segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

PAS698. Um passeio com maus encontros

Cathy tinha algumas boas amigas em Sheridan e também nos ranchos dos arredores, de maneira que, no dia seguinte ao da sua chegada, com a justificação de visitar uma ou duas delas, fez que lhe selassem um cavalo e, verdadeiramente encantadora com o seu elegante traje de amazona cor de tabaco, encaminhou-se resolutamente para a cidade.
Não disse aonde ia para evitar explicações. Seu pai não estava e sua mãe nunca fora capaz de se opor ao mais pequeno dos seus desejos. Por isso ninguém a preveniu de que a região sofrera uma transformação durante a sua ausência, e não precisamente para melhor.
Dois anos antes não havia em toda a região, para a filha do coronel Andrew Garfield pelo menos, outro perigo que não fosse o dos índios, poucos já e empurrados para os mais recônditos «canyons» dos montes Big Horn, cujas incursões iam sendo cada vez mais raras e menos perigosas, pois embora não faltassem vagabundos, abactores e um ou outro pistoleiro, ninguém se atrevia a provocar a ira do poderoso rancheiro.
Mas, desde então, descobrira-se ouro em Montana e estalara uma violenta guerra entre vaqueiros e ovelheiros. A região era quase continuamente atravessada por silenciosos cavaleiros de aspeto pouco recomendável, procedentes do Sul e do Oeste Médio. Homens que jamais tinham ouvido falar do coronel Garfield, e que não temiam nem o próprio diabo.
O propósito da jovem era falar com o xerife Sandpon. Sabia que o antigo capataz era muito afeto a seu pai e que lhe queria a ela quase como se fosse sua filha, pelo que estava certa de que a poria ao corrente da situação, e também que não lhe seria difícil interceder em favor de uma solução pacífica do litígio com Gentry Keller, assim como para o convencer a legalizar a situação do rancho Garfield, por forma a não poder repetir-se o mesmo caso.
 A jovem era decidida e inteligente, e a gestão que se propunha a mais oportuna, mas não devia ter saído sem escolta. Depressa iria certificar-se disso.
Aproximava-se rapidamente da cidade, a qual começaria a ver logo que dobrasse a primeira curva do caminho, quando viu surgir dela dois homens a cavalo, cavalgando ao trote das suas montadas.
Estavam já suficientemente perto, de maneira a permitir que Cathy verificasse que aqueles homens lhe eram completamente desconhecidos. Mas a rapariga não se preocupou com isso, pois ela estivera ausente muito tempo e havia sempre vaqueiros novos na região. Além disso, aquele caminho ligava Sheridan com a estrada de Bilings, pelo que não podia causar estranheza alguma cruzar-se com viajantes.
Mas os dois cavaleiros não se limitaram a passar. Subitamente, atravessaram-se na sua frente, obrigando-a a deter-se.
Um dos desconhecidos levou inclusivamente o seu descaramento ao ponto de agarrar nas rédeas da sua montada.
— Com mil demónios, Jess! Viste alguma vez uma pombinha tão linda como esta? — exclamou o homem, inclinando-se e olhando-a de uma maneira que era ainda mais insultuosa que as suas palavras.
— Deixa-me vê-la bem, companheiro — replicou o outro, aproximando-se também. — Não esperava encontrar um torrão de açúcar como este a meio do caminho.
Cathy não estava de modo algum assustada. Apenas indignada. Tão indignada que tardou alguns segundos em encontrar a voz.
— Quer fazer o favor de largar a rédea do meu cavalo? -- perguntou altiva, esforçando-se por se lembrar que era uma senhora e não podia perder a compostura.
O indivíduo que retinha o animal, de rosto magro e olhos frios e pálidos como os de um peixe, sorriu lascivamente.
— Pois claro, minha linda. Não é ao cavalo, mas a ti que eu quero agarrar. E por certo que tenho bem onde ...
O outro soltou uma gargalhada.
— Escolheste o cavalo, rapaz. Mas eu dou preferência ao que há debaixo desse avultado casaco.
Cathy tardou em reagir, pois não esperava tanta audácia. Para ela era inimaginável que alguém fosse tão brutal, tão canalha, tão ...
Viu o homem inclinar-se para ela e estender a mão, mas foi só quando sentiu o seio apertado que compreendeu o seu propósito.
Então, como uma labareda de cólera, de vergonha e asco, fustigou o rosto do canalha com uma chicotada dada com toda a força do seu braço.
O homem soltou a sua presa, deitando-se para trás com uma soez imprecação.
— Cadela indecente! Eu já te ...
O outro, interrompendo-se quando ia começar a protestar por o seu companheiro se lhe ter antecipado, soltou uma gargalhada, que também não chegou a terminar, pois Cathy havia metido as esporas nas ilhargas do cavalo ao mesmo tempo que dava uma nova chicotada no homem que a ultrajara.
Montava um formoso cavalo negro, de pouca estatura, mas de sangue puro e bela estampa, o qual, ao sentir a cruel mordedura na carne e estando sujeitado pelas rédeas, elevou as patas dianteiras, soltando um relincho e golpeando com os cascos o animal que se lhe interpunha, procurando afastá-lo.
O homem que o montava, alcançado também numa perna, soltou a rédea com um grito de dor, inclinando-se para um lado com risco de cair.
O negro palafrém, aberto já caminho, atirou-se para a frente acicatado pela sua amazona, mas sem grande impulso, travado como estava pelo outro animal, não obstante o que esteve prestes a derrubar o outro cavaleiro, que se aferrou às rédeas e deu um violento esticão.
— Não escaparás, maldita — rugiu, inclinando-se mais para a frente para a agarrar por um braço.
Cathy golpeou-o na cabeça com o chicote, mas, já assustada, furiosa e aturdida pelo inesperado, violento e rápido desenrolar dos acontecimentos, não se advertiu de que o outro meliante lhe caía em cima até lhe arrebatar o látego das mãos com um esticão brutal.
— Agora arrancar-te-emos as unhas, gatinha — regougou o homem.
— Largue-me! Largue-me!
— Quieta, pequena!
— Meu pai matá-los-á por isto! -- gritou a rapariga, lutando desesperadamente para se libertar das mãos que a sujeitavam.
— Tira-a do caminho, Jess! ofegou o que lhe prendia o braço. Leva-a para o meio do mato. Vamos tirar--lhe as prosápias e mais alguma coisa.
Mas qualquer deles não largava a sua presa e Jess gritou:
— Larga-a tu, maldito! Puxando cada um para seu lado não haverá maneira de a levar daqui.
Cathy estava agora verdadeiramente aterrorizada. Mas, mesmo assim, gritava e debatia-se com todas as suas forças. Resvalou da sela e ficou pendurada pelos braços, sem chegar ao solo, aprisionada pelas rudes mãos que se cravavam na sua carne e lhe davam tais esticões que ameaçavam deslocar-lhe as articulações.
— Vamos, agora! — gritava o facínora que dava pelo nome de Jess. — Aguenta-a no ar e dá-lhe um esticão. Não importa que lhe arranques um braço. Não é disso que precisamos.
— Socorro! ... Socorro! ... — clamou a rapariga.
— Dá-lhe um bom tempero e obriga-a. a calar-se! Se essa maldita continua a gritar...
— Cuidado!
Cathy caiu pesadamente no solo, súbita e quase simultaneamente largada pelos dois canalhas, e rolou entre as patas dos cavalos, revolvendo-se numa densa nuvem de poeira que a sufocava.
Perdido o chapéu, coberto de pó o seu vestuário, tornados cinzentos os loiros cabelos e sujas as faces molhadas de lágrimas, Cathy permaneceu por alguns momentos incapaz de reagir, ocultando entre os braços o rosto transtornado pelas violentas e angustiosas sensações sofridas, estremecendo-lhe o corpo de soluços. E durante esse tempo esteve muito perto de ser espezinhada pelos animais.
Depois, os cascos afastaram-se e aproximaram-se, e ela levantou a despenteada cabeça do refúgio dos seus braços, embora nos primeiros instantes a poeira lhe impedisse toda a visão.
 

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