tenho de ver a patroa o mais rapidamente possível.
Acto contínuo encaminhou-se para o escritório de Wanda, penetrando nele sem se anunciar. A rapariga, que ainda permanecia na mesma atitude em que ficara quando o capataz partira, levantou a cabeça e fixou os olhos na porta. A expressão do seu rosto mudou completamente ao reconhecer o visitante.
Cornel Johnson era uma das pouquíssimas pessoas com quem a jovem podia contar e que mereciam o seu apreço.
— Olá, Cornel. Estive a ponto de me aborrecer outra vez. Julguei que se tratava desse selvagem do Walter.
— Para o diabo esse lobo sem entranhas — replicou o velho Johnson sentando-se ao lado de Wanda. —Estive quase a dar um tiro, há instantes, na cabeça desse gorila.
— Que sucedeu? Brigou com ele?
Cornel explicou à rapariga a cena que tinha presenciado havia pouco no pátio do «Quatro Ventos» e acabou pior dizer:
— Esse Walter é o ser mais desprezível da terra, Wanda. O que não consigo explicar-me é como teu pai elevou ao posto de capataz. Reconheço que é um «cowboy» excelente, mas há muitos outros que conhecem o ofício tão bem como ele... Não sei, pequena, mas fio-me menos nesse tipo do que num crocodilo.
Wanda, por sua vez, relatou a Cornel a conversa havida com o capataz sem omitir o menor pormenor.
— Parece-me muito estranho tudo quanto aqui está sucedendo — disse Cornel quando ela acabou de falar. — Vinha precisamente dar-te conhecimento do mesmo que Walter te comunicou. Procurei seguir as pegadas dos ladrões, mas perdi-as nas águas do «Ribeiro Largo». Pelo visto, os ladrões do' gado conhecem na perfeição o terreno que pisam, pois passaram a vau a corrente nos lugares mais acessíveis e menos perigosos. Isto demonstra-o bem claramente.
O rosto da rancheirinha tinha-se tornado novamente sombrio.
— Esta situação torna-se insustentável, Cornel. Com esta já são cinco vezes que os ladrões de gado fizeram das suas nos terrenos do «Quatro Ventos» e perdemos mais de mil cabeças de gado. Não será possível neutralizar o trabalho de sapa desta gentalha?
Cornel Johnson moveu a cabeça de um lado vaia o outro, dubitativamente.
— Não é tão fácil como parece. Os foragidos actuam com rapidez e bem. Atacam sempre nos sítios mais inesperados, como se estivessem ao corrente dos costumes do rancho e conhecessem os lugares onde as reses são menos vigiadas. Passo muitas noites sem dormir, calcorreando de cá para lá, mas nunca consegui descobrir nada de anormal.
Wanda olhou agradecida para o seu interlocutor.
— Obrigada pelos seus cuidados, Cornel. Sei que você foi sempre o melhor dos nossos vaqueiros e grande amigo de meu pai. Porque não aceitou o emprego de capataz que tantas vezes lhe 'propus?
O velho deitou para trás o chapéu de aba larga e coçou a cabeça coberta por uma espessa pelagem grisalha.
-- Eu não sirvo para mandar, menina, e como a mim também ninguém manda, vivo num mar tranquilo. Desde que possa fumar uma cachimbada atrás da outra beber uns tragos de genebra de vez em quando, tenho mais do que o suficiente. Que mais pode desejar um homem como eu, que não possui no mundo nem sequer um parente afastado? A única coisa que me resta é esperar que a senhora do gadanho se digne vir buscar-me, embora gostasse que não se apresentasse até que esta situação esteja devidamente solucionada.
— Você é boa pessoa, Cornel. Se todos fossem como você, não me veria em situação tão precária, porque me consta que os demais homens da equipa, incluindo Walter, não mexem um dedo para impedir que me roubem, alegando que já não recebem há três meses. Reconheço que em parte têm razão, mas eu nada posso fazer. Pedi um empréstimo ao Banco e disseram que não podiam servir-me, em virtude de o ano se ter apresentado o pior possível e quase todos os rancheiros retiraram as suas reservas metálicas.
Cornel permaneceu uns instantes pensativo, como se lutasse com alguma ideia não muito clara, das muitas que se atropelaram na sua mente. Por fim falou, com voz lenta:
— Eu não posso assegurar se são ou não suposições minhas, mas a culpa de que os rapazes da equipa se tenham tornado tão vadios e despreocupados têm-na esses dois vaqueiros amigos íntimos de Walter Grinnell: Tony Legrand e Lombell Dimtry.
—Em que se baseia você para supor tal coisa?
— Já te disse que talvez sejam suposições, mas pelo facto de casualmente os vaqueiros se terem tornado assim indolentes desde que esses dois tipos passaram a fazer parte da equipa. Lembro-me de que há vários anos, enquanto tu permanecias no Este, nos vimos em situação parecida com esta. Teu pai chegou a dever-nos quatro ou cinco meses de soldada e nenhum de nós perdeu a boa vontade nem diminuiu a mais pequena parcela da sua atividade pessoal. Por isso acho tão estranho tudo isto.
— Suspeita que Walter os induz a comportarem-se da forma por •que o vêm fazendo?
— Não posso assegurá-lo, Wanda, mas juro-te que se vir qualquer coisa desse género na conduta de Walter, meto-lhe seis balázios na barriga. Eu só posso alcunhá-lo de ser um selvagem, um sanguinário, mas nada mais. Em qualquer caso, filha, o melhor que poderia fazer era arranjar forma de dar um pontapé nesse tipo e pôr outro no seu lugar.
— E como quer que o faça? Devo a Walter uns cento e cinquenta dólares e para o despedir tenho de lhe pagar primeiro. Se lhe pago a ele, os outros vaqueiros também querem cobrar, e não tenho possibilidades de pagar a todos.
— Na verdade não é nada prometedora esta situação, Wanda... enfim, devemos confiar na Providência. Diz o rifão que Deus aperta, mas não afoga.
Ambos continuaram durante largo tempo a fazer combinações e tratando de encontrar uma solução viável para o difícil problema que se lhes apresentava.

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