quinta-feira, 20 de junho de 2019

BUF089.06 O plano de um doido varrido

—Não estou de acordo consigo, Hugh. Se não chega a conclusões, como compete a qualquer pessoa de sentido normal, sou capaz de montar a cavalo e afastar-me para sempre de Valley Smoky, deixando-o a si dono de tudo isto. É a minha última palavra.
— Pois a mim ainda me ficam muitas perguntas — foi a resposta de Hugh.
— Você, Wanda, só sabe considerar as coisas debaixo do seu ponto de vista, sem olhar nem ter em conta nada mais. Porque terei eu que me fazer seu sócio na exploração deste rancho? Esses trinta mil dólares que lhe emprestei para que saísse do apuro, pode muito bem devolvermos no próximo ano, ou no outro, ou quando possa fazê-lo. Tomou-me, porventura, por um videirinho, capaz de aproveitar-se das situações angustiosas em que às vezes costumam achar certas pessoas?
Wanda não sabia o que pensar a respeito do seu interlocutor. Desde o dia anterior a personalidade de Hugh tinha adquirido proporções extraordinárias aos olhos dos habitantes do «Quatro Ventos», incluindo, naturalmente, Wanda.
Agora encontravam-se no escritório da rancheira, tratando havia uma hora de um assunto em que não conseguiam pôr-se de acordo, sob nenhum aspeto. A jovem expunha argumentos e razões que ela considerava irrebatíveis, mas aquele endiabrado indivíduo parecia ter sempre uma resposta contraditória à flor dos lábios.


Por uns instantes Wanda chegou a suspeitar de alguma coisa obscura no procedimento de Hugh.
Onde tinha ele conseguido aquele dinheiro? Trinta mil dólares é uma quantia que não está ao alcance de todos. E precisamente Hugh tinha chegado ao rancho meio morto de fome, coberto de farrapos e com uma barba de três semanas. Trazia Hugh o dinheiro consigo na tarde que se apresentou no telheiro do «Quatro Ventos»? Ou tê-lo-ia conseguido depois?
Aquilo era coisa que a jovem não conseguia explicar por mais que o perguntasse. No entanto, em tudo aquilo havia um facto real, tangível, que não dava lugar a dúvidas. A angustiosa situação em que Wanda se achava tinha sido salva por Hugh no momento crítico. Por isso a jovem, uma vez decorridos os primeiros instantes de perturbação, tinha intentado penetrar nos pensamentos daquele homem estranho. Mas por muito que se tivesse esforçado, nada pôde arrancar de claro. Os olhares de Hugh não refletiam de modo algum, doblez nem falsidade, antes pelo contrário. NOS seus olhos havia sempre uma centelhazinha burlona, irónica, mas que não se podia interpretar em sentido oblíquo.
—O que lhe propus não é nenhum disparate, Hugh — disse a rapariga por fim. — Esta fazenda está avaliada, aproximadamente, nuns sessenta mil dólares. Pois bem, faremos um contrato determinando que você passa a ser meu sócio e tão dono da fazenda como eu. Receberá cinquenta por cento dos lucros até à altura em que lhe devolva a importância que me emprestou. Não pode imaginar o que significou a sua ajuda para mim... Com os dez mil dólares restantes paguei aos rapazes da equipa, que estão agora cheios de contentamento, embora só de certa maneira, com os argumentos que você expõe. Eu poderia pagar-lhe esses trinta mil dólares, mas levaria muito tempo a fazê-lo... Por isso deve aceitar a minha proposta. Em comparação com o que fez em meu favor, o que lhe estou propondo é coisa quase indigna de ser tomada em conta.
Hugh Hallowan, sentado em frente da jovem, fumava o seu cachimbo com a maior tranquilidade. Parecia achar divertida aquela situação, a julgar pelo sorriso que bailava nas suas feições vincadas e viris. Em seguida, expressando-se com a naturalidade do que expõe um assunto trivial, disse:
— Ocorreu-me algo infinitamente melhor do que todo o exposto por si e agora mesmo o vai saber, patroa...
— Não me chame patroa! — interrompeu Wanda com gesto pouso amigável. — Eu é que lhe devia chamar patrão a Si.
— Bem; afirmo-lhe que não me enfadarei com isso. Mas, como ia dizendo. Queria comunicar-lhe que a melhor solução que se pode dar a este assunto é a seguinte: você casa comigo ou eu me caso consigo, como prefira. Desta maneira... Ah! Considero um dever adverti-la de que sou viúvo pela terceira vez, sem contar várias mulheres que matei apenas entabulei com elas relações amorosas. Resumindo, que o Barba Azul, a meu lado, é um modelo de bondade com os seres do belo sexo...
Wanda abria já a boca para replicar violentamente às chalaças do seu interlocutor, mas conteve-se naquela ocasião. Uns passos que ressoaram fortes no soalho do corredor foram a causa disso. Um segundo depois, a porta do escritório estremecia com uns golpes que ameaçavam deitá-la abaixo.
— Entre quem é — disse Wanda, levantando-se um pouco do outro lado da mesa.
A porta abriu-se com a mesma violência com que tinha sido batida e no umbral apareceu a delgada e esbelta silhueta de Austin, o rapazinho que tomava conta dos estábulos.
— Que se passa, Austin, para chamares desta maneira? Entra, homem e explica-te.
— Com os diabos, Austin! — disse Hugh, Virando a cabeça. — Parece que te persegue uma tribo de canibais africanos. Entra, filho, os patrões ordenam-to. Não ouves? Entra.
Austin parecia demasiadamente excitado para reparar nas ironias de Hallowan. Tinha a testa suada e o cabelo loiro revolto. Respirava opressivamente, como se tivesse acabado de tomar parte numa corrida pedestre. Não fez repetir a indicação e entrou, fechando a porta atrás de si e chegando ao centro do aposento.
—Senta-te, rapaz — indicou de novo Wanda, amavelmente — e diz-nos o que viste para correr dessa maneira.
Austin respirou forte, como se quisesse açambarcar todo o ar do aposento. Em seguida falou, atropeladamente:
—Descobri os ladrões de gado que nos estão roubando as reses, patroa!
A notícia, com efeito, superava em muito tudo quanto os dois ouvintes teriam podido esperar. Wanda abriu os olhos com o maior dos assombros pintado neles e olhou o portador da notícia como se este tivesse dito o disparate maior do mundo.
Hugh, por sua parte, recebeu a nova com um franzir de sobrancelhas e um brilho estranho nas suas pupilas negras. Imediatamente a sua expressão sorridente desapareceu como levada por um vendaval.
— O que acabas de dizer é interessantíssimo, Austin — foi Hugh quem tomou a palavra, considerando-se com autoridade para o fazer. — Queres explicar pormenorizadamente como pudeste descobrir esses patifes?
— Pois oiçam... Esta tarde, como não tinha nada que fazer, peguei no rifle de Rusty Fremor e saí a dar uma volta pelas montanhas que fecham o vale pela parte norte. Andei pelo menos três horas, pois não tinha pressa nenhuma, com a intenção de caçar algum veadito, desses que se deixam aproximar de vez em quedo até às pastagens. Ao chegar à cabana que pertenceu a Bill Ralston, um velho caçador sem família que se matou o ano passado ao cair por um barranco, decidi entrar para descansar um pouco e fumar um cigarrinho. A cabana apresenta o aspeto de completo abandono e há quem diga que está embruxada. Eu não acredito nessas tolices e... Desculpem, estou-me desviando da questão. Bem, o caso é que me deixei cair sobre um montão de folhagem que havia no solo, quando vi as pegadas de vários passos que entravam e saíam. Não tive tempo de inspecionar mais nada. Ouvi o estrépito que produziam dois cavalos ao galopar em direção à cabana. E embora o facto carecesse de importância, visto que podiam ser muito bem dois caçadores ou simplesmente dois vaqueiros que viessem recolher qualquer rês desgarrada, julguei oportuno ocultar-me. Fi-lo debaixo do catre do velho Ralston e as teias de aranha quase me cobriram. Pouco depois, o galope dos cavalos cessou mesmo à porta e os cavaleiros penetraram no único compartimento da velha construção.
«Não podem calcular o meu assombro quando reconheci, na voz de um deles, esse coiote do Walter Grinnell. Espreitei como pude por entre a pilha de porcaria que havia debaixo do catre e vi a cara dos dois. Não me recordo de ter visto em minha vida ao outro indivíduo, mas ouvi que Walter lhe chamava Gregory. Imediatamente compreendi que se tratava de Gregory Tilland, o bandido que estiveram quase a enforcar em Yellow Land e que se escapuliu das mãos dos Rurais da Califórnia.
«Começaram a falar sobre «negócios»; assaltos a diligências e Bancos, roubos de reses, etc. Em seguida começaram a impacientar-se, dizendo Walter que o idiota de Jonathan Spencer se estava demorando demasiado. Compreendem? Jonathan é o capataz do «Círculo de Prata». Então compreendi, sem ter a menor dúvida, que a coisa prometia ser muito interessante, como também o que aqueles tipos me fariam se dessem conta da minha presença a tão curta distância deles. Apertei o rifle e dispus-me a abrir um agulheiro entre os olhos ao primeiro que se aproximasse a farejar o catre. Mas nada disso sucedeu. Pareciam achar-se demasiadamente seguros de não serem espiados por ninguém.
«Dez minutos mais tarde apresentou-se Jonathan Spencer. Ralharam Walter e Gregory com o recém-chegado, empregando um vocabulário muito próprio entre gente da sua laia. Em seguida, a conversa recaiu sobre o assunto que parecia interessar aos três.
«— «Como vão as coisas lá por baixo?» — perguntou Walter ao capataz.
«— «Não muito bem. Esses estúpidos, refiro-me aos vaqueiros do «Quatro Ventos», parece que se têm espevitado bastante. Segundo tenho ouvido, esse tipo morto de fome, o que te arriou a ti a tareia, Walter, tem a mão demasiado dura. Não descuidam a vigilância do gado e o panorama apresenta-se cada dia mais difícil.
«Walter interrompeu Jonathan com uns quantos bufidos.
«— «Maldita seja a hora em que esse esfarrapado pôs os pés em Valley Smoky! Ele está sendo a causa de todos os nossos fracassos. Mas eu sou um burro. No outro dia tive-o debaixo do ponto de mira do meu rifle e falhei o primeiro disparo. Atirou-se do cavalo abaixo, levando consigo a estúpida da sua patroa, e ocultaram-se a um lado da estrada. Ah!... Asseguro-lhes que na próxima vez...
«— «Tu falas muito, Walter» — replicou Jonathan. — A mim não me teria escapado, asseguro-te. Bem, este não é o momento para se discutir. Impõe-se tomar uma determinação rápida. O patrão está a ferro e fogo contra Gregory e a sua gente. De modo que se tem de andar com cuidado.
«— «Alto lá!» — interrompeu por sua vez o bandido. — «Se o patrão é tão valente como nos quer fazer ver, que venha ele a estes despenhadeiros, una-se a nós e diga o que se deve fazer no lugar próprio. Do seu escritório dirige as coisas muito bem, mas falta-lhe realizá-las na prática. Já lhes disse quando começámos este assunto que era a vós a quem competia o cuidado de preparar o terreno. Eu desconheço por completo os sítios onde temos de actuar e, segundo o combinado, só me interessa levar a cabo as «operações». Quando Walter estava nessa fazenda, tudo girava sobre rodas. Agora, a coisa modificou-se muito.
«— «A culpa não é minha» — desculpou-se Walter. — «Tony Legrand e Lombell Dimtry ficaram de continuar a levar notícias a Jonathan de tudo quanto se passasse no «Quatro Ventos». Eles estão metidos neste assunto tanto como nós e também lhes pertence cumprir o que prometeram.
«— «Eles nada podem fazer» — era Jonathan quem falava agora. — «Parece que esse biltre a quem chamam Hugh ordenou que os vigiem estreitamente. Sem dúvida, como são um par de idiotas chapados, tornaram-se suspeitos. O patrão está pior do que um urso, depois do novo fracasso sofrido com o assunto da hipoteca e temo que perca as estribeiras. Indicou a conveniência de pôr este assunto de parte, por uma temporada, e quase que me contagia. Quer tirar a sua desforra a todo o custo».
«— «Que planos havemos então de seguir?» — perguntou Gregory Tilland.
«— «De momento, esperar. Um dia destes, forçosamente, os do «Quatro Ventos» levarão quase todas as reses à ribanceira que há a Este do rancho, confinando com a planície do Pato. As pastagens do centro estão completamente esgotadas e na parte da ribanceira é onde há mais erva atualmente. Se assim suceder, avisá-los-emos com tempo e faremos quanto seja possível por arrebanhar todas as reses. Em seguida, pelo «Desfiladeiro do Mórmon», ser-nos-á sumamente fácil levá-las até Rock Village. Ali as remarcaremos, e assunto concluído».
«Por uns instantes, Walter e Gregory ficaram pensativos. Em seguida foi o bandido quem tomou a palavra:
«—«Não parece mau plano esse que acabas de expor. Que dizes tu a isto, Walter? És quem melhor conhece o terreno que temos de pisar.
«— «Opino como tu. Creio que os teus quinze homens e nós dois chegaremos para levar a feliz conclusão este assunto. Eles estarão desprevenidos e serão presa fácil, pois cada homem dos nossos vale por cinco vaqueiros.
«— «Então não se fala mais no assunto. Raspo-me sem perder um minuto, não vá alguém vir por aí e encontrar-nos, e então é que estaríamos perdidos.
«— «Não te preocupes com isso» — respondeu Gregory, acionando o dedo indicador como se estivesse a disparar. Via-o perfeitamente e o seu rosto quase me amedrontou naquele instante.
«— «Bom; também não é preciso matar seja quem for, tolamente» — arguiu Jonathan, que dentro do possível parecia ser o melhor dos três indivíduos. — «Que o diabo nos conduza bem desta vez. Não fico nem mais um segundo».
«Sem dizer adeus, Jonathan Spencer saiu depressa. Pouco depois o galopar dos cascos do seu cavalo perdia-se ao longe. Os outros dois canalhas não pareciam ter muita pressa. Permaneceram um quarto de hora mais sopesando os prós e os contras do plano exposto por Jonathan e, finalmente, pareceram ficar de acordo. Saíram, também, e afastaram-se ao galope largo dos seus cavalos.
«Ainda permaneci uns dez minutos escondido. Por fim decidi-me a sair, já meio asfixiado pela minha incómoda situação e andei com toda a cautela até me assomar ao exterior. Indubitavelmente, aqueles tipos não deviam voltar de novo. Agarrei no rifle de forma que o ia disparando e corri como um demónio, vendo que a noite caía sobre mim em pleno bosque. Daqui à cabana levei três horas; mas da cabana aqui, gastei uns cinquenta minutos. Eis tudo.
Austin guardou silêncio, observando atentamente os rostos dos seus dois ouvintes, procurando saber a quem tinha produzido mais efeito o seu relato.
Contra o que Austin esperava, Hugh e Wanda reagiram com extraordinária serenidade, demonstrando um grande domínio de nervos que o narrador achava lógico em Hugh, mas não em Wanda. Ambos pareciam ter-se posto de mútuo acordo. Nem deram murros furiosos na mesa, nem desataram em impropérios contra os bandidos, nem nada...
Somente Hugh mostrou o seu estado de-ânimo mediante um total endurecimento dos seus músculos faciais. Levantou-se, aproximou-se do rapazito e apertou-lhe a mão, ante a surpresa deste.
— Comportaste-te como um verdadeiro valente, rapaz — disse Hugh, simplesmente. — Dou-te os agradecimentos em nome da menina Wanda e de todos os habitantes do rancho, incluindo eu. O que descobriste é alguma coisa de importância incalculável. Algo que nos permitirá acabar para sempre com essa gentalha.
Agora sou eu quem tem um plano magnífico. Desce e diz a Cornel Johnson que suba.
— Como quiser, Hugh — respondeu o jovem, orgulhoso dos elogios que antes lhe dedicara o ex-vagabundo.
Aquelas palavras não valiam nada ditas por outra pessoa. Mas tratando-se de Hugh Hallowan...
— Um momento, Austin — disse Wanda, já quando o rapaz estava quase à porta. — Eu quero corresponder também aos serviços que prestaste a esta fazenda, mas de maneira efetiva.
Austin deteve-se, voltando a cabeça. A voz da jovem soava estranhamente serena, como se o dito pelo rapazinho não tivesse grande importância. No entanto não era assim. Os seus olhos castanhos lançavam reflexos acerados, ameaçadores, impróprios da sua frágil personalidade.
— Desde amanhã, Austin, serás um vaqueiro mais. Contrataremos qualquer mocinho de Valley Smoky para que se ocupe da faina que tens estado a desempenhar até hoje. Ah! E ofereço-te aquele cavalo da malha branca na testa. Sei que estavas amealhando para mo comprares. É teu.
Austin ficou boquiaberto. De modo algum esperava um gesto tão generoso. Não era nada, possuir um cavalo que valia pelo menos noventa dólares... E ele tinha amealhados uns dezoito para o comprar!...
Vendo que a surpresa não o deixava pronunciar palavra e que se achava sob os efeitos da mais viva emoção, Hugh deu uma patada no solo.
— Vamos, homem, faz o que te digo e não fiques aí embasbacado!
Engolindo os «agradecimentos» que estava para articular, o jovem saiu como uma tromba e correu pelas escadas abaixo, disposto a cumprir o mandato de Hugh.
Depois de Austin ter saído, os dois jovens olharam-se em silêncio. Permaneceram assim durante um interminável minuto, como se pretendessem hipnotizar-se mutuamente, como se ambos temessem romper aquele silêncio que, afinal, não deixava de ser completamente anómalo. Interrompeu-os a voz de Cornel Johnson, que ecoava da porta.
— Olá, jovens. Chamastes-me?
— Sim, Cornel — disse Wanda, apartando os seus olhos do rosto de Hugh e fixando-os no recém-chegado. — Temos de falar sobre um assunto da máxima importância.
O velho capataz avançou com o seu passo ágil e nervoso. Sem que ninguém lho dissesse, deixou-se cair numa das poltronas que havia em roda da mesa do escritório. Acendeu um cachimbo que cheirava à légua a tabaco requeimado e tragou umas quantas, baforadas de fumo.
— Ao assunto. Sou todo ouvidos.
Seguidamente, Wanda Kollings trespassou ao velho o relato de Austin, sem omitir o menor pormenor da conversa ouvida pelo jovem, nas montanhas. Cornel escutava atentamente. Seu semblante enrugado permanecia imperscrutável enquanto a jovem falava, dando a impressão de que nada daquilo o interessava. Mas ao acabar ela o relato, o velho pistoleiro tinha os seus encovados olhinhos brilhantes, latejando neles uma sensação de perigos e ameaças capaz de infundir pânico. A sua enfezada figura parecia agigantar-se em função daquela expressão sinistra.
— Tudo isso que acabas de me contar, Wanda — respondeu Cornel, pronunciando as palavras com uma lentidão estranha — suspeitava-o eu havia muito tempo. O que me faltava eram provas. Nunca pude apanhar Walter com as mãos na massa. Bem, julgo que não vale a pena pensar muito no caso. Podemos estender uma emboscada aos bandidos desse Gregory Tilland e avisar o xerife para que detenha o biltre do Edmund Kendall. A mim, pelo que me diz respeito, não me dá o menor cuidado em organizar os rapazes e lançarmo-nos como demónios sobre o «Círculo de Prata». É o melhor que pode fazer-se. Morto o bicho, acaba-se a peçonha.
— Não é má ideia, Cornei -- interveio Hugh, pensativo; — mas torna-se demasiado arriscado ministrar cada um a sua justiça por sua mão num caso como este. Além disso, lembre-se de que nem todos os vaqueiros de Kendall estão misturados neste assunto. Pelo que Austin ouviu, só terão sujado as mãos esse Jonathan Spencer e os dois traidores que temos entre nós, Tony Legrand e Lombell Dimtry. A estes, como é natural, encarregar-nos-emos de lhes pôr uma gravata de cânhamo a cada um. Já a ganharam bem e, portanto, não há outro remédio senão pôr-lha.
— De acordo, Hugh — assentou Cornel. — Eu também tinha pensado nisso. No entanto, ainda nos falta o principal. Estudaste já a forma de pagar na mesma moeda aos ladrões de gado?
— Sim. Podemos levar as reses depois de amanhã, à ribanceira, deixando-as aparentemente abandonadas. Antecipadamente ocultamo-nos no começo da planície, entre as matas. Quando eles começarem a arrebanhá-las, disparamos-lhes à cabeça sem a menor contemplação. As reses, como é natural, iniciarão a debandada ao ouvir o estrépito dos disparos. Se algum deles ficar com vida, os próprios animais se encarregarão de os esmagar debaixo das suas patas. É uma coisa que não pode falhar.
Cornel sorriu, olhando o jovem cara a cara.
– Não reparas que esse plano é do mais disparatado.
— Porquê?
— Está bem claro como água. Quem governará depois essas reses, uma vez que hajam cumprido a sua missão de espezinhar essa gentalha? Seriam necessários centos de homens para evitar que se tresmalhassem por completo. Sabes tu que classe de loucura acomete esses animais quando fogem em debandada?
Desta vez foi Hugh quem sorriu. –
-- Já tinha previsto semelhante contingência, amigo Cornel. Um homem só pode muito, bem dominar o tresmalho, embora a manada conste de vários milhares de reses. Nunca viu fazer a roda?
—Naturalmente. Também vi morrer mais de dez homens que o tentaram. Em sessenta e sete anos que tenho, só conheci um homem capaz de se sair bem de semelhante transe.
— É possível que tenha razão. De qualquer forma, eu propus-me tentá-lo. Asseguro-lhe que já sai triunfante unia vez, em Kansas. A roda pode fazê-la qualquer vaqueiro. Só se necessita de serenidade. Não se trata de nada do outro mundo.
Cornel levou as mãos à cabeça, olhando o jovem como se este tivesse perdido a razão. Também Wanda fez um gesto de espanto. A rapariga tinha ouvido várias vezes explicar o perigosíssimo exercício a que chamavam a «roda». E sentiu uma estranha mágoa ao compreender o que o jovem intentava. Era expor-se a morrer esmagado debaixo das patas dos cornúpetos, sem necessidade. A roda costumava fazer-se em caso extremo. E mesmo assim...
— Você não fará isso, Hugh — disse a rapariga com voz firme. — Se quer suicidar-se, faça-o de outra forma. Quer que carregue eu com a responsabilidade da sua morte? De forma nenhuma.
—Wanda tem razão — opinou Cornel, apesar de assombrado. -- Pode estudar-se outro plano para castigar esses malvados. Porque te lembraste logo do mais arriscado?
Hugh encolheu os ombros.
— Uma mania como outra qualquer. Eles «amolgaram» várias vezes o gado desta fazenda, não é verdade? Pois que sejam as mesmas reses as que se encarreguem de dar o que esses canalhas merecem. Depois de tudo, pode muito bem acontecer que castiguemos esses truões sem que as reses se tresmalhem. Se pensarem noutro plano, não contem comigo para nada, entendido?
Cornel e Wanda olharam-se, convindo ambos, sem palavras, que Hugh estava doido varrido.


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