quarta-feira, 25 de agosto de 2021

ARZ107.01 Os desacatos chegam a Green City perante a ameaça de um imposto


George Bragg prestou a maior atenção aos recém-chegados e, particularmente, ao jovem quase imberbe que Mike, seu companheiro de mesa naquele momento e seu vizinho no rancho desde que se instalou em Green City, lhe indicava.

Tratava-se de um tipo pálido, enfezado, de cerca de vinte e cinco anos, vestindo à moda da cidade e cujas feições magras e angulosas lhe não agradaram logo de início.

Olhou de relance para os outros três que o acompanhavam e classificou-os da seguinte maneira: vadios, vaqueiros e condutores de gado que abandonaram a sua rude profissão, para se entregarem à tarefa mais cómoda e mais rendosa do manejo das armas.

Passaram em frente da mesa por eles ocupada, parecendo a Bragg que o mais bem vestido e mais jovem dos quatro lhe poisara a vista em cima durante mais tempo do que seria normal.

Quando os quatro homens se encontravam encostados ao balcão, Mike prosseguiu:

— Nem me dei ao trabalho de ler os documentos que me mostrou, nos quais se certifica a sua identidade e se declara qual a missão que tem de cumprir... despedi-o com cara de poucos amigos.

Mike era um velhote de pequena estatura, já cheio de rugas, conservando, entretanto, uma voz sonora e vigorosa que a idade não tinha conseguido alterar.

O seu companheiro de mesa, George Bragg, teria cerca de sessenta anos, ou fossem menos dez do que o seu companheiro. Era robusto, não muito alto, com um rosto de camponês, bastante corado e cujas sobrancelhas e mover dos olhos refletiam instantaneamente o seu estado de espírito.

— Cobrar um imposto especial sobre o gado?... — Sussurrou Bragg, como se falasse consigo mesmo. — O rapaz, está bem; pode muito bem ser um cobrador de impostos, mas que são, afinal, os seus companheiros?... Que me enforquem se não estou já farto de disparar sobre tipos com melhor aspeto do que aqueles, autênticos gatunos e ladrões de gado.

— É verdade que sim. Qualquer pessoa desprevenida cairá no logro do tal imposto extraordinário! — corroborou Mike, cujos olhos pequenos e inquietos percorriam todas as mesas do «saloon». —Já reparaste, George? Parece que todos os rancheiros da comarca se encontram aqui reunidos. Olha: lá estão Buren, Crump, Herman...

O velhote cessou de contar os vizinhos para lançar mão da garrafa de uísque e encher os copos que se encontravam vazios sobre a mesa. Dispunha-se a beber a sua dose quando Bragg o impediu de o fazer.

— Repara, temos também ali o xerife e os seus ajudantes... Está isto transformado numa concentração de forças vivas sem que ninguém as tenha convocado.

—Dizes tu que não? — sorriu-se Mike sem largar o copo. — Parece que esse tal cobrador de impostos ou lá o que é, é que deu origem a tudo isto com as suas visitas. Achei muito estranho que ele se retirasse sem qualquer Insistência quando me recusei a atendê-lo. Vais ver como ele nos prega um sermão...

Brown, o representante da autoridade em Green City, seguido pelos seus comissários, aproximou-se do balcão. O forasteiro que era o motivo da conversa dos dois velhos, apenas os viu junto de si, ofereceu ao xerife um copo de uísque que este esvaziou de um trago. E, como se apenas esperasse a tomada da bebida para iniciar o discurso, começou imediatamente a falar, depois de fazer um gesto com as duas mãos para chamar a atenção de todos os presentes; gesto perfeitamente desnecessário, pois nenhum dos clientes lhe tirou os olhos de cima desde a sua entrada no estabelecimento.

— Amigos! — gritou. — Peço-vos alguns minutos de atenção! Felicito-me por haver tanta gente reunida aqui no «saloon». Vou apresentar-lhes uma pessoa que muitos de vós já conhecem por que teve ocasião de os visitar. Limitar-me-ei a comunicar-lhes a autenticidade das credenciais de que é portador e do motivo da sua viagem... O senhor George Murphy explicar-lhes-á melhor do que se trata.

Brown afastou-se para o lado, a fim de ceder o seu lugar ao homem a quem acabava de referir-se: o tal tipo da face descorada e de figura enfezada que avançou um passo, relanceando os olhos por todo o público. Bragg bebeu um gole do copo que tinha na frente, enquanto o forasteiro se preparava para usar da palavra.

— Tenho a convicção de que todos os presentes conhecem já o motivo da minha presença, não vendo, entretanto, qualquer inconveniente em repeti-lo: foi votada pelo Senado uma lei que obriga todos os cidadãos dos Estados Unidos a satisfazer um novo imposto, único e transitório, especialmente criado para prover à reconstrução dos Estados arrasados por esta guerra fratricida que acabamos de suportar...

— Coisas concretas! Vamos diretamente ao assunto! Qual é a importância que pretendem roubar-nos? — disse, cortando-lhe a palavra, um jovem que, não só não quis passar despercebido, como avançou dois passos em frente.

Bragg disse de si para si, que o cobrador de impostos se tornara mais pálido ainda do que já estava. Mas não proferiu palavra, sendo o xerife quem interveio aproximando-se do que protestara.

— Volta para o teu lugar, Allen, e porta-te como deves; isto é um assunto muito sério e estou na disposição de prender aquele que se lembre de armar escândalo.

O chamado Allen titubeou e fez-se corado como um pimentão. Seria sem dúvida violenta a sua reação, se a voz de Mike não se fizesse ouvir:

— Eh, rapaz! Não te impacientes; deixa acabar de falar esse manga-de-alpaca e depois veremos o que se há de fazer. Certamente não será nada de bom para ele.

A intervenção do velho foi eficaz, dando origem a algumas gargalhadas e comentários. Uma outra voz anónima acabou de convencer Allen a retirar-se para o seu lugar quando proferiu as seguintes palavras:

— Sejamos justos, amigos. Todo o réu merece ser julgado e este maldito ranhoso que Washington nos enviou vai ter uma sentença certamente unânime: uma boa sova e posto na rua a pontapés.

Os três valentes acompanhantes de Murphy voltaram-se para observar os circunstantes, gesticulando largamente e fazendo oscilar as pistoleiras que lhes pendiam das ancas. O cobrador de impostos pareceu ter-lhes contido os furiosos ímpetos com quaisquer palavras que ninguém foi capaz de ouvir, e prosseguiu na sua arenga:

— Vejo que, como eu supunha, todos estão já ao par do que se trata. Serei breve: o imposto respeitante a esta cidade, dada a sua predominante atividade da criação de gado, será de dois dólares por cada rês...

Um longo murmúrio reboou por todo o salão, crescendo gradualmente de tom até se transformar num verdadeiro chinfrim. Murphy viu-se na necessidade de levantar as mãos para tentar acalmar os ânimos, voltando a usar da palavra quando as circunstâncias lho permitiram:

— Assim, a partir de amanhã iniciarei as minhas visitas a cada um dos senhores proprietários-criadores, devendo preveni-los de que o pagamento é obrigatório restando-me ainda acrescentar que tenho pelo meu lado a garantia do exército!...

Ouviu-se de repente o ruído produzido pelo estilhaçar de uma garrafa contra o solo, ao que sucedeu um súbito silêncio, tendo-se todos os olhares voltado para o autor da proeza: George Bragg, o companheiro de Mike que, ereto, em meio da assistência, vociferou:

— Todos calados, sua corja de palradores! Não quereis que as coisas se esclareçam entre dois homens, ou, antes, entre um homem e um melquetrefe?

O epíteto de melquetrefe ia, como é óbvio, endereçado ao jovem cobrador, a quem Bragg dirigia um olhar do mais profundo desdém ao mesmo tempo que se ia aproximando. Murphy, por sua vez, olhou significativamente para o xerife que, engolindo em seco, cortou a palavra ao rancheiro:

— Muito me desgosta, senhor Bragg, que...

— E quem te pediu a tua opinião? Tira-te da minha frente e deixa-me cá resolver o assunto com esse tipo.

E como o xerife persistisse em vedar-lhe o caminho, afastou-o brandamente com a mão. Brown sabia perfeitamente que aquela aparente suavidade era absolutamente inexorável, pelo que não opôs qualquer resistência, limitando-se a dizer:

— Não se esqueça de que sou uma autoridade...

A sua voz foi, porém, prontamente dominada pela de Bragg que interpelava o recebedor:

— Disse o senhor, há pouco, que o exército era a sua garantia... Que quis o senhor insinuar com isso?

Mas uma raiva mal contida se lhe estampou no rosto ao contemplar o irónico sorriso que apareceu nos delgados lábios do cobrador.

— Exatamente o que o senhor receia: que, se se recusarem ao pagamento do imposto e fracassarem as minhas diligências, a força fará valer os seus direitos, e obrigá-los-á compulsivamente.

Os habitantes de Green City, conhecedores do génio exaltado de Bragg, dispuseram-se a verificar a maneira como ele iria esbofetear o atrevido que ousara dirigir-se-lhe naquele tom. Efetivamente, o punho direito do rancheiro ergueu-se como se fosse aplicar-lhe um murro em vez da bofetada que eles imaginavam. Mas o gesto que presumidamente se dirigia à cara do lívido forasteiro, limitou-se a bater na sua própria mão esquerda, ao mesmo tempo que um sorriso nervoso lhe entreabriu os lábios.

— Causa-me pena, rapaz! Nota-se à légua que é este o primeiro contacto com a gente do Oeste, pelo procedimento que adota... Desapareça daqui em boa hora e vá lá transmitir a quem o mandou cá, que não serve para isto; que é indispensável ser-se um homem digno desse nome, ou ser-se muito louco para vir a estas terras no desempenho de uma tal missão.

Murphy recebia toda aquela enxurrada de palavras muito de perto, absorvendo o fumo do tabaco e os eflúvios do álcool expelidos pela boca do seu interlocutor.

A reação natural de qualquer homem digno desse nome seria, naturalmente, empunhar uma arma ou procurar afastar para longe aquele que para si avançava; a sua integridade física deveu-se ao facto de não fazer nenhuma das duas coisas, limitando-se a olhar para um dos seus apaniguados, como que a pedir-lhe auxílio.

O seu lugar foi prontamente ocupado por um dos tais companheiros que afastou Murphy para ele próprio enfrentar Bragg.

— Como vê, veio também um homem cá no grupo — disse o tipório semicerrando os olhos para tornar mais percuciente o seu olhar que parecia querer perfurar as pupilas do rancheiro.

O xerife prevendo o que ia passar-se, tratou de apaziguar os ânimos.

— Eh, senhor Bragg! Se não estiverem na disposição de pagar o imposto, estão muito a tempo de fazer os seus protestos ao Governo... E melhor acabarem com a discussão.

— Pois bem melhor será que tu te cales, Brown, já to disse há pouco! Não venhas meter-te onde não és chamado... Neste momento não se trata de impostos, mas tão somente deste javardo que parece pretender impor-nos a sua vontade.

— Vai sair-lhe cara a graça! Muito cara! — gritou o recebedor enquanto o seu guarda-costas se preparava para engatilhar os revólveres que lhe pendiam do cinturão.

Não era debalde, porém, que Bragg gozava da fama de homem que se não preocupava com cortesias; estendeu os braços, impaciente por empunhar as armas e descreveu com o punho direito um semicírculo que, iniciado em pleno vácuo foi bater em cheio entre as sobrancelhas do ajudante de Murphy que soltando um rugido surdo, se estatelou ao comprido como um boneco.

Bragg apercebeu-se, pelo canto do olho, de que alguma coisa brilhara subitamente no espaço e quando se afastou para o lado não tinha bem a certeza se o que vira fora ou não o relampejar de um «colt» acabado de sair da pistoleira.

O seu movimento de defesa foi, aliás, mais instintivo do que reflexivo. E tudo decorreu pelo melhor, pois a sua mão foi chocar com violência na cara de outro dos acompanhantes do cobrador que caiu no solo sem ter tempo de puxar pela arma como era sua intenção.

O terceiro dos valentões preparava-se para o atacar pelas costas segurando pelo cano um enorme «colt» na visível intenção de lhe fender o crânio, quando qualquer coisa de insólito atraiu a atenção de todos para a porta de entrada do «saloon»: um homem bastante jovem, trajando roupas de vaqueiro e ostentando na cabeça um enorme chapéu «stettson», fez fogo com tal presteza e oportunidade que a mão que se erguia para amachucar o crânio de Bragg caiu completamente inerte e ensanguentada.

Ao som do violento estampido, o velho rancheiro voltou-se a tempo de ver ainda a arma fumegante empunhada por quem acabava de disparar:

— Obrigado, Sterling! — disse ele num amplo sorriso.

Seguiram-se alguns minutos de perplexidade. O xerife foi o primeiro a reagir e, em seu seguimento, todos se dirigiram para junto do balcão, local onde agora se desenrolavam os acontecimentos, empenhando-se cada qual em proteger o rancheiro da possível reação dos que Bragg castigara e que naquele momento se propunham voltar à carga.

Brown, o xerife, tentava arrancar o velho dali por todos os meios, no intuito de evitar que os apaniguados do cobrador se lançassem contra ele.

Bragg, porém, afastou o xerife com um empurrão e passando por entre dois ou três que lhe vedavam o caminho, conseguiu encostar o seu corpanzil à figura de Murphy, comprimindo-o contra as tábuas do balcão e lançando-lhe as mãos à garganta, o que fez desaparecer o sorriso que pouco antes lhe brincava nos lábios dando lugar a que o medo se refletisse nas suas pupilas.

O rancheiro que não fez pressão demasiada na garganta do homem, pelo que a sua atitude era mais de ameaça que de punição, gritou, dominando toda a vozearia:

— É desaparecer quanto antes da minha frente mais essa canalha que te acompanha. Como acabas de verificar, não te servem para nada. Se vos atreveis a procurar-me no meu rancho, podeis contar que vos esfolo vivos.

O xerife, cuja palidez se assemelhava ao tom lívido do cobrador, puxou Bragg para trás, ao mesmo tempo que dizia:

— Que diabo está você fazendo, homem? Deixe-se de fazer asneiras. Deixe o homem em paz. Lembre-se de que é um mandatário do Governo e de que você se está comprometendo muito seriamente. Oiça, Sterling, veja se leva daqui o seu patrão.

Sterling, o recém-chegado que tão oportunamente evitara que o rancheiro ficasse com a cabeça aberta e que se tinha misturado no grupo dos amotinados, apressou-se a ir ao encontro dos desejos do xerife a fim de evitar que Bragg estrangulasse o cobrador.

Foi suficiente uma frase de Sterling para que o velho largasse o forasteiro e começasse a afastar-se do tumulto, dirigindo-se para a porta dando empurrões a torto e a direito.

Com a retirada de Bragg, os ânimos começaram a acalmar-se. Os demais circunstantes, todos habitantes de Green City e que tinham intervindo apenas para evitar que os galfarros carregassem sobre o velho para se vingarem dos golpes recebidos, largaram os companheiros do cobrador, dirigindo-se a maioria deles para a rua.

Alguns minutos depois, apenas se encontravam no local o cobrador e os seus ajudantes, além do xerife e do dono do «saloon». Um copo de uísque oferecido por Brown, acabou de retemperar os nervos de todos. Após algumas libações tomadas em silêncio, o jovem recebedor perguntou:

— Quem é aquele homem?

O xerife limpou a boca com as costas da mão, olhou para a porta como se receasse que Bragg voltasse com o seu génio agressivo, e respondeu:

— É George Bragg, o mais rico fazendeiro de toda a comarca... e o seu temperamento já os senhores ficaram a saber como é. Lamento muito ter de lho confessar, mas parece-me que a sua missão fracassou rotundamente, senhor Murphy.

Brown calou-se, estranhando o enigmático sorriso do seu interlocutor que olhava para a porta como se pretendesse lobrigar a personagem de que falavam. O seu pensamento estava todo inteirinho concentrado em Bragg, porque comentou:

— Muito curioso aquele tipo... e porque está o senhor convencido de que a minha missão fracassou?

Não gostou o xerife da expressão vaga e estúpida que se refletia na cara do homem e pensou de si para si que aquele cobrador era um tipo muito estranho.

— O senhor Bragg é a pessoa mais importante e influente da região. Se ele anuísse ao pagamento, podia ter a certeza de que ninguém se recusaria a fazê-lo.

— É pena! Se o tivera sabido antes, tê-lo-ia tratado com mais atenções. Seja como for, amigo xerife, posso garantir-lhe que o senhor Bragg pagará o imposto da melhor vontade.

— Quanto ao que, pessoalmente, me diz respeito, tenciono também pagar-me dos murros com que esse velharro me agrediu à traição — dizia o ajudante de Murphy que experimentou em primeiro lugar a agressividade dos punhos do rancheiro, passando a mão por um ferimento que tinha no nariz.

E o imberbe e delgado cobrador de impostos reagiu de forma que surpreendeu o xerife: olhou para o seu ajudante, fulminando-o com os seus olhos pardos.

— Será bom, amigo Reynolds que não te metas nisso sem o meu consentimento. Acabais de demonstrar-me que sois demasiado tordos... para vos não chamar cobardes!

O rosto moreno do chamado Reynolds, ficou subitamente vermelho, gritando ele, indignado:

— Quando aceitámos este cargo, fizemo-lo na condição de obedecer às suas instruções, mas não às suas ordens! Não estou na disposição de curvar o espinhaço. O velho disse-lhe a si que o senhor não era um homem, e o senhor engoliu a pílula.... Comigo não admito confusões!

— Nem mais uma palavra! Ordeno-te que te cales! — rugiu Murphy chegando-se muito para o outro.

Calou-se, efetivamente, mas foi para levar a mão à coronha do revólver. Não foi possível compreender se os movimentos de Reynolds foram demasiadamente lentos ou se foi o seu chefe que agiu com maior rapidez, o certo é que a mão direita de Murphy segurou a de Reynolds que se preparava para puxar pela arma e o xerife, que não tirara os olhos de cima deles, não se apercebeu, de assombrado que ficou, de onde Murphy desencantara o fino punhal cuja ponta apoiou na garganta do seu ajudante pela altura da veia jugular.

E era curioso de ver como Reynolds, muito mais corpulento do que o cobrador, ficava, completamente à mercê deste, de cabeça inclinada para trás, sem se atrever a servir-se da mão que tinha livre e com a qual podia muito bem desembaraçar-se de Murphy com um simples empurrão. É claro que se arriscava a que a lâmina lhe penetrasse no corpo cortando-lhe cerce aquela vital artéria. Evitou, por isso, de se valer da sua corpulência e ficou imóvel, piscando os olhos, à medida que a lâmina que apenas lhe aflorava a pele, lhe bailava em frente da vista.

— Não passas de um estúpido, Reynolds! — vociferou Murphy por entre dentes. — Já vos declarei que se aceitei a vossa companhia, foi apenas para salvar as aparências. Eu sei defender-me muito bem sozinho...

E com a mesma rapidez com que exibira o estilete que pusera o outro a um passo da morte, libertou-o da pressão da lâmina que fez desaparecer com a mesma presteza e habilidade.

O xerife não cabia em si de surpresa. Se momentos antes o surpreendera a maneira como o aparentemente débil forasteiro agira, mais o maravilhava agora o à-vontade com que ele largou o outro, guardando tranquilamente a afiada lâmina, quando aquele mantinha ainda a mão sobre a coronha do seu «colt».

Murphy devia ter um conhecimento exato dos homens que o acompanhavam, visto que Reynolds, apenas se viu livre, deixou cair o revólver na pistoleira, levando a mão ao local onde o estilete estivera a ponto de lhe fazer um ferimento mortal. Olhou para os seus dedos manchados de sangue da pequena escoriação e, sem se dar ao cuidado de os limpar, tingiu com eles o copo de uísque que engoliu de um trago, dizendo em seguida:

— Caramba, chefe! O senhor tem um génio levado dos diabos... Se aquele tipo tivesse assistido a isto, era mais do que certo de que não duvidaria nem mais um momento de que o senhor é um homem como aqueles que o são!...

— Por hoje, basta! Recolhei aos vossos quartos —ordenou Murphy.

E todos eles, como se de pacíficos cachorros se tratasse, se apressaram a cumprir a ordem. Brown viu-os afastarem-se em direção da porta que conduzia ao andar superior, voltando-se seguidamente para Murphy que se encontrava encostado ao mostrador.

— Permite que lhe dê um conselho? E como o outro fizesse um gesto de anuência, continuou: — Não me agradam nada os homens que o acompanham. Estou em dizer que não passam de uns cobardes, traidores... e muito perigosos.

A sua afirmação pareceu não fazer mossa no ânimo do cobrador que inclinou a cabeça, todo sorridente, para o encarar de frente.

— Foram precisamente essas as palavras que eu empreguei para os classificar antes de os conhecer, quando o chefe do departamento me perguntou que espécie de gente é que eu necessitava para me acompanhar na minha tarefa; cobardes e perigosos.

O rosto do xerife refletiu a estranheza que as palavras do jovem lhe causaram, apesar do amplo sorriso que se lhe desenhou nos lábios.

— É curioso como o senhor Brown está fazendo a mesma cara que fez Webster quando lhe transmiti a minha decisão...

— A verdade é que não percebo patavina... — começou por dizer o xerife.

— Eu podia, na verdade, fazer-me acompanhar por um xerife federal, mas estes homens que escolhi conhecem bem o gado e os ganadeiros porque — não fique surpreendido — eles eram, efetivamente, ladrões de gado.

Ao ouvir tão inesperada revelação, Brown encheu precipitadamente o copo e despejou-o de um trago. Olhou seguidamente para o cobrador que parecia divertir-se imenso com a reação provocada pelas suas palavras no ânimo do xerife de Green City.

— É claro que um agente federal constituía uma garantia do seu honesto comportamento, mas do que eu necessitava era de peritos na arte de contar as cabeças de gado. Compreende? Qualquer dos meus três ajudantes é capaz de avaliar, quase sem erro, a quantidade de reses que podem estar, portanto no vale... Além disso, como já teve ocasião de ver, eu sei como dominá-lo.

 

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