quinta-feira, 28 de outubro de 2021

ARZ133.02 Matança no «saloon» flutuante


 A verdade é que visitou de novo os «saloons» flutuantes. Estes faziam uma longa viagem de Kansas City a Memphis, mas ancoravam durante meses em São Luís. Tinham palcos e salas de jogo, onde os viciados arriscavam o que tinham e o que não tinham. 

Vaqueiros, jogadores profissionais, rancheiros, mulheres desejosas de aventuras, senhores de sobrecasaca preta e chapéu de coco, tais eram os frequentadores habituais dos «saloons» flutuantes, cujo vírus contaminara os teatros fluviais, de tal maneira que às vezes o jogador do «saloon» explorava ao mesmo tempo o barco da farândola. 

— A cheirar por cá, hem? Tome qualquer coisa comigo — convidou-o Mark Dondée, proprietário do «saloon» flutuante rival de Perry Douglas, um jovem muito bem--educado, tão correto que não trazia armas. 

— Então, Dondée? Suponho que terá sentido a morte de Roy. Era seu amigo. 

— Não tanto como de Perry, mas estimava-o muito. Na noite anterior vi-o a falar com Piky Laura. Conhece-a, xerife? É uma mulher que merece a pena admirar. 

Cassidy encontrava-se perto, a falar com uma comediante da companhia de Chapman. O'Farrell abandonou Dondée, que lhe parecia um jogador pobretão ao lado do seu competidor Douglas, e foi ao encontro do outro. 

— Esperava-te, rapaz — disse, depois de o complementar, assim como à atriz, notando que o vaqueiro parecia efervescente, pois estava um pouco afogueado. 

— Olha, o xerife! — exclamou, pondo um pé em cima de uma cadeira e afastando-se uns metros da rapariga. — Não tenho segredos para o senhor. 

— Diz-me, é verdade que Douglas discutiu com Roy? 

Cassidy tomou um uísque duplo. 

— Discutiram por dinheiro. Os homens matam-se por uma mulher ou pelas notas... 

Cassidy tinha vontade de falar. O uísque subira-lhe à cabeça e tornara-o loquaz, quando habitualmente era taciturno. O'Farrell passou-lhe um braço pelos ombros e dirigiram-se para uma ponta do balcão. Mark Dondée, na outra extremidade, observava atentamente. 

— Perry Douglas, Coleman, Roy West... é uma longa história. West tinha de morrer porque... Tinha de morrer porque pedia muito. Os seus compa... 

O xerife soltou um longo suspiro e ficou paralisado por um instante. Ouvira o disparo, justamente o que atingira Cassidy, que caiu em cima de uma cadeira próxima e, depois de fazer uma dramática pirueta, ficou no solo com o rosto ensanguentado, morto. 

O'Farrell levantou a cabeça. Tinha o rosto crispado. 

— Quem disparou? 

As suas palavras percorreram a sala como um estilete, procurando o culpado. Mark Dondée encolheu os ombros, assustado. 

— Não sei nada — disse, e desapareceu numa dependência anexa. 

20 

A pergunta do xerife fora, aliás, escusada. A umas seis jardas dele, com os revólveres em punho, encontravam-se três pistoleiros dispostos a fazer morder o pó ao homem que se atrevesse a devassar o segredo. Não importava que fosse o xerife. Mas O'Farrell não consentiria que se menoscabasse a sua autoridade, e menos ainda que matassem impunemente um homem na sua presença. Não contava que os três facínoras estivessem em linha, desde o balcão até uma coluna. 

— Sou o xerife Philips O'Farrell! — disse, furioso. 

Subiu para o estrado onde atuavam os artistas, ao mesmo tempo que deitava as mãos aos revólveres. Disparou os dois contra o bandido que se encostava indolentemente à coluna. Ë verdade que este também disparou e feriu num braço o xerife, mas não lhe valeu de nada: recebeu duas onças de chumbo entre os olhos. 

De repente, O'Farrell viu-se envolto numa chuva de balas. A porta, coberta por reposteiros verdes, tinham aparecido mais dois pistoleiros, o que não atemorizou o xerife. Fugindo às balas por entre as mesas, chegou junto do inimigo que se encontrava mais perto. 

Virou uma mesa, que caiu em cima dos pés do seu adversário, e disparou. Acertou no alvo. Já eram dois os pistoleiros postos fora de combate. 

Escudou-se com a mesma mesa. O «saloon» convertera-se num inferno. Os clientes trataram de se pôr a salvo, receosos de serem atingidos pelas balas. Só ficou um, alheio aos disparos, a beber ao balcão. 

— Que julgam? Ainda há um valente em São Luís. Sou eu. 

Deu um pontapé ao móvel e correu para a porta, sem que o detivesse uma bala num flato. Derrubou o terceiro pistoleiro. O quarto disparou-lhe à queima-roupa, mas como errou e estava perto, pegou no «Colt» pelo cano e deu-lhe uma coronhada na cabeça. Era uma pancada mortal. 

— Agora é a tua vez! — exclamou, dirigindo-se ao do balcão. — Prepara-te para morrer. 

O bandido apertou raivosamente os maxilares e avançou o queixo, numa expressão feroz. Esteve assim uns instantes. Não o acobardara a proeza do xerife. Os seus olhos despediam raios de cólera. 

— Maldito xerife! Anda, procura digerir esta pílula! 

Soou um disparo. Isto é, não um, mas sim oito ou dez. Porque as balas começaram a cruzar-se ao longo do balcão. Um encontrava-se à esquerda e outro à direita. E no meio o cliente imperturbável, a beber uísque. 

Uma garrafa junto de O'Farrell saltou em fanicos. O seu chapéu voou pelos ares, levado por uma bala. 

O impávido cliente que se encontrava ao balcão, sem nem sequer olhar para os que se baleavam, pegou na garrafa para encher o copo. Mal a levantara quando um projétil a estoirou. O uísque saltou-lhe para a cara. Então, fazendo uma careta de aborrecimento, tirou o lenço e passou-o pelas faces. 

Entretanto, O'Farrell feriu o outro no pescoço. O bandido conteve uma exclamação, enquanto replicava apertando o gatilho. Uma bala perfurou uma orelha do xerife. Houve uma breve pausa, enquanto espiavam os movimentos um do outro. De súbito, veloz como o raio, O'Farrell saltou para o balcão. Percorreu-o em três passadas, disparando. 

— És meu, miserável! 

Efetivamente, era dele. Coseu-o a tiro. O'Farrell suspirou, satisfeito, e sacudiu as calças. Naquele momento, o cliente alheio ao tiroteio caiu para trás, pesadamente, como um fardo. Estava tão cheio de uísque como um odre. 

— Bem, este é o primeiro acto do grande drama —murmurou o xerife. 

Com a maior tranquilidade do mundo, afastou-se do local da refrega, deixando cinco mortos. O «barman» do «saloon» encarregar-se-ia de limpar o chão. Porque os jogadores e os bebedores entraram outra vez na sala, para continuarem os seus jogos, as suas diversões e orgias. 

Uma artista apareceu no palco e começou a cantar uma canção melancólica. Tudo continuava na mesma. Tinham morrido vários homens, mas isso não tinha muita importância num «saloon» do Oeste. Aqueles «saloons» estavam verdadeiramente em poder de Perry Douglas. O «saloon» flutuante dirigido por Mark Dondée quase não contava, porque, no fim de contas, a quadrilha do jogador tornava-lhe a vida impossível. 



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