domingo, 2 de junho de 2019

BUF011.17 Duelo na casa do padre Miguel

Capítulo XVII
Skeleton Pass era um estreito e comprido corredor de trevas, quando os carros de Collins penetraram nele. A lua não havia aparecido ainda. De vez em quando ouvia-se ao longe o uivar dos lobos ou os pios do mocho. Nem Collins nem Tana tinham dado demasiada importância ao facto de que, em contradição ao prometido, John Smith não tivesse aparecido até eles entrarem naquele escuro desfiladeiro. Ambos tinham mais em que pensar... A ilusão do seu amor perdia-os para quaisquer outros pensamentos. Tinham a certeza que o padre Miguel os abençoaria de boa vontade e os uniria para a vida pelos laços do matrimónio.
Marchando à frente dos transportes, o rapaz sentiu uma profunda emoção ao divisar entre as trevas a casinha pequena do padre Miguel. As suas duas janelas estavam iluminadas. O jovem olhou para trás. A cinco metros, avançava Tana, por certo embevecida nos mesmos pensamentos.
Quando chegaram ao planalto onde estava instalada a missão, Collins soltou um grito de saudação. A resposta, porém, não chegou. Collins sorriu. Sabia que o padre Miguel era um pouco duro de ouvido. Conduziu os bois para o curral e alinhou os carros. Tana correu ao seu encontro.
— Ted! — exclamou ela. — Chegou o momento!


O rapaz beijou-a e rodeando-lhe a cintura, encaminhou-se para a casinha.
— Se Smith não está cá — disse ela — teremos por certo de esperar por ele. Oxalá não seja por muito tempo. Antes de vinte e quatro horas devemos entregar as mantas...
— Bem, vamos lá... O padre Miguel deve lá estar dentro...
O casal deteve-se uns segundos à entrada da porta. A sala estava cheia de fumo. Cheirava a café e carne assada.
— Padre! -- chamou o rapaz. — Onde está?!
A súbita pressão da mão da rapariga sobre o seu braço fê-lo abrir os olhos de espanto e terror. Sentado numa cadeira, junto à mesa, com a cabeça pendente para trás, jazia o corpo do padre Miguel. O sangue seco manchava-lhe o rosto. -- Morto? — sussurrou Tana.
Collins correu para junto do corpo.
— Ainda vive! — exclamou. — Apressa-te, Tana. Vê se descobres por aí, em qualquer canto, uma garrafa de aguardente ou um licor qualquer.
Uma voz pastosa e sinistra saiu da escuridão dum canto:
— Não é preciso, Collins. O que interessa agora é que levante as mãos, e tenha muito juízo.
Tana lançou um grito ao ver que das sombras surgia a figura odiosa de Bosco Bates, empunhando um grande revólver «45».
— Bosco Bates! — suspirou Collins, levantando o corpo.
A luz refletiu-se nos cristais dos óculos do indian-agent. Os seus lábios distendiam-se num sorriso cínico.
— Para o servir, rapaz. Lembrou-me que poderias descarregar aqui mesmo as tuas preciosas mantas, mas o velho teve a fraca ideia de não permitir tal coisa... Bem. Ele já tem a sua conta.
— Você é um porco... — Collins tremia de cólera.
— É um canalha...
Tana lançou-se contra o bandido. Mas nesse momento, outra figura, mais repelente ainda, apareceu no umbral da porta segurando fortemente Tana pelos braços. Os lábios gretados de «Grande Águia» sorriam num esgar perverso.
— Está bem — disse o rapaz, dominando-se. —Você já aí tem as mantas. Ganhou. Aperte o gatilho duma vez para sempre.
Bosco Bates soltou uma pequena gargalhada arrepiante.
— Achas-me assim tão duro? Não, amigo, não principiemos a dramatizar. Quero fazer com vocês um tratado. Se aceitarem sairão com vida. De contrário...
Collins abanou a cabeça. Todos os seus sonhos ruíam:
— Não quero tratados com bandidos.
A arma que «Grande Águia» empunhava dava voltas sobre voltas nas suas mãos tatuadas.
— Escuta primeiro a oferta — continuou Bosco Bates — e depois então responde. Dar-vos-ei a liberdade se tu assinares a transferência de todos os teus bens para o meu nome.
— E se eu recusar?
— Se recusares, prometo não gastar contigo mais do que uma bala. Aqui estão os papéis — e Bates mostrou duas folhas de papel em branco.
A mão de Tana apertava-se fortemente à de Collins.
— Não, Bates, a mim não me engana... Recuso-me a assinar.
Uma centelha de furor brilhou nos olhos do bandido.
— Pode ser que tu sejas mais razoável — disse, voltando-se para Tana. — Temos connosco um sacerdote que recobrará os sentidos dentro de alguns minutos. E então, quando tu fores minha mulher...
Tana passou um braço em torno do corpo de Collins e a sua negativa soou com a força duma explosão:
— Nunca!
Bates aproximou-se. O seu rosto perdeu a cor e os seus lábios torceram-se num esgar.
— Muito bem. Morrerão os dois. O padre Miguel também irá com vocês...
Umas esporas tiniram à entrada da porta, «Grande Águia» e Bosco Bates voltaram-se ao mesmo tempo. Collins no mesmo instante abraçou-se à rapariga atirando-se para o chão. Uma língua de fogo brotou do cano da arma de Bates. A bala perdeu-se na parede. O agente olhou para a porta e vislumbrou através da pequena nuvem de fumo a alta e majestosa figura de John Smith.
— John Smith — murmurou Bates.
— É verdade, sou eu próprio, patife. Largue a arma.
A ordem não admitia réplica, mas o indian-agent não o atendeu. Tentando escudar-se com a mesa, procurou atingir o texano. Porém, a bala do Navy, empunhado pela mão firme de John Smith, cruzou o espaço e entrou no pescoço de Bosco Bates. O bandido balanceou-se nas pernas rígidas e caiu para a frente sem mesmo soltar um gemido.
«Grande Águia» tentou agir por sua vez. Apontou a arma, mas um objeto brilhante saiu das sombras e cravou-se-lhe nas costas. A espingarda saltou das mãos do feiticeiro e este, antes de cair, encostou-se- à porta, permitindo mais ainda a entrada do punhal que ficou enterrado até ao cabo. Depois, as pernas vergaram-se-lhe e o seu corpo horrivelmente tatuado tombou no solo de madeira, arrancando um som cavo. Tudo havia terminado.
Durante alguns momentos ninguém falou. «Corvo Louco» saiu das sombras, caminhando vagarosamente para o centro da sala. Então, John Smith, tendo nos lábios um impercetível sorriso, anunciou:
— Agora, já não é preciso ter muita pressa para chegar ao acampamento-reserva, Collins. Joe Spain é quem agora se ocupa dele. Confio que se darão muito bem.
O rapaz, aturdido, não soube o que responder. Naquele momento, ouviu-se na sala um curto gemido. Todos os rostos se voltaram para a figura do padre. A sua cabeça principiou a mexer-se e os seus olhos abriram-se. Tana correu para o sacerdote secundada por Collins. «Corvo Louco» puxou o amigo por um braço e arrastou-o para o exterior.
— Que há?... — Perguntou Smith.
— Vamos... — disse o mestiço, a meia voz.
— Mas estes rapazes...
— Estes rapazes não precisam de ti nem de mim, nem de ninguém, salvo do padre Miguel. Vamo-nos embora, por Deus, vamo-nos já. Vamo-nos para a Califórnia ou para Nevada, mas abandonemos isto.
— Estás louco? — perguntou o texano, abanando o amigo pelos ombros.
— Talvez... — respondeu-lhe o mestiço.
Os dois homens olharam-se durante alguns momentos.
— Muito bem... — concordou Smith. — Faze o que quiseres.
Momentos depois, galopavam através da noite, sem um rumo certo, sem um destino.

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