segunda-feira, 3 de junho de 2019

BUF011.18 Um lenço vermelho, cor de sangue

Capítulo XVIII
Já o eco dos cascos dos cavalos dos dois homens se tinha extinguido nas sombras, quando alguém entrou na missão do padre Miguel. Era um homem corpulento, coberto de pó. Os seus passos eram firmes ao entrarem na sala onde se reuniam três pessoas. Collins e Tana olharam-no com curiosidade, enquanto tratavam da ferida que o padre tinha na cabeça. Foi este quem perguntou ao recém--chegado:
— Quem é você, meu filho?
O homem com um gesto cansado tirou o chapéu.
— Chamo-me Grunther, major Grunther.
A simples cerimónia havia terminado. O padre Miguel abençoou o novo casal e Ted Collins beijou a mulher. Mais tarde, os quatro estavam sentados à mesa, comendo do que havia na casa do bom sacerdote.
— Recebi um telegrama — declarou o major Grunther, enquanto sorvia calmamente o café. —Smith estava em apuros e precisava que alguém interviesse por ele... mencionaram somente que era o homem que me havia salvo a vida em Vicksburgo.
Collins perguntou:
— Mas afinal quem é ele?
— Que nome usou entre vós?
— John Smith.


Grunther gaguejou:
— Bem... esse nome é falso. Mas eu não tenho o direito de revelar a sua verdadeira identidade.
— O senhor atravessou o Texas e chegou quando já a sua ajuda de nada servirá...
— Mas o padre ainda não compreendeu que desejo vê-lo.., sim, quero ver esse homem, apertá-lo nos braços e agradecer-lhe uma vez mais... tenho corrido tudo para o encontrar...
— Que segredo vos une? — a voz do padre era calma e bondosa.
— Quero patentear-lhe a minha admiração. Apesar de ele ser um homem que hoje a sociedade não aceita, eu beijar-lhe-ia as mãos se aqui estivesse. É um homem que corre dum lado para o outro do mundo na companhia dum rapaz mestiço, impondo a lei e a justiça. E é de louvar o seu comportamento com os infelizes e desprovidos da sorte, quanto mais soubermos que a sua vida está calcada por ter agido, certa vez, à margem da própria justiça. Esse homem que vocês viram é um modelo de virtude... fizestes bem em acreditardes nele. Onde ele estiver, está a justiça, a humanidade e a bondade...
O homem calou-se. Nos seus olhos borbulhavam lágrimas.
— Desculpem... não posso contar mais. O que eu poderei dizer não vale nada comparado com aquilo que ele possa fazer...
Quando a lua apareceu num céu negro, salpicado aqui e acolá de estrelas, dois cavaleiros estavam parados no alto dum monte. Em baixo, o caminho abria-se em duas partes.
— Este é o caminho mais curto para chegar ao acampamento — disse Smith, sem cilhar para o amigo.
— E então? — perguntou «Corvo Louco».
— Segue-o. Vai, antes que seja tarde...
— Não...
— Mas...
— Basta. Aclaremos sempre.
— Sim, aclaremos isto — acordou o texano — Tu não podes passar sem viver no seio daquela gente que consideras agora como tua. E além disso... sim, é inútil. Não tentes enganar-me... Eu sabia que isto aconteceria. E sabes uma coisa, «Corvo Louco»?... Isso alegra-me sobremaneira. Acredita. Sinto-me feliz em saber que isto duma vez para sempre optaste por uma outra vida melhor... responde... há uma mulher de permeio, não há?...
«Corvo Louco» demorou a resposta. Mas, por fim, respondeu:
— Sim... há uma mulher, entre outras coisas mais. Não sei como explicar esta coisa. Surgiu subitamente...
— «Corvo Louco» ... escuta o teu amigo de sempre. Vai... vai e sê muito feliz. Quem é ela?
— É Nutria, a filha do chefe apache.
— Também a filha dum chefe apache foi a esposa de teu pai. Vai, «Corvo Louco» ... e não te arrependas. Deixemo-nos de lamentações ou de despedidas. Nada disso conta entre nós. Voltaremos a ver-nos... Adeus, amigo...
«Corvo Louco» levantou o braço num sinal de despedida e ainda tentou falar...
— Espera...
Mas já o cavalo se afastava a galope, perdendo-se para além do bosque de álamos envolto nas sombras da noite...
Os corvos grasnavam, volteando nas suas asas negras, poisando aqui e acolá sobre um corpo desfigurado e retalhado pelos seus bicos horrorosos. Do homem que havia caído no sopé do monte, desfalecido pela fome e pelo cansaço, pouco restava. O banquete daquelas horripilantes aves estava prestes a terminar.
Porém, uma dessas aves mais teimosas não quis levantar voo sem arrancar qualquer coisa que aquela massa informe tinha presa a si. E então, quando o conseguiu, o seu grasnar foi de triunfo. Bateu as asas e voou para um ponto mais alto do monte.
Nesse momento um cavaleiro parou a sua montada para apreciar a macabra tarefa daquelas aves. Os seus olhos seguiram o voo do último corvo e tentaram lobrigar o objeto que, preso ao bico, baloiçava ao sabor do vento.
E, então, John Smith pôde verificar que aquilo que esvoaçava ao vento que soprava do Norte era nada mais que um lenço vermelho, cor de sangue que se destacava nitidamente no fundo azul do céu...



FIM 

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