Cove S. Copeland encontrava-se sentado no seu gabinete a examinar uma porção de documentos. Atrás dele, na parede, havia um retrato litográfico do atual presidente, William McKinley. Em cima da secretária via-se um tinteiro, um cofrezinho e uma pequena balança, que, convenientemente nivelada, representava a lei.
Por fim, levantou os olhos. Teria cerca de sessenta anos, era, ossudo e seco, e possuía uma expressão tão dura que se tornava desagradável.
— Foi um crime político. West tinha ligações com altas personalidades que lhe proporcionavam pingues benefícios. Donde vinha o dinheiro? Da não observância das leis. Os dólares que deviam entrar nos cofres municipais e, por acréscimo, do estado, ficavam a meio do caminho, justamente pela lamentável situação em que se encontra São Luis.
Cove S. Copeland pôs as mãos atrás das costas e passeou algum tempo, silencioso e grave.
— Esse senhor que vem aí é o prefeito Max Tyler —disse. — Talvez o possa informar melhor do que eu. Pedi-lhe que tivesse a amabilidade de me visitar para que você, que é o guardião da lei nesta terra, o interrogue.
— Xerife eleito pelo povo, efetivamente, do que estou muito orgulhoso.
A chegada do prefeito suavizou um pouco a tensão entre os dois homens, tão aferrados aos seus cargos. Tyler cumprimentou-os muito jovial o sentou-se perto de Copeland. Era gordo e corado como uma maçã, tinha olhinhos vivos e os braços curtos, em relação ao corpo enorme.
— Estamos-lhe muito agradecidos por ter vindo, senhor prefeito. O xerife ainda não descobriu o assassino de Roy West. Tanto ele como eu acreditamos que a política não é estranha ao crime. Qual é a sua opinião?
Tyler puxou os punhos da camisa e humedeceu os lábios com a língua.
— Esse é também o meu parecer. A chegada dos «saloons» flutuantes modificou a fisionomia da cidade, pervertendo-a — queixou-se o prefeito, com voz firme. — Opus-me com todas as minhas forças ao desenvolvimento excessivo do negócio de diversão. Consegui nomear uma comissão, a que presido, para que desligue os políticos dos negociantes dos «saloons», mas não avançámos grande coisa.
— E é inegável que tais protetores estão subornados e recebem ótimos lucros — acrescentou Copeland.
— Salta à vista, A cobrança de impostos diminui em vez de aumentar, conforme a prosperidade escandalosa dos «saloons». Como evitar este estado de coisas? A comissão inspecionou minuciosamente as contas, mas não encontrou a menor fraude, o que me leva a suspeitar que entre os comissionados existem os subornados que partilham os lucros com os negociantes sem necessidade de escriturar verbas.
-- De quem suspeita, concretamente? — A pergunta do xerife trazia pólvora.
— Dos vereadores... Talvez Coleman pareça o mais qualificado, porque conhece a fundo o negócio dos jogadores e foi visto frequentemente com Douglas e West. Mas não há provas contra ele.
— Acha que Perry Douglas se servia de West para obter a proteção dos políticos?
— Não o sei com segurança, mas é provável que sim.
— E quem era o principal beneficiário?
— Posso errar, mas parece-me que Coleman.
Copeland, com o seu semblante impenetrável, que exprimia a rigidez do seu carácter, examinou outra vez o documento que tinha diante de si. Depois, passados uns minutos, levantou-se com alguns papéis na mão.
— Você, xerife, pode continuar as suas investigações, sem necessidade de me consultar, como é seu dever. Está fora de dúvidas que a morte de West é um elo da cadeia perniciosa que, digamos assim, acorrenta a cidade. Não há nenhuma lei que proíba o jogo nos «saloons» flutuantes ou as apostas de «rodeo». Mas se descobrirmos a fraude, deitaremos por terra essa gente.
O juiz despediu-se deles à porta do gabinete, situado na Palácio da Justiça. Tyler dirigiu-se para a Câmara Municipal, enquanto O'Farrell deambulava pelas ruas e observava o ambiente. Via os vaqueiros cavalgar nos seus briosos corcéis e jovens elegantemente vestidas passearem nos seus carros descobertos, entre sorrisos e cumprimentos.
Se até alguns anos antes S. Luís significava a fronteira do distante Oeste, ponto de reunião entre o Leste e o Far-West, depois a cidade adquirira notável preponderância e chamara a si o progresso e a vida comercial de Nova Iorque e Filadelfia.
Não sem certa inveja, O'Farrell viu que Douglas e «miss» Laura, tão bela e jovem no seu vestido branco, saiam precisamente do Hotel Sherman, onde se hospedava Coleman. Todavia, teve a impressão de que haviam permanecido juntos durante muitas horas, sem se incomodarem com outra coisa que não fosse o seu amor. Subiram para um trem puxado por dois cavalos brancos.
O'Farrell não pôde afastar os olhos da mulher, pela qual sentia profunda admiração. Perry fez-se desentendido, como se não ligasse a menor importância à sua presença. Fustigou os animais, mas de qualquer maneira Piky virou a cabeça e, sorrindo suavemente, correspondeu ao olhar do xerife, até o trem desaparecer na esquina imediata.
Pouco mais tarde, saiu do hotel o vereador Robert, um ganadeiro jovem, conhecido pelo seu amor à bebida e às mulheres. Robert aumentara o seu rancho nos últimos meses com mais de mil cabeças de gado.
— É um prazer cumprimentá-lo, xerife — disse jovialmente, estendendo-lhe a mão. — Aí tem Chapman a falar pelos cotovelos dos êxitos que obteve no Oeste. Mas está louco, é um visionário.
— Todo o artista é um pouco louco.
— Acabará muito mal se continua a remar contra a maré. Não quer compreender que a cena norte-americana está dominada por peças de origem inglesa e francesa, do género ligeiro, que é o que aceita o público. Resolveu exibir uma série de tragédias gregas.
— É um distinto empresário, empenhado em dar a conhecer aos habitantes desta terra, à qual não chegou a cultura, as obras mais famosas.
— «Vaudeville» e canções, xerife, é o que queremos, xerife! — exclamou, dando-lhe uma palmada nas costas e continuando depois o seu caminho.
O'Farrell deteve-se no restaurante da senhora Halper, onde costumava almoçar. Sentou-se a uma mesa e esperou que, como sempre, a aguerrida patroa lhe arranjasse um dos seus pratos prediletos. Dez minutos mais tarde apareceu «mistress» Halper com uma travessa de ovos mexidos com tomate, pão e uma garrafa de vinho.
— Fui eu própria quem lhe fez o almoço, xerife — disse a patroa, que ainda conservava vestígios da sua passada beleza, quando, em companhia do marido, se lançara à conquista das pradarias, tarefa em que morrera Halper.
— É muito amável comigo — agradeceu. — Diga-me, ouviu alguma coisa interessante, hoje?
«Mistress» Halper olhou à sua volta, antes de se sentar perto do xerife. Havia umas trinta pessoas a comer, entre as quais da companhia de Chapman, vaqueiros, o maquinista e o fogueiro da linha S. Luis-Denver, elegantes jogadores profissionais e cavaleiros do «rodeo». Um criado e a filha da patroa, uma rapariga sardenta e azeda, embora bonita, entravam e saiam, servindo os pratos pedidos.
«Miss» Halper dirigiu um olhar furtivo ao xerife, como se lhe exprimisse um desejo reprimido havia muito tempo, mas ele não lhe prestou atenção, porque de momento lhe interessavam mais as confidências da mãe.
— Vê aquele vaqueiro que devora uma perna de frango? É Lew, o companheiro do defunto Cassidy. Há bocado passou perto dele um comensal que sala. Lew levantou a cabeça e disse-lhe: «Estou à espera do que me compete. Se não mo derem amanhã, irei contar tudo ao xerife.»
— Quem era o outro? — inquiriu, vivamente interessado.
— Joe Barnes — sussurrou, olhando cautelosamente os comensais mais próximos.
O'Farrell ensopou no molho um bocado de pão e segurou-o longo tempo no garfo, enquanto esboçava um sorriso duro.
— Oh! Coleman está sempre metido na tramoia. Todas as informações que tenho obtido o indicam como principal suspeito. Barnes é seu cunhado.
— E também um preguiçoso. Nunca mexeu um dedo para ganhar um cêntimo honestamente.
— Mas presta a sua colaboração a Coleman, que lhe é útil de alguma maneira.
— Não gosto desse homem. Tem boa figura, mas nenhum futuro. Felizmente, Sandra é da minha opinião.
— Porventura, Barnes cortejou-a? — perguntou o xerife.
— Um bocadinho. Desconfio que vem aqui para a ver. Agrada-lhe... tal como a outros homens.
O xerife evitou o olhar da patroa, mas encontrou o da rapariga, a qual acabava de castigar um vaqueiro que, depois de lhe gabar a beleza, se permitira pegar-lhe na mão. «Miss» Halper irritara-se e, sem pensar duas vezes, metera-lhe pela cabeça abaixo uma terrina quase cheia de sopa.
— Ah, maldita! — gritou o homem.
Levantou-se, sem dúvida escaldado, e segurou-a pelos ombros. Então, aconteceu tudo tão depressa que ela nem teve tempo sequer de defender a cara com os braços. Em vez de lhe bater, como parecia ao princípio, o homem rodeou-lhe a cintura e beijou-a com força na boca.
— Este beijo não é o castigo pelo que fizeste, mas assim tenho a satisfação de fazer o que não conseguiu outro — disse o ex-vaqueiro Alex.
Corada de vergonha, Sandra manteve-se uns instantes indecisa, a olhar para os clientes, que riam e comentavam o episódio. A seguir desatou a chorar como uma criança, virou as costas e correu para o seu quarto, onde se fechou a soluçar. O xerife e «mistress» Halper tinham-se aproximado do atrevido, que limpava a camisa.
— Você é um infame, Alex. Não tinha o direito de beijar a minha filha.
Alex encolheu os ombros.
— Bom, alguma vez tinha de ser a primeira. Essa pombinha tem de cair, como caíram todas aquelas em que pus a vista — E acrescentou: — Preparei um lugar para ela no meu pombal.
O'Farrell, baixo de estatura, mas musculoso, avançou dois passos e agarrou-o pelo colete, com violência.
— Que faz, xerife? — protestou o outro, batendo-lhe no braço com as costas da mão e obrigando-o a largá-lo.
A reação de O'Farrell foi a adequada naquelas circunstâncias. Só lhe deu um murro no queixo, mas tão contundente, que Alex foi cair longe, no chão, com um fio de sangue a escorrer-lhe da boca.
— Maldito! — berrou Alex, soerguendo-se e tirando o revólver, com um gesto rápido.
Soou um tiro. O'Farrell antecipara-se ao pistoleiro e cravara-lhe uma bala na mão.
— Vamos, Alex! Sai daqui antes que decida outra coisa — ordenou-lhe o xerife, indicando-lhe a porta. —Esqueceste que estás num restaurante pacifico e não no «saloon» do teu chefe. Na cidade não permito violências.
Alex, já em pé, tirou um lenço e levou-o à mão, de onde o retirou sujo de sangue. Afastou-se cautelosamente, a resfolegar como uma fera, com a cabeça inclinada para o peito, mas dirigindo a O'Farrell um olhar carregado de ódio e furor.
— Pagar-me-á isto, xerife.
O visado não se perturbou com a ameaça. Sabia que era muito difícil furarem-lhe a pele, embora não fosse impossível. Pensava que os chamados infalíveis são estúpidos, na realidade.
Dirigiu-se para Lew, o qual assistira à luta sem se mexer. Antes, porém, parou diante do corredor onde Sandra, ainda com os olhos húmidos, o olhava com admiração. Mesmo assim, ao ver-se surpreendida por O'Farrell, correu outra vez como uma gazela assustada e fechou-se no quarto. Sandra tinha um temperamento difícil de compreender. O'Farrell sentou-se junto de Lew.
— Interessa-me falar consigo. O seu camarada Cassidy morreu. Não tem medo que lhe aconteça o mesmo?
— Eu não sei nada. Por que haviam de me matar?
— Não consegui descobrir quem era o chefe dos pistoleiros que mataram Cassidy. Vi-os no embarcadouro, mas ninguém sabe a quem obedeciam. A Perry Douglas?
— Não sei — respondeu.
— Acalma-te, rapaz. Tu és amigo de Coleman e ele deve-te dinheiro. Roy West também era teu amigo. Foi Coleman e ele deve-te dinheiro. Roy West também era teu amigo. Foi Coleman quem ordenou tudo?
Lew levantou-se devagar.
— Ignoro... Eu não sei nada.
Vestiu a samarra castanho-escura e afastou-se sem virar uma só vez a cabeça. Esta atitude demonstrava uma vez mais a existência de uma conspiração do silêncio, que dificultava o trabalho do xerife. A sociedade estava subvertida ou deixava-se arrastar pelos que faziam bom negócio com os «saloons» flutuantes e as fraudes do «rodeo».
Lew sabia muito, mas calava-se. Sem dúvida sabia que Coleman era o beneficiário número um do «rodeo», mas o xerife tinha necessidade de o obrigar a confessar. Naquela tarde haveria «rodeo». Tinha de assistir, por vários motivos, um dos quais era ver se as suas ordens haviam sido cumpridas, no sentido de se sanear a festa.
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