— Diabo de homem! — resmungou Morton ao vê-lo reaparecer velozmente, antes que ele chegasse ao lugar onde supôs que tivesse caldo vítima do segundo tiro.
Uma terceira detonação obrigou-o a não fazer mais considerações e voltar-se em sentido contrário, tal como fizera Bragg que rapidamente o alcançou.
— Vamos, amigo, um 'pouco mais de esforço e alcançaremos os cavalos! — disse o mancebo, animando-o. — Lá em casa já está tudo em pé de guerra e não tardam aí a perseguir-nos nos seus cavalos.
Conseguiram alcançar o maciço de árvores onde ocultaram os cavalos antes que a perseguição se tivesse iniciado e, sem qualquer perda de tempo, afastaram-se a todo o galope, tendo alcançado o acampamento mineiro sem qualquer contratempo. Só depois de entrarem na cabana respiraram livremente. O jovem sorria-se com a maior satisfação.
—Ela concordou com a ideia. Compreende? Está pronta a fugir comigo... Mas... ia jurar que a notícia não lhe deu qualquer satisfação...
Não se trata agora disso... Não percebo porque não ligas importância ao tiroteio de que foste o alvo. Como conseguiste levantar-te? Cheguei a convencer-me de que tinhas sido atingido.
— Tropecei numas raízes e caí... Mas agora reparo que está cheio de razão: a estas horas está a pobre Ana a ser massacrada com perguntas, mas, mesmo que ela consiga resistir e nada revele acerca do nosso plano de evasão, é mais do que certo que a vigiarão estreitamente, na suposição de que preparamos a fuga. Pouca sorte!
—Não te lamentes antes do tempo, homem..., mas... cala-te um instante... não ouves? Um grupo a cavalo anda percorrendo a povoação.
Apagaram a lanterna. Não havia dúvida: os Murphy percorriam as ruas da pequena aldeia em sua procura e Bragg conseguiu ver, através de um interstício das tábuas mal unidas, o odioso rosto de Davis, o capataz cúmplice dos rancheiros.
Pouco depois voltaram a ouvir-lhes os passos e, meia hora mais tarde, quando Morton resolveu sair para explorar o terreno, adquiriu a certeza de que os perseguidores já se não encontravam no acampamento.
— Afinal, como ficou isso com a rapariga? — perguntou o velho.
— Ficou assente que ela apareceria por aqui amanhã, a uma qualquer hora do dia..., mas estou convencido de que tudo está perdido...
No dia seguinte, Bragg viu decorrer as horas roído de impaciência. Apesar, porém, de estar convencido de que Ana não poderia comparecer à entrevista, esperava ver a porta abrir-se de um momento para o outro e aparecer a jovem. Baldada esperança; Ana não dava sinal de vida.
E a meio da noite, enquanto o velho se preocupava com a preparação da comida na panela enegrecida, Bragg que o observava pensativo, perguntou:
— Que me aconselhas, Morton? Uma vez que ela não veio até agora...
— Pode aparecer por aí, amanhã — respondeu o velho. -- Espera mais alguns dias, homem. Se não vier dentro de dois ou três dias, alguma saída se há de arranjar para nos pormos em contacto com ela.
Mais três dias decorreram sem qualquer espécie de notícias. Bragg não saia da cabana do seu amigo e este, invariavelmente, depois de regressar das suas explorações noturnas, informava ter visto Davis ou algum dos irmãos de Ana rondando o acampamento e fazendo perguntas acerca do seu paradeiro; a sorte dele era não saber nenhum dos mineiros a amizade existente entre os dois homens.
Ao entardecer do quarto dia, quando o mancebo já farto do seu isolamento, passeava nervosamente, dentro da pequena cabana, sentiu que alguém batia à porta.
Como o velho Morton nunca usava aquele procedimento, Bragg ocultou-se em um dos lados da referida porta levando a mão à coronha do seu «Colt» que se apressou a engatilhar sem, contudo, o extrair da pistoleira. Como não era conveniente denunciar-se a si próprio, manteve-se em silêncio; a cabana devia ser considerada desabitada para quem quer que fosse.
Mas, de novo, leves pancadas voltaram a fazer-se ouvir, desta vez acompanhadas do sussurrar de uma voz por demais conhecia e amava:
— George... George...
Precipitou-se para a porta, dando-se pressa em fazer entrar a jovem que chamava. Ao fechar a porta atrás si, sentiu encostar-se ao seu peito aquele adorado corpo, cujos olhos se desfaziam em lágrimas:
— George, querido... Se soubesses quanto eu tenho sofrido por supor que o papá te tivesse atingido quando disparou sobre ti... Como estás, querido?
O mancebo acariciou-lhe os cabelos com uma ternura infinita.
—E tu? Como passaste estes dias, Ana? Foste maltratada por minha causa?
— Eles não têm a certeza de que tivesses sido tu quem escalou a varanda. Eu neguei com todas as forças; disse que podia ter sido um ladrão... Não ficaram convencidos e vigiavam-me constantemente.
Bragg mergulhou os seus olhos nos olhos da donzela.
— Diz-me, querida, estás na disposição de correr o risco da aventura?
— Estou, sim, George! Vamo-nos embora — disse ela num soluço, encostando a cabeça ao peito do homem. — Já deram, certamente, pela minha falta... e não quero voltar para trás. Quero-te, George!
Uma hora mais tarde, quando o velho mineiro regressou ao seu miserável tugúrio, encontrou-o completamente vazio. Um papel colocado sobre a mesa, continha a explicação do caso: o seu hóspede ausentara-se em companhia de Ana...
E após uma noite inteira a cavalgar no meio das trevas, por córregos e azinhagas pouco frequentadas, o fugitivo chegou a Prescott, vendo-se forçado a permanecer uma hora dentro de uma taberna porque o juiz de paz não se encontrava ainda visível e era indispensável aos dois pombinhos irem fazer-lhe uma visita.
Ana, ruborizada e feliz, encostava-se ternamente ao braço de Bragg quando ambos abandonaram a repartição do juiz. Bem aconchegado ao seu seio, a jovem levava um documento que garantia serem Ana e George marido e mulher...
A dura cavalgada de uma noite inteira levou a rapariga a decidir-se pela instalação no melhor hotel da cidade que não deixava, apesar disso, de ser uma modesta estalagem.
A sua felicidade, porém, não devia ser muito duradoira: naquela mesma noite, quando os felizes esposos se preparavam para se dirigir à sala de jantar, alguém bateu à porta da alcova.
Foi a jovem quem, por se encontrar mais próxima, se encaminhou ao encontra de quem batia. Ficou absolutamente petrificada: na sua frente viam-se Frank, o seu irmão mais velho, e mais atrás, os outros dois, com expressões que nada pressagiavam de bom.
Bragg, que se encontrava ao fundo do quarto, surpreendido pelo silêncio da jovem, aproximou-se, perguntando:
— Que sucede, querida?
Não foi necessário fazer qualquer outra pergunta por que, quando chegou à porta, deu de cara com os seus inesperados visitantes. Nem por isso ficou muito assustado e, dando dois passos em frente, passou-lhe um braço protetor por sobre os ombros.
Os recém-chegados começaram a introduzir-se nos aposentos, ao mesmo tempo que os noivos recuavam.
— Até que enfim que encontramos o casal de pombinhos! — chasqueou Frank com um sorriso. — Acreditem que muito lamentamos não termos chegado a tempo de assistir à cerimónia. Suponho que deve ter sido uma coisa emocionante, não?
Bragg colocou a jovem atrás de si, protegendo-a com o seu corpo.
— Não há dúvida de que foi muito emocionante... pelo menos para nós ambos. E a verdade é que também não foi sentida a vossa falta. E agora, uma vez que já do vosso conhecimento que estamos legalmente casados, será bom lembrarem-se de que a vossa presença nos é profundamente desagradável...
Frank sorriu-se com ar chocarreiro e desviando ligeiramente a cabeça, olhou para seus irmãos.
— Então que me dizem do nosso homem? Parece que está convencido de que ganhou a partida... — e voltou a dirigir os olhos para Bragg. — Pois será bom que te convenças que vais ficar sem a tua querida. Ana vai partir na nossa companhia.
A jovem saiu detrás de George e correu a abraçar-se à cintura de seu irmão.
— Oh, Frank! São então os meus próprios irmãos que se esforçam por me fazer desgraçada! Escolhi este homem para meu companheiro e só com ele me sentirei feliz!
O homem puxou-a violentamente para trás, debruçando-se de forma a aproximar-se do rosto da jovem e, já com o hediondo sorriso transformado num sarcasmo, rugiu:
— Maldita cadela! Mil vezes amaldiçoamos já os laços de sangue que nos unem. Desonraste para sempre o nosso nome, ao fugir com este piolhoso!...
Bragg lançou-se contra ele, agarrando a jovem pela cintura no intuito de a arrancar das mãos que a seguravam.
— Larga a minha esposa, canalha! Intimo-te a que a soltes no mesmo instante.
As mãos de Bragg afrouxaram subitamente a sua pressão, ao receber uma violenta pancada na cabeça que acabava de lhe ser propinado por outro dos irmãos de Ana e caiu no solo inanimado.
Aquele que a dominava, com a sua força atlética, atirou a jovem com um violento empurrão para sobre um divã. Ana tentou correr em auxílio do seu esposo, mas um bofetão prontamente aplicado por Frank fê-la regressar ao móvel com o rosto congestionado pela raiva tendo bem assinalada a violência da agressão.
Com os olhos chamejantes de ódio, ainda conseguiu erguer a cabeça para gritar aos seus Irmãos:
— Que é que vocês pretendem? Eu é que me envergonho de que, pelas minhas veias, circule o mesmo sangue que gira nas vossas!...
Fixou os seus olhos no rosto de Walter, o mais novo dos três que, de pé, muito próximo de Bragg estendido no solo, não pôde suportar o olhar de censura que lhe dirigiu sua irmã e desviou os olhos para o lado.
—Tu sempre foste muito meu amigo, Walter... ou, pelo menos, disso estava convencida. Como é possível que...
O moço deu alguns passos, sinceramente incomodado e voltou-se para Frank.
— Estou farto de dizer que não sirvo para isto! O que estamos fazendo não passa de uma canalhice! Se eles estão casados, que podemos nós fazer?
— És demasiado ingénuo, Walter: estás a fazer-te histérico como se fosses uma mulher. Acalma esses nervos, rapaz — disse o mais velho, tentando serenar o moço.
Mas, quando pretendia colocar-lhe uma das mãos no ombro, o jovem voltou-se sacudidamente:
— Não me toques, Frank. O teu contacto repugna--me!... Repugna-me tanto como este maldito assunto. Eu vou-me embora daqui. Entendam-se como quiserem...
E, tal como o bíblico Pilatos, Walter, o mais jovem dos Murphy, lavou dali as suas mãos: não quis ser mau... nem bom. E apressou-se a abandonar os aposentos sem ter a coragem de olhar novamente para sua irmã.
John, que se encontrava disposto a secundar o irmão mais velho, soltou um palavrão ao sentir que Bragg, já com os sentidos recuperados, lhe agarrava num pé tentando derrubá-lo. O seu erro foi tentar dar um pontapé na cara de Bragg com o pé que tinha livre, pois este puxando ainda com mais força, quando o outro se sustinha apenas numa das pernas, obrigou-o a dar um trambolhão com enorme estrondo.
Frank não hesitou um momento em lançar-se sobre Bragg em socorro de seu irmão, mas, em vez do corpo que pretendia esmagar com o seu peso, foram as velhas tábuas do soalho que receberam o embate, pois o jovem, afastando-se com a maior ligeireza, conseguiu furtar-se à agressão.
Os Murphy revolviam-se no chão como feras, ansiosos por se levantarem, mas Bragg dominava-os agora sob os seus pés.
John ergueu a cabeça pretendendo antecipar-se a seu irmão, mas foi sol de pouca dura, porque a bota do marido de Ana lhe aplicou nos queixos um pontapé tão violento que deu a sensação de a cabeça lhe ser arrancada pela base. Por grande sorte para o dono da cabeça, nada disso aconteceu; inclinou-se para trás, fletindo o pescoço durante um segundo e foi chocar estrondosamente nas tábuas do soalho.
Frank compreendeu imediatamente que era muito perigoso levantar a cabeça muito próximo da agressiva bota, pelo que, rebolando-se sobre si mesmo, foi pôr-se em pé a dois metros de distância. Acabava de verificar que Bragg não era um inimigo fácil de vencer, motivo por que avançava agora lentamente contra ele, rodeando-se das maiores precauções, na intenção de o abater pela força dos seus punhos.
— Por Deus, acabai com isso! — implorou a jovem, mas nenhum dos homens lhe deu ouvidos e John, que depois do pontapé que suportara tinha ficado inerte, continuava absolutamente imóvel.
Bragg, que correra para o seu adversário, foi recebido com alguns murros em pleno rosto a que resistiu valorosamente, acabando por levar na sua frente o seu odiento inimigo, do que resultou embaterem ambos na parede do quarto, após o que Bragg lhe aplicou um violento «direto» na boca do estômago de que Frank não pôde esquivar-se, uma vez que o tabique lhe não permitiu que recuasse.
Subitamente Bragg deu um passo atrás sem deixar de segurar o outro com uma das mãos. Aplicou-lhe um murro demolidor, sendo muito de admirar que depois do seu punho assentar em cheio no nariz do seu cunhado, que o era sem sombra de dúvida, este tivesse ficado ainda com aparências de nariz de onde, aliás, corria um jorro de sangue.
O murro seguinte foi dirigido contra um dos olhos, precisamente o olho esquerdo que apareceu todo ensanguentado, talvez por se lhe ter transmitido o sangue que tinha na mão, proveniente do nariz que acabara de esborrachar...
Uma joelhada aplicada violentamente no baixo-ventre, é suficiente para matar um homem. A Bragg, porém, nada disso aconteceu, mas obrigou-o a soltar um rugido de dor, a torcer-se e a cair de joelhos esquecendo tudo quanto o rodeava menos a horrível dor que sentia.
Frank, que fora quem acabava de lhe propinar a violentíssima joelhada, não teve mais do que inclinar-se ligeiramente para lançar as mãos ao pescoço do adversário e apertar com toda a força, no intuito de acabar a obra que o seu joelho começara.
Ana correu então ao encontro de um irmão, tratando de socorrer Bragg com as suas mãos débeis e delicadas, tentando desviar o musculoso braço em meio de súplicas e de lágrimas.
Com um forte empurrão, Ana foi prontamente afastada, indo cair por terra a dois passos de distância. Mas no curto intervalo em que a garganta de Bragg esteve dominada apenas com uma das mãos, este conseguiu libertar-se da pressão utilizando-se da força das suas. E quando o outro procurava encontrar de novo o pescoço que acabava de se esgueirar, a mão direita do mancebo reunindo todas as suas forças, elevou-se para aplicar nos queixos do seu inimigo um «gancho» formidável.
O maxilar de Frank era o alvo que Bragg pretendia atingir, mas não lhe foi possível consegui-lo, o que o não impediu, no entanto, de chocar com toda a força e em cheio no peito que sobre ele se debruçava.
Durante uma fração de segundo ambos os contendores ficaram inertes: Bragg de joelhos e o outro debruçado sobre ele. Subitamente, uma tosse seca e persistente abalou o corpo de Frank que largou o adversário tossindo convulsivamente em consequência da violenta pancada recebida.
Bragg pôde então levantar-se livremente, aproximar--se do que tão aflitivamente tossia e aplicar-lhe um tremendo murro no parietal com o que o homem cessou de tossir e de manter-se de pé, caindo por terra completamente exausto.
E como se tivesse já de antemão traçado o seu plano, Bragg ajudou a levantar a sua jovem esposa, apoderou-se rapidamente de um embrulho de roupas que se encontrava sobre a mesa e empurrou a rapariga para a porta sem a mais leve hesitação.
—Depressa, meu amor! Agora ou nunca!...
A mulher tinha acabado de transpor a porta e faltavam apenas dois passos para que ele a alcançasse quando soou aquela maldita detonação.
Pareceu-lhe que acabavam de lhe aplicar um ferro em brasa em plenas costas e convenceu-se de que ia morrer. Viu na sua frente a angustiada expressão de Ana que se voltara devido ao estampido e sentiu uma mágoa infinita por ter de a deixar... Que iria ser dela entre aqueles monstros que constituíam a sua família?...
Surpreendeu-se a si próprio de poder dar largas aos seus pensamentos no breve intervalo que separava a vida da morte. O seu cérebro ficou vazio de repente, sem quaisquer sinais ou aparências de vida, enquanto o seu corpo começava a enfraquecer lentamente, estatelando-se no solo onde ficou em cómica atitude.
Os seus olhos, abrindo-se muito lentamente, começaram a vislumbrar sombras à sua volta. Que era aquilo, afinal? Então não estava ainda para morrer?
— Ana... Ana... — ciciaram os seus ressequidos lábios em tão débil voz que acabou por se assustar a si próprio.
Foi-lhe difícil reconhecer o rosto que para ele se debruçava e que acabara por tornar a forma e os contornos definidos do bochechudo rosto do hoteleiro, dono hotel onde se hospedara com Ana e onde acabara por a surpreendido por seus irmãos.
—Como se sente, senhor Bragg?
Ouvira perfeitamente a pergunta, fazendo os maiores esforços para responder. Não lhe foi possível. Os seus lábios apenas articulavam o nome de sua mulher. Meio soerguido sobre a cama, obrigou-o o hospedeiro a ingerir uma desagradável beberagem que acabou por expelir.
Instantes depois, porém, uma sonolência invencível mergulhava-o profundamente no mundo dos sonhos.
Quando reabriu os olhos sentiu uma acentuada melhoria no seu estado geral, mas, o que verdadeiramente o satisfez, foi poder mexer livremente a cabeça, o que lhe permitiu reconhecer o local onde se encontrava que eram os próprios aposentos em que se instalara com Ana no dia em que se desenrolaram os tristes atonte, cimentos...
— Anal... Anal... — Gritou com toda a força que os seus pulmões de convalescente lhe permitiam.
Como ninguém acudiu à sua chamada, continuou a chamar em voz cada vez mais elevada.
Finalmente, a porta abriu-se para dar passagem ao hoteleiro que, despreocupadamente enxugava as suas mãos no avental.
— Ora graças a Deus! — dizia o bom do homem. — Estávamos todos convencidos que ia estar o resto da vida sem recuperar os sentidos... Então que tal vai isso?!
Bragg olhava-o espantado, desviando em seguida a vista para a porta do quarto com a maior insistência, dizendo:
— E Ana? Onde está minha mulher?
O anafado hospedeiro parecia absorto na contemplação da palma da sua mão, cujos dedos grossos como chouriços se abriam em leque. Foi necessário que Bragg repetisse a pergunta para que ele respondesse:
— Sua esposa?... Não voltámos a vê-la depois do que passou.
O ferido voltou a encostar a cabeça na almofada com o maior desalento.
—E que se passou, afinal? — perguntou ele com os alhos cravados no tecto.
O hospedeiro voltou a esfregar as mãos, agora mais energicamente, e respondeu balbuciando:
— Lamento ter de lho dizer..., mas a jovem que o acompanhava foi levada daqui, à força, por aqueles que, certamente, dispararam contra si há quatro dias...
— Quatro dias? — disse Bragg sobressaltado, fazendo baldados esforços para se soerguer, devido à penetrante dor que lhe aguilhoava as costas.
— Nada menos, amigo; há quatro dias que está inconsciente... Quando ouvimos a detonação, subimos imediatamente a saber do que se passava e encontrámo-nos com dois homens que empurravam a senhora, empunhando os seus revólveres.
— E que tal é o meu ferimento?
— Foi atingido com uma bala nas costas que o médico prontamente lhe extraiu e, quando esta manhã veio visitá-lo, disse que o senhor tinha muitas probabilidades de cura se conseguisse triunfar do seu desmaio..., mas... que está a fazer, homem?... O senhor não pode, não deve mexer-se dai.
Estas palavras foram motivadas pela atitude do doente que, levantando-se da cama, tentava vestir-se com a maior dificuldade. Os olhos fecharam-se-lhe involuntariamente e se não fosse o bom do dono do hotel ter acorrido a ampará-lo, ter-se-ia despenhado no solo.
— Vê o que lhe aconteceu? O senhor está muito fraco ainda. Necessita de uma semana de repouso, pelo menos, para adquirir novas forças.
Bragg abriu os olhos, dominando a dor que momentos antes o vencera, deitou uma das mãos ao peitilho do pobre homem, obrigando-o a olhar fixamente para si e gritou-lhe de forma desabrida que o hoteleiro não merecia:
—Repouso? E pensa você que eu poderei ter um segundo de repouso enquanto não souber o destino que teve minha mulher?
Só então reparou na forma grosseira como estava tratando o homem que de tão boa vontade o ajudara, pelo que mudou radicalmente de maneiras, acabando por lhe dar nas costas algumas palmadas amigas.
— Perdoe-me a maneira como o tratei, a si, que tão bondoso tem sido para comigo..., mas sinto-me completamente desnorteado com tudo isto. De nada me servirá a vida se não conseguir saber qual foi o seu destino
— Tudo se pode arranjar. É uma questão de encarregar alguém de averiguar o seu paradeiro.
Bragg acenou negativamente.
— Sinto-me já muito melhor e serei eu próprio quem irá à sua procura. Obrigado por tudo.
Bragg que não queria perder tempo com rodeios, resolveu ir diretamente ao nó da questão, para o que se dispôs a encaminhar-se para o rancho dos Murphy. Percorrer o caminho por pequenas etapas, vendo-se obrigado a parar frequentes vezes e a apear-se do cavalo, a fim de descansar da fadiga que os seus mal curados ferimentos lhe produziam.
Devido a esta forçada morosidade, quando lhe apareceu pela frente o edifício do rancho, começava já a entardecer o dia seguinte ao da sua partida de Prescott.
Enquanto ia prosseguindo na sua lenta cavalgada, ia pensando ao mesmo tempo que era muito possível que, ao avistar a casa que com tanta ânsia procurava, lhe faltasse a coragem com receio de ir meter-se na boca do lobo.
Não foi isso que aconteceu, pois, ao lembrar-se de que ia encontrar ali a sua adorada Ana, ainda esporeou mais a sua montada, sem se importar com as dores que a cavalgada lhe ocasionava.
A não muitos metros de distância, passou por ele a todo o galope um cavaleiro em quem reconheceu um dos seus antigos camaradas. E quando já se divisava a entrada da casa, descobriu um grupo de pessoas, uma das quais estendia o braço na sua direção.
Não podia haver dúvidas; o cavaleiro que passara por ele acabava de denunciar a sua aproximação. Não se intimidou com esse facto, continuando a percorrer com a mesma velocidade a distância que deles o separava.
A sua respiração era ofegante quando parou junto do grupo que o aguardava. E coisa notável, nenhum dos presentes aparentava má disposição com a sua chegada. de notar que entre os circunstantes se não encontravam os irmãos de Ana nem Davis, o capataz do rancho.
O velho Murphy, sim, encontrava-se presente, mas Bragg pareceu ler-lhe nos olhos mais tristeza do que rancor.
— Onde se encontra Ana? — perguntou o recém-chegado com voz forte.
Não se ouviu qualquer resposta, antes, pelo contrário, todos se afastaram para dar passagem a Murphy que se aproximou dele tocando-lhe numa perna.
— Filho, queres acompanhar-me a casa? — perguntou com voz suave.
Bragg olhou-o, verdadeiramente espantado; relanceou os olhos pelos rostos dos restantes, rígidos e severos, mas não ameaçadores e apeou-se da montada. Já dentro da habitação, o mancebo pretendeu saber o paradeiro de sua esposa.
— Pelo que vejo não sabes de nada, filho, não é assim?
— Que hei de eu saber, não me dirá? — respondeu Bragg, a quem aquele trato familiar enfadava grandemente. — Apenas ontem recuperei os sentidos depois de estar quatro dias entre a vida e a morte, devido à traição de um dos seus filhos que não teve pejo em me alvejar pelas costas...
Calou-se para observar a reação do velho, mas esta não existiu. Dir-se-ia que o não tinha ouvido.
— Sim, claro, tu não sabes que a minha pobre filha...
A face do rancheiro tornou-se mais taciturna. Bragg sacudiu-o pelos ombros e gritou:
— Acabe de uma vez com essa história! Que aconteceu a Ana?...
O velho não reagia e apenas fitava os olhos em Bragg, cheios de uma pena infinita. O mancebo deixou de sacudir o velho.
— Não — ia ele a dizer. — Ana... morreu, porventura?
Murphy nem disse que sim, nem que não, o que valia o mesmo que uma afirmação. Bragg largou o velho e foi dar raivosos punhados numa das paredes da casa, após o que foi a vez do velho se lamentar:
— Tarde me arrependo de não ter dado a bênção à vossa união!... Obriguei-a a regressar à Califórnia, para casa de sua tia. Recebemos há pouco noticias de que a diligência em que viajava foi atacada pelos índios e que todos os passageiros morreram às mãos dos selvagens.
Bragg voltou-se subitamente e, coisa rara num homem, os seus olhos estavam rasos de lágrimas.
— Não posso acreditar uma coisa dessas. Eu próprio irei saber o que se passou.
— Os meus filhos e Davis não estão aqui por esse motivo. Infelizmente não nos é dado abrigar qualquer esperança: as notícias que temos são por demais aterradoras.
Ao chegar a este ponto do seu relato, trinta anos depois dos acontecimentos, George Bragg esteve silencioso durante um largo período de tempo, como se a sua história estivesse concluída. Sterling, o jovem capataz, perguntou:
— E adquiriu ontem a certeza de que ela, afinal, não tinha morrido e que, em compensação o presenteou com um filho...
O rancheiro acenou negativamente com a cabeça.
— Há muitos anos que eu soube não ter ela morrido na tal diligência. Soube-o casualmente, cinco anos depois, num acampamento de condutores de gado em cuja equipa eu trabalhava. Um dos meus companheiros tinha perdido uma irmã numa diligência que fora atacada pelos índios. Pensei que se tratasse de mera coincidência, mas, ao prosseguir na sua conversa, apercebi-me de que os factos que ele relatava se haviam passado na mesma época. De averiguação em averiguação, acabei por saber que, na referida carruagem, viajava apenas uma mulher. Se se tratava da irmã dele, não podia ser Ana de forma nenhuma, o que queria simplesmente dizer que minha esposa continuava viva.
— E então? -- perguntou Sterling, ao ver que Bragg fazia uma pausa demasiadamente longa.
— Nada —suspirou o ancião. —Continuei a investiga e cheguei à conclusão de que na paragem anterior ao locai do assalto se tinha apeado uma mulher cujo lugar foi, ocupado por outra... Acabei por perder a pista até que aquela carta...
Sterling verificou que o ancião se encontrava fatigadíssimo após a recordação de tão dolorosos acontecimentos. Não permitiu que ele continuasse e obrigou-o a recolher ao leito, prometendo-lhe que o não abandonaria e que iria fazer as diligências indispensáveis para encontrar uma solução para o assunto.
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