sábado, 9 de outubro de 2021

CWB011.03 Resistência à invasão dos brancos: o manto de «Águia Guerreira»

O luar banhava o acampamento mineiro, mergulhado em profundo silêncio. Os trinta homens que o compunham dormiam pacificamente, e até os dois «casacas azuis» que estavam de sentinela bocejavam encostados aos carros que serviam de trincheira entre as tendas e a planície. Apenas se ouvia o ruído do vento e do crepitar das fogueiras. Para os pesquisadores de ouro, a presença duma patrulha do exército era bastante proteção. 

Passava da meia-noite quando uma sombra atravessou o acampamento, a poucos metros duma das sentinelas que a não viu. Entrou na tenda mais próxima, sem o menor ruído, e depois, sucessivamente, fez o mesmo nas oito tendas, que tantas eram as que compunham o acampamento. Por fim, tão silenciosamente como viera, a sombra desapareceu, perdendo-se no horizonte escuro. 

De madrugada, ao render das sentinelas, duma tenda partiu um grito que alvoroçou todo o acampamento. 

— Arrancaram a cabeleira de Burt! — gritou alguém. 

— E aqui degolaram Lockhart! — gritaram doutra tenda. 

— Também nós temos um morto! — gritou um terceiro. 

De todas as tendas vinha o mesmo anúncio. O comandante da patrulha juntou oito cadáveres de pesquisadores de ouro no meio do acampamento. Todos estavam degolados e sem as cabeleireiras. 

O sargento Maloney, comandante da patrulha, rangeu os dentes de raiva ante aquele espetáculo, sem dúvida executado pelos índios, à forma de aviso. 

— Inaudito! Incrível! — gritava furioso. É preciso que estivessem surdos e cegos para não darem por uma dúzia de índios que passaram em frente dos vossos narizes! Imaginam como se rirão de nós a estas horas? 

Ninguém sabia explicar o sucedido e não houve mais sossego. Todos esperavam ver chegar os índios para liquidá-los. O sargento Maloney enviou um mensageiro ao Quartel-General a comunicar o caso e pedir reforços. 

Durante os três dias seguintes ninguém trabalhou. Achavam mais importante não largar as armas, mantendo-se dia e noite em constante vigilância. Todos esperavam ansiosos a chegada dos reforços pedidos. 

No quinto dia regressou o emissário enviado pelo sargento, mas as notícias que trazia... 

— O general Selby espera-nos em Pine Ridge dentro de três dias — comunicou, logo que se apeou. — Não só não pode enviar reforços, mas até mesmo os civis têm de partir connosco. Os «sioux» não cedem, e é preciso, de momento, abandonar o território. Os índios repetiram a façanha de há cinco noites noutros acampamentos destas montanhas. Todos os brancos instalados nas Black Hills foram evacuados. 

Estava-se no começo de 1876. Nos três meses seguintes nenhum branco se atreveu a voltar ali. Mas o que ninguém sabia era que também entre os índios reinava o sobressalto constante. Acendera-se a rivalidade entre «Águia Guerreira» e «Anta Branca», que comandavam duas subtribos de «sioux», cujo Grande Chefe Supremo era Sitting Bull. Porém, nem a intervenção. deste conseguiu impor a paz entre os dois grupos. Até que... 

Aconteceu que ao descobrir-se ouro nas Montanhas Negras de Dakota, os mais prejudicados pela invasão dos brancos foram os «sioux» de «Águia Guerreira», porque lhes espantavam os búfalos, dos quais viviam. Inutilmente tentaram expulsar os invasores, que se internavam no território protegidos pelo exército. Foi então que «Águia Guerreira», para combater os brancos, resolveu actuar por sua conta. Mas o famoso guerreiro não contou com a rivalidade de «Anta Branca». E aconteceu que... 

Entre os «sioux» começou a correr a notícia de que fora «Águia Guerreira» quem conseguira assustar os rostos pálidos, levando-os a abandonar a região. Nos últimos três meses, a tenda de «Águia Guerreira» fora ornamentada com várias dezenas de cabeleiras, ali postas a secar antes de ornamentarem o seu manto guerreiro, transformando-o no maior detentor daquela espécie de troféus. 

No Museu de Nova Iorque, onde se encontra o manto deste famoso guerreiro, uma das 400 cabeleiras humanas que o ornamentam, foi identificada como pertencente ao general Custer, Quando, no dia da cerimónia oficial da investidura do imponente manto, o sacerdote da tribo se dispunha a pôr-lho nos ombros, uma voz potente imobilizou quantos a ouviram: 

— «Anta Branca» não se enfeitaria com troféus que os seus guerreiros não viram ganhar. 

Aquilo era um insulto e um desafio. «Águia Guerreira» mandou pôr o manto no chão e, com vertiginosa velocidade atirou uma faca, que foi cravar-se aos pés de «Anta Branca», e disse: 

— As palavras de «Anta Branca» transpiram inveja. Mas tem razão. «Águia Guerreira» deve provar aos seus bravos que todas essas cabeleiras foram capturadas por ele. Como? Deixando que «Anta Branca» prove o contrário. Quer lutar com «Águia Guerreira»? Se «Anta Branca» for o vencedor, serão dele todas as cabeleiras. De contrário, a sua cabeleira adornará o cinturão de «Águia Guerreira», que falou. 

Como única resposta «Anta Branca» atirou uma faca que foi cravar-se aos pés de «Águia Guerreira», dizendo assim aceitar o repto. Este voltou a falar: 

— «Anta Branca» volta a ser imprudente. Se este combate se realizasse neste momento, haveria o risco da sua morte desencadear uma luta fratricida entre os nossos povos. Proponho esperar uma lua, embora esteja ansioso por arrancar a cabeleira de «Anta Branca». Mas Águia Guerreira» sabe esperar. 

— «Anta Branca» — respondeu este — esperou muitos invernos esta ocasião. Não lhe importa esperar uma lua mais. 

E partiu. 

Durante os seis dias seguintes «Águia Guerreira» fez várias expedições com os seus homens, nas montanhas, sem preocupar-se com qualquer treino especial. Até que chegou o sétimo dia. Ao verem sair da sua tenda o chefe, os guerreiros escolhidos para testemunhas do grande combate, receberam-no com o tradicional grito guerreiro dos «sioux». «Águia Guerreira», imponente com o seu manto de cabeleiras e seguido pelos seus homens, cavalgou durante cerca duma hora, até que se deteve numa espaçosa clareira do bosque. Pouco depois apareceu «Anta Branca» com o seu séquito. 

Os dois rivais apresentaram-se de corpo nu, apenas com tanga e cinturão, donde pendiam faca e «tomahawk», numa das mãos arco e flechas, na outra o escudo. E começou um combate de morte... 

Depois de esgotadas as flechas que um e outro defenderam nos escudos, entraram no corpo a corpo, brandindo os «tomahawks» no ar. Ao menor descuido... E esse momento chegou, no meio dum silêncio impressionante. «Águia Guerreira» atingiu a clavícula direita do antagonista, forçando-o a soltar a arma. Quando todos os presentes julgavam ver repetido o golpe e «Anta Branca» sucumbir, «Águia Guerreira» puxou pela faca do cinturão e mergulhou-a até ao punho no coração do rival. Acabada a luta, o próprio «Águia Guerreira» colocou o cadáver sobre a plataforma do vencido, em obediência aos ritos da sua tribo. Antes, porém, com um gesto arrogante, onde se exprimia todo o seu orgulho, cobriu o cadáver do seu grande rival com o manto de cabeleiras, que o morto duvidara terem sido capturadas por ele. Acabara a rivalidade entre os dois caudilhos «sioux». Morto um deles, desapareceram as rixas entre os dois povos irmãos. O que não desaparecera era o perigo comum que se ia aproximando deles. Naquele mesmo dia... 

Quando «Águia Guerreira» e a sua comitiva se dispunham a entrar na aldeia da qual saíram naquela madrugada, saiu-lhes ao encontro um guerreiro da tribo que, depois de parar em frente do chefe, declarou: 

— Trago-te más notícias, ó grande caudilho! Os «facas longas» avançam em grande número nesta direção, Segundo as nossas vigias, estão a reunir-se nas planícies. O Conselho de Anciães deseja conhecer a opinião de «Águia Guerreira» para resolver se os «sioux» formarão todo um bloco para lutar contra os rostos pálidos, ou se o nosso povo se limitará a esperar a chegada do inimigo. 

«Águia Guerreira» ouviu atentamente as palavras do emissário. Depois, sem responder, esporeou o cavalo e arrancou a galope, seguido do seu séquito. 


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