domingo, 1 de agosto de 2021

BIS245.12 Reunião no cárcere

Em Corrales sentia-se um ambiente estranho para hora tão tardia. Em geral, as tabernas e cantinas estavam repletas de gente e as ruas desertas.

Naquela noite sucedia quase o contrário, senão o próprio contrário. Havia extraordinário movimento nas ruas, sobretudo na principal. Até os criados dos salões estavam à porta dos estabelecimentos, conversando com as bailarinas. E notava-se maior efervescência nas proximidades da delegacia do xerife Craig Larson.

Tinham-se formado grupinhos e discutia-se o facto de Martin Palácios e Luís Quintana se encontrarem presos lá dentro. Faziam-se comentários de todos os tipos. Havia quem soubesse de fonte segura o que sucedera, mas havia também os que, ignorando-o, criavam histórias fantásticas.

Como acontece normalmente, passando de boca em boca, deformavam-se cada vez mais e, se voltavam aos ouvidos de quem as inventara, já nem estes as reconheciam. Havia algum tempo que Larson não se deixava ver em Corrales e nasceram também fantásticas hipóteses sobre o motivo da sua ausência.

Hoskins e Adams, agora à porta da delegacia, contemplavam a rua com certa apreensão. Sem saberem exatamente porquê, tinham a impressão de que se encontravam em cima de uma barrica de pólvora e não numa delegacia. Lloyd Cormon aproximou-se deles, indolentemente, com o andar de cansado que lhe era habitual.

— Viva, rapazes! — saudou-os. — Linda festa popular organizou Craig Larson. Não é verdade?

— Lloyd! Cala-te! — rosnou Adams.

— Não tem graça nenhuma — comentou por sua vez Hoskins.

— Já vejo que vocês esta noite não estão com boa disposição. É lá com vocês! Mas é pena, sabem? Trazia lhes aqui uma garrafinha, do bom, para bebermos uns copitos...

— Homem, já o devias ter dito! — pareceu Adam alegrar-se.

— O melhor é irmos lá para dentro — sugeriu Cormon.

E como os dois comissários anuíram, Lloyd Cormon avançou, decidido, entrando na delegacia. Hoskins foi buscar os copos a um armário, enquanto Adams destapava a garrafa que Lloyd Cormon já puser em cima da mesa. Andava Lloyd às voltas na sala, com ar de indiferença e foi também com ar de indiferença que perguntou:

— De que é acusado Palácios?

Foi Adams quem deu a resposta:

— De nada. Está aqui como medida de precaução.

— De precaução?

— Sim — confirmou Hoskins.

— Francamente, não percebo.

— Larson julga que, tendo sido assassinado o irmão, Jorge, talvez tentem dar cabo também de Martin. Parte do princípio de que estará mais seguro aqui do que no seu próprio rancho.

— Larson foi sempre um otimista — murmurou Cormon.

— Que disseste? — perguntou Adams, enquanto Hoskins ingeria o conteúdo do copo que se apressara a encher.

— Nada. Só que não percebo.

— Discute-o com Larson — foi a seca resposta que obteve.

— Onde está ele?

— Não me digas que não sabes, Cormon! Se vocês até parecem irmãos siameses! — riu Hoskins.

Riu também Lloyd, exibindo as duas filas de sujos dentes.

— Pois não sei, não. Suponho que descobriu qualquer coisa na cabana das «Colinas Pardas», mas não o quis dizer-nos — interveio o outro, Adams. Creio que voltou lá, à procura de uma pista.

— Pois não devia ter ido — murmurou Lloyd Cormon. — Não gosto do ambiente. E de resto ainda não chegou a maioria dos atores para a representação...

— Que estás para aí a insinuar, Lloyd?

— Salta à vista, amigo Adams! Julgas que os Quintanas deixem Luis ficar aqui, acusado de assassínio? Não. Tu sabes perfeitamente que não. E que farão eles? Vou dizer-to. Farão tudo para o tirarem deste buraco. Não podem querer uma segunda edição do que sucedeu a Martin Palácios, há anos, voltado agora contra Quintana.

Lloyd Cormon fez uma pausa para beber também um golo. Depois acrescentou:

—E os Palácios, meus amigos? Não pensem você que eles vão ficar quietos. Virão para cá, sim. Virão para fazer justiça na pessoa de Luís Quintana e da liberdade a esse tão infeliz Martin.

— Atrever-se-ão a tanto?

Lloyd riu a bom rir.

— Até me causam pena vocês... Que falta de raciocínio! E sabem que sucederá?

Os dois comissários, preocupados e receosos, entreolharam-se.

— Não — balbuciou Hoskins.

— Uns e outros, para se distraírem, vão transformar em alvo as cabeças de vocês os dois.

— Talvez tenhas mais razão do que supões com esses teus gracejos. Não gosto da atmosfera que se respira na rua — murmurou Adams, afastando a cortina da janela e olhando para fora. — Não gosto nada, absoluta mente nada.

— Só há um meio de evitar essas violências — insinuou Cormon com ar aparentemente desinteressado, como sempre se mostrara desde que tinha entrado na delegacia

— Qual? — perguntou Adams, a supor que ia ouvir uma proposta inaceitável.

— Separando os presos. Mandando Martin para o seu rancho e deixando aqui Luis Quintana, com a declaração de que será plenamente garantida a sua imunidade até chegar o juiz do condado.

— Hum! — resmungou Hoskins, em dúvida. — Não podemos deixar sair Palácios porque...

—E se eu os ameaçar com um revólver, assim? — disse Cormon, puxando rapidamente por um dos que lhe pendiam do cinto. — Vamos, amigos, levantem os braços. Bem ao alto!

Adams e Hoskins riram, crentes de que se tratava de brincadeira. Mas não o era. Leram-no, um segundo depois, no rosto de Cormon. Ergueram os braços. Ambos se recordaram de como Lloyd evitou, no Salão Império, que Luís Quintana disparasse contra Martin Palácios, na noite em que este voltou a Corrales, segundo lhes contara Craig Larson.

— Não sejas estúpido, Lloyd — resolveu, no entanto, protestar Hoskins. — Que pensas conseguir com isto? Larson não vai gostar da tua atitude e ainda acabas por lhe sofrer as piores consequências.

— Ouçam, rapazes, e fixem-no bem, de uma vez para sempre, sem a menor dúvida. Não me interessa a opinião de Larson. Para nada. Tento evitar uma tremenda matança em Corrales. Só isto! E basta de palavreado inútil e estúpido. Avancem para as celas. Não posso perder mais tempo.

Quando a porta do corredor se abriu, Luís Quintana e Martin Palácios levantaram-se das tarimbas e aproximaram-se das grades. Ficaram ambos estupefactos ao verem surgir os dois comissários, de braços no ar, e Lloyd Cormon atrás deles, de revólver em punho.

— Olá, Martin! Olá, Luís! — saudou-os.

— Vens tirar-nos daqui? — Luís fez a pergunta com ansiedade.

— Só Martin — replicou Lloyd, secamente.

— Mas eu estou inocente! — protestou Luís Quintana, com raiva.

— Acredito. Mas terás de prová-lo diante do juiz do condado em sessão pública do tribunal. Pesa sobre ti uma grave acusação. Não posso libertar-te. Difere muitíssimo o caso de Martin: não o acusam de nada.

— Ouve, Lloyd: eu prometi a Larson que não me importava de esperar aqui por ele até ao meio-dia de, amanhã, para que, no entretanto, ele tentasse resolver o assunto.

— Não sejas ingénuo, rapaz! Que farias depois dessa hora, se Larson não te abrisse a porta? Fugias da cela voando? Rebentavas esses varões de ferro? Agora, aqui só eu tenho uma arma na mão e por conseguinte sou quem dirige a dança. Abre, Hoskins! — intimou ao enfurecido e desnorteado comissário. Hoskins obedeceu, com manifesta má vontade. Martin saiu da cela.

— Vamos! — prosseguiu Cormon, a falar com os comissários. — Deixem cair os cintos com os revólveres e entrem para aí.

Os dois comissários tiveram de fazer o que lhes era exigido. Lloyd fechou-os na cela e pôs a chave no chão, junto dos cintos dos comissários.

— Quando estivermos a distância, Martin e eu, alguém virá abrir-lhes a porta, amigos.

— Lloyd Cormon! — exclamou Luís Quintana. — É a segunda vez que te cruzas no meu caminho. E de ambas saí prejudicado. Não o esquecerei.

Lloyd Cormon encolheu os ombros, num gesto de Indiferença.

— Se um dia tiveres sensatez para pensar com calma, acabarás por me agradecer — replicou Cormon.

— Não será fácil que tal suceda.

— Ouve, Luís Quintana. Acreditas ainda, sinceramente, que Martin Palácios tenha assassinado o teu pai?

Luís Quintana hesitou um segundo, não mais. Por fim...

— Não. Atualmente, já estou convencido de que não.

— Nesse caso — tornou triunfalmente Lloyd Cormon —, já reconheces que ontem evitei a loucura de ires matar um inocente. E digo loucura para não dizer «assassínio», pois sabes que és mais rápido que Martin no manejo de armas.

Luís Quintana baixou a cabeça e não abriu a boca. Lloyd Cormon guardou a arma que empunhara até aquele momento.

— Vamos, Martin — disse, empurrando Palácios para a saída das traseiras.

— Adeus, Luís — despediu-se Martin, enquanto Cormon abria os ferrolhos dessa outra porta. — Descobrirei o assassino do meu irmão. Não te restem dúvidas. Se, como creio, não foste tu, nada tens a recear. A verdade virá ao de cima.

Saíram.

— Espera aqui, Martin. Vou buscar o teu cavalo que está amarrado ao poste da entrada. Depois te digo o que pensei.

Martin Palácios concordou e deixou-se ficar no escuro vão da porta das traseiras da delegacia. Lloyd regressou daí a momentos com os dois cavalos.

— Já dei indicação a uma pessoa para abrir a cela de Hoskins e Adams — anunciou, rindo.

Martin Palácios montou também a cavalo e ambos desapareceram nas trevas. Quase nesse instante um cavaleiro entrava em Corrales.

O xerife, Craig Larson, regressava. Quando se apercebeu do desacostumado movimento nas ruas, começou a pensar que talvez tivesse sido errado o seu procedimento com Martin e Quintana. Apressando o passo da montada, avançou para a delegacia.

Ao entrar, ouviu acaloradas vozes no corredor das celas. Não viu na sala Adams nem Hoskins. Isto surpreendeu-o. Um deles, pelo menos, devia estar ali, de serviço. Fechou por dentro a porta que dava para a rua, como medida de precaução. E, de revólver em punho, aproximou-se da que ia ter ao corredor das celas. Abriu-a cautelosamente. Deparou-se-lhe um surpreendente espetáculo. Um empregado do armazém vizinho estava a abrir a cela onde ele encerrara Martin Palácios e da qual saíam os seus dois comissários! Proferindo uma praga, Larson guardou o revólver e escancarou a porta com estrondo.

— Bravo! — exclamou, furibundo. — Estou a ver como posso confiar em vocês! Que se passou aqui?

Hoskins explicou-o, pormenorizadamente.

— Diabo de Lloyd! — berrou Larson. — Bom... já não tem remédio. E talvez tenha sido melhor assim.

— Larson! — chamou-o Quintana.

— Que há?

— Se acabassem com a festa aqui na delegacia, talvez eu pudesse dormir descansado. Estou rendido.

— De acordo. Até amanhã. Vamos, anjinhos! — ordenou aos compungidos Adams e Hoskins, que estavam a afivelar de novo os cinturões com os coldres, de cabeça em baixo, vencidos de todo. — E tu também, Pete, libertador de comissários. Acabou-se a festa.

O chamado Pete saiu a correr, com receio do xerife, cuja presença se impunha sempre em Corrales.

— Um momento, Pete — gritou o xerife, a detê-lo. —Nada de falatórios quanto ao que sucedeu aqui, estás a ouvir? — avisou ao empregado do armazém, com dedo ameaçador.

— Sim, xerife... Com certeza... — balbuciou o pobre diabo.

E não tardou que o ouvissem abrir a porta da frente, para se raspar como se o perseguissem mil demónios.

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