Visto que não estavam em Sheridan e Gen não tinha uma ideia acerca do sítio onde poderia encontrar os seus homens, e sendo já demasiado tarde para continuar a sua viagem, resolveu passar a noite na cidade, escolhendo para o efeito o mais modesto dos seus dois hotéis.
Não se levantou muito cedo, pois queria aproveitar para fazer compras: provisões, arame, pregos, algumas ferramentas ... Depois de adquirir tudo, foi a um dos estábulos e alugou um animal forte que pudesse servir-lhe de azémola, carregando-o com as suas aquisições.
Passava, portanto, das dez horas da manhã, quando, finalmente, abandonou a cidade, seguindo o caminho de carros que conduzia a Akron, se bem que não pensasse chegar até ali, mas sim desviar-se muito antes, tomando a direção do Norte.
Todavia, andada pouco mais de meia milha, ouviu uns gritos agudos e angustiosos.
Eram evidentemente de mulher e pareciam soar do outro lado do cotovelo formado pelo caminho à sua frente, num ponto penhascoso coberto de mato. Gen tinha já bastantes conflitos com os seus próprios assuntos, mas mesmo assim não hesitou um momento.
Em caso algum isso teria sucedido, mas muito menos tratando-se de uma mulher.
— Vejamos do que se trata — murmurou de si para si, roçando os flancos do seu cavalo com as esporas.
O zaino lançou-se no mesmo instante para a frente, quase arrastando com ele a azémola que o seguia e cobrindo em poucos segundos a meia centena de jardas que os separava da pronunciada curva.
Ainda não tinha entrado nesta, quando novos gritos chegaram aos seus ouvidos.
— Socorro! ... Socorro! ...
Mas os apelos ainda não se haviam extinguido quando o jovem, dobrada a curva, viu imediatamente o que estava a acontecer.
No mesmo instante também foi visto.
— Cuidado! — gritou um dos homens que procuravam subjugar a mulher.
Ao vê-lo, largaram-na imediatamente, deixando-a cair desamparada no solo poeirento, sob as patas de três cavalos, que se agitavam, nervosos e assustados.
Gene soltou a corda que segurava a azémola e ao mesmo tempo as rédeas. A situação era sob todos os aspetos daquelas que tornam necessário ter as mãos livres.
Não sabia quem pudesse ser a mulher, nem tão-pouco a relação que houvesse entre ela e os dois indivíduos, que se haviam afastado um do outro e avançado alguns passos, fazendo-lhe frente. De maneira que resolveu não se precipitar.
Deteve o zaino com uma leve pressão dos seus joelhos e esperou.
— Quem diabo é você? — perguntou desabridamente o indivíduo de rosto magro e ossudo e olhos de marmota.
— Isso é o que eu perguntava a mim próprio em relação a vocês — redarguiu Gen com calma.
— Ponha-se a andar, rapazola! — grunhiu o segundo dos homens que enfrentavam Keller, mais corpulento do que o seu companheiro.
— Porquê?
A tranquila pergunta pareceu surpreender e encolerizar os dois indivíduos.
— Maldito intrometido! — estalou «Rosto Magro», como era conhecido. — Afaste-se do nosso caminho, imbecil!
O insulto dava à questão um aspeto pessoal, de maneira a permitir a Gen proceder sem aguardar novo pedido de auxílio da mulher nem receio de cometer um possível erro.
— Guarde os seus zurros para quando se dirigir aos quadrúpedes da sua estirpe advertiu, sem se alterar.
Os salientes pómulos do homem obscureceram-se.
— Bastardo ...! — bramiu. — Vou ensinar-te a ...
Era rápido, sem dúvida, mas ainda não tinha acabado de extrair o seu revólver quando viu com olhos espantados voltado para si um dos azulados «Colts» de cano comprido e encaixes de nácar, que despedia reflexos brilhantes sob a ação dos raios solares. E viu o fumo e a pálida língua alaranjada que brotou da arma, ao mesmo tempo que sentia no corpo o impacto paralisante que o empurrava para trás e para o lado, fazendo-o oscilar na sela.
Após, sentiu uma dor vivíssima e uma angustiosa sensação de afogo e de vertigem. Como se se precipitasse num poço sem fundo, sem ar e sem luz. E mais nada.
Nunca chegaria a saber que estava a guinchar desgarradamente, como um suíno, enquanto se precipitava no solo.
Mal apertara o gatilho do seu revólver direito, Gen moveu o esquerdo, já engatilhado, e soltou o percutor quando o segundo indivíduo levantava a sua arma.
Dois tiros impecáveis, precisos, com menos de um segundo de intervalo.
Gen libertou-se dos estribos, passou a perna esquerda por cima da borraina da sela e saltou para o solo, sem largar as suas armas nem deixar de vigiar um só instante os dois corpos que jaziam agora sobre a poeira do caminho.
O detonar das armas, os gritos, a queda dos dois cavaleiros e o odor a sangue espantaram os cavalos, de modo que nada se interpunha entre Gen e as suas vítimas quando avançou cautelosamente para elas, engatilhados os revólveres e prontos para abrir fogo ao menor indício de perigo.
Mas já não havia nada que temer. «Rosto Magro» estava morto e o seu companheiro estremecia nas últimas convulsões.
Gen, então, levantou a cabeça, olhando para onde caíra a mulher.
Despenteada, coberta de pó e com o rosto manchado por um amálgama de poeira e lágrimas, contemplava-o por sua vez com uns olhos tão abertos que pareciam encher-lhe as feições.
Permanecia no meio do caminho, semi-ajoelhada, com as mãos mergulhadas na terra solta e tão assustada ao que parecia que só a sua incapacidade de reações a impedia de se levantar de um salto e escapar a toda a pressa.
— Encontra-se bem? Não está ferida nem magoada? — perguntou amavelmente Gen, com uma voz calma e tranquilizadora.
Ela moveu os lábios sem conseguir articular som algum, incapaz de se mexer ou de falar. Fixou os olhos angustiados no rosto moreno do homem, onde ressaltavam os seus dentes brancos num sorriso preocupado.
Procurando conter os soluços com que desafogava a angústia sofrida e lutando contra o violento desejo de esconder a sua cabecinha loira entre os largos ombros masculinos cobertos pelo casaco de pele, sentindo-se mais desvalida e criança do que nunca na sua vida, Cathy acabou por se levantar sem parecer notar a mão que se estendia para a ajudar, refugiando a sua debilidade atrás de uma estranha, incompreensível e a todos os títulos intempestiva atitude orgulhosa.
Erguendo com altivez a cabeça para vencer a sua própria fraqueza, e sem deixar de dar a impressão ao homem que a contemplava de que desprezava a sua ajuda, Cathy procurou sacudir-se do pó e dar uma certa ordem ao vestuário.
Gen quedara-se paralisado de surpresa, pois somente ao inclinar-se para ajudar a jovem a levantar-se é que a reconhecera.
E também sofreu uma estranha reação, não só pela súbita compreensão do que estivera prestes a suceder à linda rapariga que tão profundamente o impressionara em Akron, como pela inexplicável altivez com que praticamente o ignorava, depois de ele a ter salvado com grave risco da sua vida.
— Pelo visto, tanto você como seu pai julgam-se os donos da região — observou desabridamente. — Será que nenhum dos dois tem o senso suficiente para compreender o risco a que se expõe andando sozinha por estes caminhos?
A brusca reprimenda teve o condão de libertar os contraídos nervos da rapariga.
— O facto de me haver salvado a vida não lhe dá o direito de censurar as minhas ações e criticar meu pai — exclamou, fora de si, num tom agreste e mordente.
— Não foi a vida que lhe salvei, menina — replicou Gen, igualmente desagradável, para acrescentar com rude sarcasmo: — Pode inclusivamente ter acontecido que não fosse nada de importância, em cujo caso lhe rogo que desculpe a minha impertinência.
Cathy, ao compreender o alcance daquelas palavras, abriu desmesuradamente os seus formosos olhos.
— Oh! — exclamou, sem palavras, formando um circulo delicioso com os seus lábios trémulos que eram uma pura tentação, bem como todo o seu rosto, não obstante o pó misturado de lágrimas que o cobria.
Contemplando-a, Gen compreendeu que estava perdido, que jamais poderia olvidar aquela maravilhosa criatura tão fora do seu alcance.
— Você!... Você! — gritou ela, rubra de indignação e vergonha, sem encontrar palavras que exprimissem o que sentia.
— De qualquer modo, livrei-a de alguns incómodos — prosseguiu Keller, aparentando uma serenidade que estava longe de sentir. — E para lhe evitar a humilhação de se mostrar agradecida, com isto ficamos quites.
Ainda não havia acabado de falar quando a acolheu entre os braços, abarcando facilmente a breve cintura e beijando com ânsia aqueles lábios tentadores que, surpreendidos, não ofereceram resistência alguma durante alguns instantes.
Depois, a rapariga afastou-se violentamente e tentou esbofetear o atrevido, que o impedia agarrando-lhe os pulsos.
Cathy não se sentia agora assustada. Pelo contrário, experimentava uma estranha sensação, algo que nem ela própria saberia explicar e do qual nem mesmo se chegava a advertir.
Raivosamente, começou aos pontapés contra as tíbias do aprumado jovem, ao mesmo tempo que procurava morder as mãos que lhe sujeitavam os pulsos.
Um dos pontapés alcançou Gen um pouco acima do cano da bota, e embora o pé fosse pequeno e delicado, o golpe arrancou-lhe um grunhido, e fê-lo descuidar-se por um breve instante, que a rapariga aproveitou para fincar os seus dentes pequenos e bonitos, mas fortes e agudos, na mão esquerda de Keller, obrigando-o a soltar um uivo de dor.
Cathy parecia uma gata furiosa e nem sequer pensava em fugir. Mantendo a sua agressividade, deu-lhe uma unhada ao mesmo tempo que lhe aplicava um novo pontapé e tentava morder-lhe a outra mão, tudo isso de uma maneira rápida e contínua, quase simultânea.
Ante aquilo, Gen voltou as costas a Cathy, empreendendo uma tão veloz como ignominiosa retirada, correndo tanto quanto lhe permitiam os altos tacões das suas botas vaqueiras e os pesados safões atados às suas pernas.
Já a salvo e verificando que não era perseguido, voltou-se entre envergonhado e um tanto divertido, para ver o que fazia o orgulhoso diabinho que o havia enfeitiçado. E no mesmo momento esqueceu-se de tudo ... que não fosse a urgente necessidade de se pôr a salvo.
Ela aproximara-se do seu cavalo, arrancando da sela o poderoso e moderno rifle de Gen.
— Diabos! — grunhiu ele, ao mesmo tempo que se lançava de um salto para fora do caminho, arremetendo com ímpeto sobre o agreste matagal que crescia à margem da curva.
Gen fazia mais ruído que um touro enfurecido num sobreiral, mas mesmo assim ouviu perfeitamente o estampido do rifle.
Ela não podia vê-lo, mas o rumor e agitação do mato constituíam uma boa referência, pelo que Gentry Keller se deteve instantaneamente.
— Saia daí, cobarde, atrevido, abusador de mulheres!... Vamos, miserável! Por que não volta?
Os gritos da jovem chegavam aos seus ouvidos com perfeita clareza.
— Um perfeito demónio! — ruminou, assomando com precaução a cabeça por entre a densidade do mato.
Ela continuava no meio do caminho, junto do cavalo e com o rifle empunhado.
Os outros animais haviam-se afastado, espantados com os disparos e o cheiro a sangue, mas o zaino continuava firme, sem acusar medo algum, para além de um ligeiro tremor nos músculos das patas.
— Não se esconda, grande patife! É tão cobarde que tem medo de uma fraca rapariga, só e desamparada?
Gen estremeceu, sacudido por um riso silencioso.
— Livra! — considerou. —Não estão mal estas fracas raparigas, sós e desamparadas! Comparada com ela a mais feroz das panteras é um prodígio de mansidão.
Entretanto, Cathy, parecendo desistir de tirá-lo do seu esconderijo, voltara a meter a arma no coldre da sela e, agarrando-se à respetiva borraina, elevou-se com bastante facilidade, montando o zaino e esporeando-lhe os flancos. O cavalo partiu a galope.
— Ladrazinha! — exclamou Gen, sem que ela o pudesse ouvir, perguntando a si mesmo se devia assobiar ao animal, fazendo-o voltar, ou permitir que a sua linda inimiga o levasse.
Mas ela montava à cavaleiro numa sela inadequada, de maneira que uma paragem brusca do garanhão podia despedi-la por cima das orelhas do animal, do que seria muito possível resultar uma queda desastrosa, inclusivamente com alguma fratura.
Abandonou, portanto, o seu refúgio e ficou-se a ver a gentil amazona afastar-se, até desaparecer na distância. Logo, perdido o sorriso e carregando o cenho, olhou para os corpos que jaziam sobre a poeira do caminho.
Não podia deixá-lo ali, de maneira que se tornava necessário levá-los para a cidade e entregá-los ao xerife. Mas, que faria Sandpon? Não aproveitaria a oportunidade para o encarcerar? A verdade é que não alimentava muitas ilusões acerca do testemunho que Cathy Garfield pudesse dar dos factos, na hipótese de ser solicitada a prestá-lo.
Pensar nisso sombreou ainda mais os seus pensamentos. Que contaria a enfurecida rapariga a seu pai e qual seria a reação deste?
«Por que maldita razão hei-de complicar sempre a existência de tão estúpida forma?», pensou, furioso consigo mesmo. Mas como as recriminações não conduziam a nada, encolheu os ombros e foi à procura dos cavalos.
A azémola estava perto, pastando à beira do caminho e os cavalos dos indivíduos mortos tão-pouco se haviam afastado muito. Mas o da rapariga desaparecera, certamente por ser o único que sabia como regressar à cavalariça.
Tudo se resolveu facilmente atravessando num dos animais os ensanguentados cadáveres das suas vítimas, embora a tarefa não lhe fosse muito agradável, e montando o outro.
Levando à arreata a azémola e o cavalo que transportava a fúnebre carga, empreendeu o regresso à cidade.
Não se levantou muito cedo, pois queria aproveitar para fazer compras: provisões, arame, pregos, algumas ferramentas ... Depois de adquirir tudo, foi a um dos estábulos e alugou um animal forte que pudesse servir-lhe de azémola, carregando-o com as suas aquisições.
Passava, portanto, das dez horas da manhã, quando, finalmente, abandonou a cidade, seguindo o caminho de carros que conduzia a Akron, se bem que não pensasse chegar até ali, mas sim desviar-se muito antes, tomando a direção do Norte.
Todavia, andada pouco mais de meia milha, ouviu uns gritos agudos e angustiosos.
Eram evidentemente de mulher e pareciam soar do outro lado do cotovelo formado pelo caminho à sua frente, num ponto penhascoso coberto de mato. Gen tinha já bastantes conflitos com os seus próprios assuntos, mas mesmo assim não hesitou um momento.
Em caso algum isso teria sucedido, mas muito menos tratando-se de uma mulher.
— Vejamos do que se trata — murmurou de si para si, roçando os flancos do seu cavalo com as esporas.
O zaino lançou-se no mesmo instante para a frente, quase arrastando com ele a azémola que o seguia e cobrindo em poucos segundos a meia centena de jardas que os separava da pronunciada curva.
Ainda não tinha entrado nesta, quando novos gritos chegaram aos seus ouvidos.
— Socorro! ... Socorro! ...
Mas os apelos ainda não se haviam extinguido quando o jovem, dobrada a curva, viu imediatamente o que estava a acontecer.
No mesmo instante também foi visto.
— Cuidado! — gritou um dos homens que procuravam subjugar a mulher.
Ao vê-lo, largaram-na imediatamente, deixando-a cair desamparada no solo poeirento, sob as patas de três cavalos, que se agitavam, nervosos e assustados.
Gene soltou a corda que segurava a azémola e ao mesmo tempo as rédeas. A situação era sob todos os aspetos daquelas que tornam necessário ter as mãos livres.
Não sabia quem pudesse ser a mulher, nem tão-pouco a relação que houvesse entre ela e os dois indivíduos, que se haviam afastado um do outro e avançado alguns passos, fazendo-lhe frente. De maneira que resolveu não se precipitar.
Deteve o zaino com uma leve pressão dos seus joelhos e esperou.
— Quem diabo é você? — perguntou desabridamente o indivíduo de rosto magro e ossudo e olhos de marmota.
— Isso é o que eu perguntava a mim próprio em relação a vocês — redarguiu Gen com calma.
— Ponha-se a andar, rapazola! — grunhiu o segundo dos homens que enfrentavam Keller, mais corpulento do que o seu companheiro.
— Porquê?
A tranquila pergunta pareceu surpreender e encolerizar os dois indivíduos.
— Maldito intrometido! — estalou «Rosto Magro», como era conhecido. — Afaste-se do nosso caminho, imbecil!
O insulto dava à questão um aspeto pessoal, de maneira a permitir a Gen proceder sem aguardar novo pedido de auxílio da mulher nem receio de cometer um possível erro.
— Guarde os seus zurros para quando se dirigir aos quadrúpedes da sua estirpe advertiu, sem se alterar.
Os salientes pómulos do homem obscureceram-se.
— Bastardo ...! — bramiu. — Vou ensinar-te a ...
Era rápido, sem dúvida, mas ainda não tinha acabado de extrair o seu revólver quando viu com olhos espantados voltado para si um dos azulados «Colts» de cano comprido e encaixes de nácar, que despedia reflexos brilhantes sob a ação dos raios solares. E viu o fumo e a pálida língua alaranjada que brotou da arma, ao mesmo tempo que sentia no corpo o impacto paralisante que o empurrava para trás e para o lado, fazendo-o oscilar na sela.
Após, sentiu uma dor vivíssima e uma angustiosa sensação de afogo e de vertigem. Como se se precipitasse num poço sem fundo, sem ar e sem luz. E mais nada.
Nunca chegaria a saber que estava a guinchar desgarradamente, como um suíno, enquanto se precipitava no solo.
Mal apertara o gatilho do seu revólver direito, Gen moveu o esquerdo, já engatilhado, e soltou o percutor quando o segundo indivíduo levantava a sua arma.
Dois tiros impecáveis, precisos, com menos de um segundo de intervalo.
Gen libertou-se dos estribos, passou a perna esquerda por cima da borraina da sela e saltou para o solo, sem largar as suas armas nem deixar de vigiar um só instante os dois corpos que jaziam agora sobre a poeira do caminho.
O detonar das armas, os gritos, a queda dos dois cavaleiros e o odor a sangue espantaram os cavalos, de modo que nada se interpunha entre Gen e as suas vítimas quando avançou cautelosamente para elas, engatilhados os revólveres e prontos para abrir fogo ao menor indício de perigo.
Mas já não havia nada que temer. «Rosto Magro» estava morto e o seu companheiro estremecia nas últimas convulsões.
Gen, então, levantou a cabeça, olhando para onde caíra a mulher.
Despenteada, coberta de pó e com o rosto manchado por um amálgama de poeira e lágrimas, contemplava-o por sua vez com uns olhos tão abertos que pareciam encher-lhe as feições.
Permanecia no meio do caminho, semi-ajoelhada, com as mãos mergulhadas na terra solta e tão assustada ao que parecia que só a sua incapacidade de reações a impedia de se levantar de um salto e escapar a toda a pressa.
— Encontra-se bem? Não está ferida nem magoada? — perguntou amavelmente Gen, com uma voz calma e tranquilizadora.
Ela moveu os lábios sem conseguir articular som algum, incapaz de se mexer ou de falar. Fixou os olhos angustiados no rosto moreno do homem, onde ressaltavam os seus dentes brancos num sorriso preocupado.
Procurando conter os soluços com que desafogava a angústia sofrida e lutando contra o violento desejo de esconder a sua cabecinha loira entre os largos ombros masculinos cobertos pelo casaco de pele, sentindo-se mais desvalida e criança do que nunca na sua vida, Cathy acabou por se levantar sem parecer notar a mão que se estendia para a ajudar, refugiando a sua debilidade atrás de uma estranha, incompreensível e a todos os títulos intempestiva atitude orgulhosa.
Erguendo com altivez a cabeça para vencer a sua própria fraqueza, e sem deixar de dar a impressão ao homem que a contemplava de que desprezava a sua ajuda, Cathy procurou sacudir-se do pó e dar uma certa ordem ao vestuário.
Gen quedara-se paralisado de surpresa, pois somente ao inclinar-se para ajudar a jovem a levantar-se é que a reconhecera.
E também sofreu uma estranha reação, não só pela súbita compreensão do que estivera prestes a suceder à linda rapariga que tão profundamente o impressionara em Akron, como pela inexplicável altivez com que praticamente o ignorava, depois de ele a ter salvado com grave risco da sua vida.
— Pelo visto, tanto você como seu pai julgam-se os donos da região — observou desabridamente. — Será que nenhum dos dois tem o senso suficiente para compreender o risco a que se expõe andando sozinha por estes caminhos?
A brusca reprimenda teve o condão de libertar os contraídos nervos da rapariga.
— O facto de me haver salvado a vida não lhe dá o direito de censurar as minhas ações e criticar meu pai — exclamou, fora de si, num tom agreste e mordente.
— Não foi a vida que lhe salvei, menina — replicou Gen, igualmente desagradável, para acrescentar com rude sarcasmo: — Pode inclusivamente ter acontecido que não fosse nada de importância, em cujo caso lhe rogo que desculpe a minha impertinência.
Cathy, ao compreender o alcance daquelas palavras, abriu desmesuradamente os seus formosos olhos.
— Oh! — exclamou, sem palavras, formando um circulo delicioso com os seus lábios trémulos que eram uma pura tentação, bem como todo o seu rosto, não obstante o pó misturado de lágrimas que o cobria.
Contemplando-a, Gen compreendeu que estava perdido, que jamais poderia olvidar aquela maravilhosa criatura tão fora do seu alcance.
— Você!... Você! — gritou ela, rubra de indignação e vergonha, sem encontrar palavras que exprimissem o que sentia.
— De qualquer modo, livrei-a de alguns incómodos — prosseguiu Keller, aparentando uma serenidade que estava longe de sentir. — E para lhe evitar a humilhação de se mostrar agradecida, com isto ficamos quites.
Ainda não havia acabado de falar quando a acolheu entre os braços, abarcando facilmente a breve cintura e beijando com ânsia aqueles lábios tentadores que, surpreendidos, não ofereceram resistência alguma durante alguns instantes.
Depois, a rapariga afastou-se violentamente e tentou esbofetear o atrevido, que o impedia agarrando-lhe os pulsos.
Cathy não se sentia agora assustada. Pelo contrário, experimentava uma estranha sensação, algo que nem ela própria saberia explicar e do qual nem mesmo se chegava a advertir.
Raivosamente, começou aos pontapés contra as tíbias do aprumado jovem, ao mesmo tempo que procurava morder as mãos que lhe sujeitavam os pulsos.
Um dos pontapés alcançou Gen um pouco acima do cano da bota, e embora o pé fosse pequeno e delicado, o golpe arrancou-lhe um grunhido, e fê-lo descuidar-se por um breve instante, que a rapariga aproveitou para fincar os seus dentes pequenos e bonitos, mas fortes e agudos, na mão esquerda de Keller, obrigando-o a soltar um uivo de dor.
Cathy parecia uma gata furiosa e nem sequer pensava em fugir. Mantendo a sua agressividade, deu-lhe uma unhada ao mesmo tempo que lhe aplicava um novo pontapé e tentava morder-lhe a outra mão, tudo isso de uma maneira rápida e contínua, quase simultânea.
Ante aquilo, Gen voltou as costas a Cathy, empreendendo uma tão veloz como ignominiosa retirada, correndo tanto quanto lhe permitiam os altos tacões das suas botas vaqueiras e os pesados safões atados às suas pernas.
Já a salvo e verificando que não era perseguido, voltou-se entre envergonhado e um tanto divertido, para ver o que fazia o orgulhoso diabinho que o havia enfeitiçado. E no mesmo momento esqueceu-se de tudo ... que não fosse a urgente necessidade de se pôr a salvo.
Ela aproximara-se do seu cavalo, arrancando da sela o poderoso e moderno rifle de Gen.
— Diabos! — grunhiu ele, ao mesmo tempo que se lançava de um salto para fora do caminho, arremetendo com ímpeto sobre o agreste matagal que crescia à margem da curva.
Gen fazia mais ruído que um touro enfurecido num sobreiral, mas mesmo assim ouviu perfeitamente o estampido do rifle.
Ela não podia vê-lo, mas o rumor e agitação do mato constituíam uma boa referência, pelo que Gentry Keller se deteve instantaneamente.
— Saia daí, cobarde, atrevido, abusador de mulheres!... Vamos, miserável! Por que não volta?
Os gritos da jovem chegavam aos seus ouvidos com perfeita clareza.
— Um perfeito demónio! — ruminou, assomando com precaução a cabeça por entre a densidade do mato.
Ela continuava no meio do caminho, junto do cavalo e com o rifle empunhado.
Os outros animais haviam-se afastado, espantados com os disparos e o cheiro a sangue, mas o zaino continuava firme, sem acusar medo algum, para além de um ligeiro tremor nos músculos das patas.
— Não se esconda, grande patife! É tão cobarde que tem medo de uma fraca rapariga, só e desamparada?
Gen estremeceu, sacudido por um riso silencioso.
— Livra! — considerou. —Não estão mal estas fracas raparigas, sós e desamparadas! Comparada com ela a mais feroz das panteras é um prodígio de mansidão.
Entretanto, Cathy, parecendo desistir de tirá-lo do seu esconderijo, voltara a meter a arma no coldre da sela e, agarrando-se à respetiva borraina, elevou-se com bastante facilidade, montando o zaino e esporeando-lhe os flancos. O cavalo partiu a galope.
— Ladrazinha! — exclamou Gen, sem que ela o pudesse ouvir, perguntando a si mesmo se devia assobiar ao animal, fazendo-o voltar, ou permitir que a sua linda inimiga o levasse.
Mas ela montava à cavaleiro numa sela inadequada, de maneira que uma paragem brusca do garanhão podia despedi-la por cima das orelhas do animal, do que seria muito possível resultar uma queda desastrosa, inclusivamente com alguma fratura.
Abandonou, portanto, o seu refúgio e ficou-se a ver a gentil amazona afastar-se, até desaparecer na distância. Logo, perdido o sorriso e carregando o cenho, olhou para os corpos que jaziam sobre a poeira do caminho.
Não podia deixá-lo ali, de maneira que se tornava necessário levá-los para a cidade e entregá-los ao xerife. Mas, que faria Sandpon? Não aproveitaria a oportunidade para o encarcerar? A verdade é que não alimentava muitas ilusões acerca do testemunho que Cathy Garfield pudesse dar dos factos, na hipótese de ser solicitada a prestá-lo.
Pensar nisso sombreou ainda mais os seus pensamentos. Que contaria a enfurecida rapariga a seu pai e qual seria a reação deste?
«Por que maldita razão hei-de complicar sempre a existência de tão estúpida forma?», pensou, furioso consigo mesmo. Mas como as recriminações não conduziam a nada, encolheu os ombros e foi à procura dos cavalos.
A azémola estava perto, pastando à beira do caminho e os cavalos dos indivíduos mortos tão-pouco se haviam afastado muito. Mas o da rapariga desaparecera, certamente por ser o único que sabia como regressar à cavalariça.
Tudo se resolveu facilmente atravessando num dos animais os ensanguentados cadáveres das suas vítimas, embora a tarefa não lhe fosse muito agradável, e montando o outro.
Levando à arreata a azémola e o cavalo que transportava a fúnebre carga, empreendeu o regresso à cidade.
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