O'Farrell foi assistir ao «rodeo» porque, caso estranho, tomava parte nele Driver, conhecido jogador da quadrilha de Douglas, mas desconhecido na sua nova versão de vaqueiro. Dava-se, além disso, a circunstância, muito tentadora para O'Farrell, de Piky Laura também assistir, entre os bandidos do «saloon» flutuante.
Driver acabava de se apresentar montado num potro baio, com manchas cor de cinza. Dominou-o com magnifica mestria; nem uma só vez abandonou a sela, apesar de serem muitos os esforços do cavalo. Fê-lo galopar velozmente, saltou por um lado, voltou a subir e atirou-se pelo outro lado. Parecia ter asas nos pés. Fazia verdadeiras diabruras a cavalo; mudava constantemente de posição, saltava por um flanco e aparecia por outro. Mas ainda não estava plenamente satisfeito com o seu trabalho.
— Agora vão ver! — exclamou.
Pôs-se em pé em cima do potro. Foi como se cravasse os pés na garupa do animal. Esteve assim mais de três minutos, a pleno galope. Quando o cavalo se rebelou e o sacudiu, Driver esticou as rédeas e abriu as pernas para cair escarranchado. Rapidamente, esporeou o animal com força, apoiou-se nas mãos e deixou-se cair para trás. Segurou o potro pela cauda, correu uns instantes atrás dele e de um salto prodigioso subiu de novo para a sela. Atuara como um maravilhoso acrobata, com tanta sincronização e mestria como um artista de circo. Todavia, não devia ter convencido por completo a multidão, porque apenas obteve fracos e isolados aplausos.
— Que é isto? — indignou-se Perry Douglas. — Que deseja essa gente? Não percebo porque não o aplaudem como merece.
— É verdade — concordou Mackley. — Driver tem de ganhar o prémio custe o que custar. Temos de salvar o nosso prestígio.
O cavaleiro rival de Driver fez uma extraordinária doma do seu animal. Dominou-o por completo e repetiu os mesmos exercícios do seu competidor. Isto é, pôs-se em pé em cima do animal, atirou-se ao solo agarrado às crinas, volteou rapidamente e fez a mesma coisa do outro lado, sem falhar nenhuma vez. Claro que recebeu uma estrondosa ovação. Toda a gente gritava, entusiasmada, e o público era o juiz. Os mil dólares de prémio seriam para o cavaleiro preferido pelos espectadores.
— Não posso mais — gritou Perry. — Esta maldita gente está vendida.
— Cala a boca, jogador! Kariway deu os saltos com maior rapidez e limpeza. Não há cavaleiro que o iguale — replicou um vaqueiro.
Esta frase foi repetida por muitos espectadores, de tal maneira que conseguiram encolerizar o chefe de jogadores.
— Driver ganhou! Se não lhe concedem o prémio, sou capaz de abrir a cabeça a todos.
Driver deitou água na fervura.
—Cala-te, Perry! Farei outra exibição mais difícil. Se não levar o dinheiro, encobriremos as árvores de enforcados.
Soltaram um novo corcel. Driver segurou o laço uns segundos, correu atrás do cavalo e laçou-o com maravilhosa facilidade. Encurtou a distância até o ter à mão. Saltou. Puxou o laço, que lhe servia ao mesmo tempo de rédea. Com a outra ponta laçou o segundo potro e obrigou-o a juntar-se ao primeiro. Depois de vários minutos de doma e de trabalho, levantou-se e pós um pé em cima de cada um dos animais. Deu assim várias voltas, seguindo um terceiro alazão. Quando viu que se punha junto de um deles, saltou--lhe para cima, segurou-se às crinas e cavalgou o animal sem afrouxar a corrida. Mais tarde, atirou-se ao solo, sacudiu o pó do fato e olhou com ar de desafio para o público.
— És genial, Driver! — gritou Piky Laura, que aplaudia raivosamente.
O xerife aproximou-se da mulher, abrindo caminho por entre a multidão. Olhou-a fixamente durante algum tempo. «Miss» Laura estava entusiasmada com o «rodeo» e não prestava atenção ao que se passava fora da pista, e muito menos naquele momento, em que o ídolo de S. Luis, Kariway, recomeçava o seu trabalho. Fez-lhe sinal de que lhe queria falar, mas encontrou--se com uns olhos que não eram os de Piky.
— Procura complicações, xerife? — perguntou-lhe, com voz áspera, Perry Douglas. — É evidente que sim. Mas sair-se-á mal se tentar caçar em terreno coutado.
Piky virou-se para O'Farrell e sorriu-lhe com simpatia.
— Oh, xerife! Vi-o antes de entrar. Estou a divertir--me muito. Vai esta noite ao «saloon»? Recebê-lo-emos com a mesma simpatia de sempre.
Perry resmungou qualquer coisa.
— Você está transtornado, Douglas. Este não é o seu lugar. Você é um jogador, homem de «saloon» e não de pradarias — observou, enquanto com um lenço limpava a estrela. — O «rodeo» sem apostas combinadas é um contrassenso para si, visto ser conhecida a sua velha preferência pela batota.
Perry avançou um passo.
— Tome muito cuidado com o que diz, xerife. Sou tão honesto e cavalheiro como você, para não dizer mais. Reconheço que o meu temperamento é demasiado explosivo, mas confesso que é útil para tratar com valentões como você.
Perry estava mais agressivo do que nunca. Fez um gesto suspeito, mas O'Farrell agarrou-o pelo pulso.
— Você tem sangue de pistoleiro. Atrai-o o revólver, mas comigo isso não lhe servirá de nada. Não terei inconveniente em meter-lhe uma bala na barriga quando tiver a certeza de que é quem suponho.
«Miss» Laura fez uma careta de aborrecimento.
— Outra vez? Deixem-se de discussões. Kariway está no «rodeo» a fazer diabruras. Era verdade.
Kariway corria atrás dos dois cavalos, montado noutro. Enlaçou os três com duas cordas. Galopou montado no primeiro, que conduzia os outros. Desceu rapidamente, subiu para o segundo. Repetiu a operação com o restante. Mas este rebelou-se e ergueu-se nos quartos traseiros durante breves segundos. Kariway caiu no chão. Irritado, suando copiosamente, correu atrás do potro e subiu para ele. O laço serviu-lhe de chicote, com o qual o castigou severamente.
De repente, dominou de novo a situação e o entusiasmo dos espectadores. Efetuou uma sensacional cavalgada, direito e firme no cavalo. Atirou uma moeda ao ar e disparou duas vezes seguidas. Um vaqueiro entusiasta de Kariway saltou para a pista e pegou na moeda. Deu um salto de alvoroço.
— Tem dois buracos! — gritou, mostrando ao público, que rompeu numa estrondosa ovação.
Atravessara-a ao centro, com dois círculos enlaçados. Os homens do «saloon» flutuante entreolharam-se, atónitos. Alex, com a sua mão ligada, parecia o mais turbulento.
— É falso! Essa moeda já estava furada! — gritou, fora de si.
O'Farrell bocejou, aborrecido.
— Falso — repetiu Mackley. — Driver ganhou o «rodeo».
— Exato! — gritou Alex. — Exigimos o prémio que ganhámos em luta leal.
Um vaqueiro que se encontrava perto do xerife riu sarcasticamente.
— Vão para o «saloon» flutuante, que é o covil que lhes pertence! Assim que saem dele, são como peixes fora de água. Hoje o «rodeo» não cheira a podre, como sucedia dantes. Fora com os pistoleiros que assassinaram Cassidy!
Alex respondeu de acordo com o seu temperamento zaragateiro. Tirou o revólver, com um gesto brusco e nervoso e disparou rapidamente contra o vaqueiro, que acusou o tiro, fazendo uma careta de dor. Deixou cair a moeda, mas teve forças para tirar a arma e responder à agressão. Imediatamente se generalizou a contenda. Apesar de Douglas se esforçar por conter os seus, foi-lhe impossível evitar os acontecimentos. Apareceram numerosos revólveres e trovejaram os disparos, entre gritos e correrias.
O único homem que não interveio na luta foi o xerife. Viu que os jogadores fugiam depois de saltarem a paliçada. Mas «miss» Laura ficara para trás. Dirigiu-se para ela, temendo que fosse esmagada pelos espectadores furiosos.
— Está ferida, «miss» Laura? Venha comigo, por favor.
Piky passou a mão pela cabeça.
— Não esperava isto do público. Driver demonstrou que é um cavaleiro excecional.
— Perdeu. Reconheça que se modificaram as coisas desde que decidi perseguir Douglas e os que o favorecem. A morte de West é o caso dos jogadores.
— Sim, nota-se alguma diferença. Não percebo por que Motivo Perry se meteu nisto — disse, indicando o recinto de provas. — Perry é um grande senhor que aspira a coisas maiores.
—Considera grande matar West e Cassidy?
— Oh, não! Ele está inocente. Surpreendeu-o muito a morte violenta de Roy — desculpou-o, sorrindo tão dengosa como sempre.
Naquele momento os espectadores rodearam o par. Alguns levantaram os braços, pedindo a cabeça de Piky. uma mulher má!
— Deixe-a, xerife. E tão culpada como os seus amigos.
O'Farrell conteve os furiosos.
— Acalmem-se, rapazes. Estão a cometer um lamentável erro. «Miss» Laura trabalha no «saloon» de Perry Douglas como poderia trabalhar noutro lado. Parece-me lógico que defenda os seus amigos.
— Ora, é da mesma espécie! — exclamou um vaqueiro grisalho. — Foram eles que perverteram a nossa cidade. Que interessa que sejam homens ou mulheres?
— Gosta dela. Não o veem nos seus olhos?
O'Farrell respirou fundo e fitou-os com ar de desafio.
—E se fosse assim, que aconteceria? Porventura não sou um homem como vocês?
— Mas também é xerife, «mister» O'Farrell.
— Que insinuam? Por usar uma insígnia não posso admirar as coisas belas? Julgas que sou um ermitão?
O velho afagou a barba comprida.
— Mau negócio, xerife. Essa mulher pode ser a sua perdição.
Piky Laura deixou escapar um prolongado suspiro. Olhou o xerife nos olhos, agradecida pela forma como a defendera.
--- Estou-lhe muito grata, Philips — murmurou.
O xerife sentiu uma indescritível impressão. «Miss» Laura fora amável com ele, como se desejasse entusiasmá-lo e fazer-lhe crer que a poderia conquistar.
— Eh! Que é isto? -- surpreendeu-se alguém.
— Demónio, Perry Douglas volta ao «rodeo»! Que mosca terá mordido a esse patife? Voltava sozinho, a cavalo, muito arrogante, mas com o rosto franzido, os lábios apertados, visível o coldre de couro lavrado debaixo das abas bem cortadas da sobrecasaca escura. O xerife virou-se, eletrizado. Com os maxilares fortemente apertados, foi ao encontro do chefe da quadrilha do embarcadouro.
— Que deseja daqui? — perguntou, desabrido.
Douglas não lhe ligou importância. Desceu do cavalo e, sem proferir palavra, sem temer a reação dos espectadores que antes pediam a sua cabeça, aproximou-se de Piky Laura e beijou-a.
— Vamos para o «saloon», Piky. verdade que este não é o nosso lugar. Perdemos o «rodeo», mas mais nada.
Piky não se mexeu e olhou de Douglas para o xerife. Este permanecia silencioso e grave, à espera da reação da mulher.
— Não posso ficar aqui a conversar com estes senhores? — perguntou a rapariga, com timidez, como se lhe tivesse medo.
— Não! Não quero que estejas ao lado do xerife. Vamo-nos embora imediatamente.
Foi uma chicotada, esta voz. Tão forte e autoritária, que fez estremecer a artista. Seguiu-o uns passos, como se estivesse hipnotizada. Quando chegou junto do cavalo, parou e virou a cabeça timidamente. Fez um gesto de resignação. Douglas pô-la na garupa do animal e montou em seguida. Ficou de esporas e assim desapareceu entre a poeira que levantavam.
O'Farrell afagou o queixo, pensativo. Não sabia se estava indignado ou se compreendia a reação de Piky. Não sabia como pensar. Mas o velho Turlow tirou-o da sua indecisão, dizendo-lhe
— Xerife, aquela mulher pode perdê-lo. Recomendo--lhe que não se deixe enganar por um fantasma com saias. Compreendeu?
Voltou a coçar o queixo. Acontecia-lhe qualquer coisa com «miss» Laura, qualquer coisa simples e bela: fascinara-o e sentia incontível vontade de a abraçar com força, como podia fazer Douglas sempre que quisesse. Por isso o invejava.
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