Allen era proprietário de um pequeno rancho nos arredores de Green City. Para a sua manutenção não dispunha de outra ajuda que a de seu filho Peter, um rapaz de quinze anos que punha todo o entusiasmo dos seus verdes anos na tarefa de auxiliar seu pai.
Naquela manhã, Peter Allen corria ao longo da quebrada onde se reuniam as três escassas centenas de cabeças que constituíam todo o património do rancho, quando viu três cavaleiros parados no topo de uma colina observando os vários e dispersos grupos de animais. Peter não gostou da inspeção de que a sua manada estava a ser objeto, pelo que deliberou encaminhar o cavalo na direção dos intrusos.
— Eh! Que pretendem os senhores destes sítios? —gritou ele, quando se julgou a distância suficiente para poder ser ouvido? — Dar-se-á o caso de nunca terem visto vacas?
O mais novo cavaleiro do grupo, vestindo à moda da cidade, respondeu:
Peter pensou imediatamente que devia tratar-se do cobrador de impostos; o tal indivíduo que pretendia receber dois dólares por cada rês. Quando se encontrava já mais próximo do grupo, examinou-os a todos minuciosamente, franzindo os lábios com desprezo ao contemplar o fraco vestuário dos outros três.
— Que cara é essa, fedelho de borra? Não estás a gostar do meu traje? — perguntou Reynolds, forçando o riso.
— Com a maneira como você se vestem não tenho eu nada que ver. As vossas caras é que me não agradam — ripostou Peter, pondo-se muito direito sobre a sela.
— Estão a ouvir? Parece que as nossas figuras não agradam a este macaco.
O filho de Allen deu desde logo a entender que tinha um feitio belicoso como o de seu pai, ao pretender levar a mão ao único revólver que lhe pendia do cinto.
— Está bem, está bem, Reynolds! Deixa o garoto em paz — gritou Murphy, fazendo avançar o cavalo para se interpor entre os dois. — Deixa estar esse brinquedo no seu lugar, meu rapaz, e diz-nos aonde podemos encontrar o dono deste rancho.
O mancebo largou de mau humor a coronha do seu revólver.
— O dono deste rancho é o meu pai e deve encontrar-se em casa neste momento — disse, ele apontando para uma casita branca que se via a distância, na vertente oposta ao vale onde se encontravam.
Sem prestar mais importância ao seu informador, os visitantes esporearam as montadas, galopando em direção ao local que lhes fora indicado. Esteve quase tentado a seguir-lhes na cola, mas a sua atenção foi despertada por um grupo de reses que se afastava demasiadamente para o Sul, pelo que resolveu ir ao seu encontro a fim de lhes cortar o passo e fazê-las regressar ao grosso da manada.
Enquanto assim procedia, dizia de si para si que era indispensável colocar umas fiadas de arame no local por onde o gado costumava dispersar-se.
Tinha conseguido fazer recuar os animais, correndo depois atrás deles dando gritos e agitando o chapéu no espaço, quando um estampido enorme, que dominou o ruído do mugir das vacas, lhe chamou a atenção.
Pondo-se em pé sobre os estribos conseguiu descortinar a casa. Um repentino tremor percorreu-lhe todo o corpo, quando viu que os quatro cavaleiros tornados minúsculos pela distância a que se encontravam, se precipitavam para os cavalos, apressando-se a montar e a afastar-se do edifício.
Não hesitou um instante; com um rugido de raiva, pressentindo toda a tragédia, fustigou os ilhais da sua montada, dirigindo-se como uma flecha em direção à sua residência. E aqueles que fugiam dela, por que avançavam em direção contrária à sua, iam-se aproximando cada vez mais de si, galopando a toda a velocidade.
Apenas uns escassos cem metros os separavam, quando Peter disparou o seu primeiro tiro. Não teve sorte, porque além de não ter atingido ninguém, atraiu a atenção dos outros, passando-lhe uma bala a poucos centímetros da cara.
Uma segunda detonação obrigou o mancebo a desmontar precipitadamente e rolar pelo solo, enquanto o seu cavalo ficava bruscamente parado. Levantou-se rapidamente, vendo os homens passar em correria louca, a certa de uns vinte metros de distância do lugar onde se encontrava.
Impotente por que perdera o revólver durante a queda, gaguejou um segundo em procura de qualquer insulto para lhes dirigir, mas foi apenas um rugido de raiva que lhe saiu dos lábios.
Cego pela ira e pela terra que lhe entrou para os olhos quando rastejou no solo, procurou ansiosamente o revólver que lhe caíra. E quando conseguiu havê-lo de novo às mãos, era já tarde de mais. Os quatro fugitivos não podiam já ser alcançados pelos projéteis que disparou ininterruptamente, até o tambor ficar completamente despejado.
Ao verificar que o percutor soava a falso quando picava os cartuchos vazios, o jovem soltou uma praga, reparando só então que o seu cavalo permanecia estático no mesmo local onde estacara momentos antes, mostrando um pequeno círculo avermelhado um pouco acima dos olhos, ou seja, no lugar por onde penetrou a bala que o paralisou.
Evocando em voz alta os nomes queridos dos seus progenitores, Peter galgou o caminho que o separara da sua residência com a maior velocidade. E como os seus olhos concentravam toda a sua atenção na porta da casa ansioso por ver surgir a figura dos seus entes queridos, nem reparava nos escolhos que lhe tolhiam os movimentos e que o fizeram cair por mais do que uma vez, para de novo se levantar e prosseguir o seu caminho sem se preocupar com as dores que o facto lhe ocasionava.
Ao atingir a porta de casa, parou. Tinha medo de entrar e de se lhe deparar o que receara encontrar desde o primeiro instante. A sua indecisão foi breve; um gemido vindo do interior da vivenda como o Impeliu para dentro, já com os olhos a trasbordarem de lágrimas ao escutar a voz de sua mãe.
A sala de jantar, que era o primeiro compartimento da casa, era também o cenário do drama: deitados por terra viam-se dois vultos que ao primeiro relance de olhos, encandeados ainda pela intensa luz exterior, não conseguiu reconhecer.
Correu ao seu encontro, adivinhando por instinto tudo o que acontecera: sua mãe sufocada pelo pranto, abraçava-se dolorosamente ao cadáver de seu pai.
Abraçou-se por sua vez silenciosamente, aos dois entes amados sem formular qualquer pergunta nem verter uma única lágrima. Momentos decorridos, Peter conseguiu reunir as forças necessárias para afastar dali a desventurada mulher e transportar para o leito o cadáver de seu pai aconchegando-o carinhosamente, como se o infeliz carecesse ainda de quaisquer comodidades depois de uma bala traiçoeira lhe ter cortado cerce a existência ao atravessar--lhe o coração.
A senhora Allen viu seu filho sair da sala levando consigo o corpo inerte e, sem proferir palavra, apoderar-se da espingarda suspensa de uma das paredes. A pobre mulher esqueceu por momentos a sua dor para correr a segurar seu filho pondo-lhe as mãos nos ombros.
— Que vais tu fazer, meu filho?
O jovem encarou-a de frente procurando aparentar serenidade, mas logo deixou pender a cabeça que encostou ao seio de sua mãe em soluços aflitivos. Ela acariciou-lhe amorosamente os cabelos com uma das mãos enquanto com a outra procurava subtrair-lhe a espingarda. O jovem reagiu violentamente e afastou-se de sua mãe.
— Não, mãe! Não tentes impedir-me de que corra a vingá-lo. Tu que te encontravas aqui, responde-me: porque é que aqueles homens mataram meu pai?
A triste mulher tentou de novo abraçar-se ao seu filho muito amado, mas este manteve-se a distância.
— Conta-me tudo o que se passou. Prometo que antes de me abalançar a qualquer aventura me avistarei com o xerife, mas se ele... Dize-me o que aconteceu.
— Queriam que lhes déssemos mil dólares... parece que era dos impostos. Discutiram e teu pai convidou-os a sair, sem o que teriam de se arrepender. Foi então que um deles disparou e matou teu pai... Filho meu muito querido, és ainda muito novo. Uma criança! Não me deixes! Não me abandones!
As últimas palavras foram arrebatadamente proferidas, indo a mãe no encalço do jovem que apenas em duas passadas alcançara a porta da rua. Como sabia onde seu pai tinha o cavalo já pronto para a recolha do gado, saltava um minuto depois para o lombo do animal recusando-se a dar ouvidos aos lamentos de sua mãe que se agarrava desesperadamente à sela para evitar que ele partisse.
Peter, porém, não desistiu do seu intento. Afastou brandamente as mãos que pretendiam desviá-lo do que supunha ser o seu dever e obrigou o animal, vagarosamente primeiro e vertiginosamente depois, a lançar-se num galope desenfreado, sem se dar ao cuidado de voltar a cabeça para trás a fim de não ver o lamentável estado em que ficava sua pobre mãe.
Quando, meia hora depois, ao atravessar a principal e poeirenta rua de Green City viu surgir-lhe pela frente aquele homem que parecia esperá-lo de braços abertos, como a mandar-lhe fazer alto, fez estacar a cavalgadura com um violento puxão de rédeas e levantou os braços. Apercebeu-se imediatamente de que o homem que o mandara parar era o xerife que, sem qualquer prévia explicação, começou logo por dizer:
— Quanto lamento, Peter! Foi um desagradável incidente.
O jovem esfregou os olhos inundados de suor e de poeira, no intuito de ver se conseguia compreender melhor o que o outro lhe dizia:
— Incidente, não foi o que disse? Que sabe o senhor acerca disso? — perguntou.
— Apeia-te, meu rapaz; apeia-te que eu te explico. O senhor Murphy veio logo relatar-me tudo o que se passou e é fácil de ver que a culpa foi toda de teu pai; ele nunca devia ter puxado pelo revólver. Viram-se por isso forçados a defender-se... e bem vês, são os agentes da Lei.
Peter ouviu, sem descer do cavalo, toda a arenga que o xerife lhe impingiu sem cessar um momento de pestanejar, acabando finalmente por reagir quando se apercebeu do alcance das suas palavras. Saltou do cavalo e correndo ao encontro do xerife a quem agarrou pela camisa, gritou:
— Mentira! São uns cobardes assassinos que mataram meu pai a sangue-frio e têm de ser enforcados. Está ouvindo? Enforcados. Ou encarregar-me-ei eu próprio de saldar a dívida!
O vozear do jovem começou a atrair alguns curiosos desocupados que se encontravam no «saloon» mais próximo e que acorreram pressurosos, enquanto o xerife se via em sérios apuros para se libertar das mãos de Peter, acabando por gritar:
— Estás completamente doido! Larga-me! Compreendo perfeitamente o teu desespero, mas, que diabo, tens de ser compreensivo...
— Onde estão os assassinos? Esses miseráveis cobardes, esses cachorros do inferno?
Peter gritava desvairado, erguendo as mãos para o céu, enlouquecido de dor e de raiva. E, como respondendo ao seu apelo, a porta do gabinete do xerife escancarou-se para dar saída a Murphy e aos seus sicários.
A cara do cobrador de impostos não revelava alegria, mas também não mostrava qualquer sentimento de pena; o seu rosto apresentava-se imperturbável, talvez mais pálido que habitualmente, como se se tratasse de uma espécie de morto-vivo. Brown correu ao seu encontro, lamentando o péssimo instante que escolhera para sair.
— Senhor Murphy — disse ele — aquele é filho de Allen. Explique-lhe o senhor mesmo que foi o pai o primeiro a puxar pelo revólver.
Os olhos pardos do recebedor poisaram nos de Peter, dirigindo-lhe a palavra com a maior calma e persuasão:
— É a realidade, rapaz; teu pai apontou-nos o revólver e foi essa a razão por que Reynolds se viu obrigado a disparar sobre ele.
— Canalha! Embusteiro! O que vocês pretendiam era que meu pai vos entregasse mil dólares e como o não fez... Ladrões e assassinos é a única coisa que são!
Murphy relanceou o olhar em torno de si verificando que o grupo de curiosos engrossava de momento a momento. Pensando que as afirmações de Peter lhe estavam a complicar a vida, elevou o tom de voz para dizer:
— Acusas-nos a nós de ladrões? A verdade é que era teu pai, o senhor Allen, quem pretendia cometer um roubo, recusando-se a pagar o imposto...
Reynolds não puxou pelo revólver por iniciativa própria, mas sim em obediência a um sinal do seu chefe. Fosse como fosse, todos os presentes puderam afirmar mais tarde que foi o forasteiro o primeiro que levou a mão à pistoleira para sacar o revólver.
Peter, porém, ao aperceber-se do gesto do outro levou rapidamente a sua mão direita ao coldre, demonstrando claramente que, apesar de ser quase uma criança, se avantajava aquele homem no manejo das armas. E também a fazer fogo, por que o seu dedo premiu o gatilho com alguns segundos de antecedência sobre o seu adversário. Mas a surpresa que se estampou no seu rosto, ao verificar que a detonação não se produzia, tornou-se extensiva a todos os circunstantes.
Reynolds sorria ironicamente e o seu sorriso persistiu ainda nos seus lábios, mesmo depois de o seu dedo apertar o gatilho que percutiu o cartucho da bala que arrebatou instantaneamente a breve vida de Peter. Dois dos presentes apressaram-se a segurar o corpo do rapaz, enquanto um, mais idoso, se apoderava do revólver que os seus dedos crispados pela morte se recusavam a largar.
— Este revólver está descarregado! — disse o ancião, olhando para o xerife.
Brown olhou para o «colt», para o corpo de Peter seguro ainda pelos dois homens, para Murphy, para Reynolds e seguidamente para o grupo de curiosos, com um gesto de profundo desalento.
— Todos vós sois testemunhas: foi em legitima defesa...
— Desde quando se dá o nome de legítima defesa ao facto de um homem matar uma criança de forma tão ignominiosa? — perguntou um dos presentes dando um passo em frente. — Do que todos nós somos testemunhas é de um crime, xerife! O seu dever é prender já esses homens.
Brown viu, de soslaio, que o assassino de Peter parecia querer fazer o mesmo ao homem que o acusava, pelo que se apressou a intervir, dizendo:
—Pronto; façam o favor de regressar ao meu gabinete. — E dirigindo-se ao que acabara de falar, prosseguiu: —E necessário compreender que, de momento, nada me é possível fazer, dada a rapidez como tudo isto se passou.
Os restantes curiosos não prestaram qualquer atenção à conversa, afastando-se juntamente com os que transportavam o cadáver do rapaz, pelo que o que protestava resolveu voltar as costas ao xerife, indo reunir-se ao grupo. Quando Brown deu entrada no seu gabinete, dava a impressão de que se transformara numa peça de artilharia. Os seus olhos fuzilavam quando se aproximou de Reynolds.
— Que acabas de fazer, insensato? Que ganhaste tu com a morte desse infeliz?...
— Por favor, não se exalte — interrompeu Murphy.
O xerife tornou-se agressivo como uma fera que pretendesse devorara reles figura do recebedor.
— Como é possível que o senhor mantenha essa tranquilidade? Será certo que o senhor ainda não mediu o alcance da... da estupidez desse imbecil?
Os lábios de Murphy cerraram-se hermeticamente numa atitude da maior seriedade.
— Muito me aborrece, senhor Brown, que o senhor insulte os meus ajudantes. E eles, certamente, ainda se incomodarão mais do que eu. Bom será que, de futuro, seja um pouco mais cauteloso.
O xerife ficou de boca aberta, olhando sucessivamente para a cara de cada um dos outros.
— Como disse?... Dar-se-á o caso de que o senhor defenda ...
— Não! Não estou a defendê-lo a ele, mas sim a mim próprio. Fique sabendo que se ele disparou foi em obediência a uma ordem minha. Ou está convencido de que viemos aqui fazer alarde da nossa rapidez e destreza na pontaria, para deslumbrar toda esta canalha? Vi que esse pobre maluco se preparava para nos alvejar, e...
Brown puxou por um respeitável charuto, cortou-lhe a ponta com os dentes e acendeu-o, ao mesmo tempo que dava alguns passos pela sala. Arrojou-o prontamente ao solo e espezinhou-o raivosamente, parando depois junto de Murphy que lhe seguia todos os movimentos.
—Pois ficam já sabendo o que lhes resta fazer: desaparecer daqui quanto antes, porque eu não respondo pela reação dos habitantes desta terra.
O cínico sorriso do cobrador de impostos acentuou-se ainda mais, o que aborreceu o xerife em alto grau.
— Querido senhor Brown, dar-se-á o caso de se não recordar já de que eu afirmei que não sairia daqui sem levar comigo o dinheiro do imposto que fui encarregado de cobrar?
O xerife não disse nada. Limitou-se a ir espreitar pelos vidros da janela, pensando de si para si: «Chumbo!, uma descarga de chumbo nesses corpos de javardos é o que estais a pedir...»
Quando uma hora mais tarde a notícia da morte do infeliz garoto e de seu pai chegou ao rancho de George Bragg, este, mais uma vez, demonstrou da irascibilidade do seu carácter, levantando-se e derrubando com um pontapé a mesa junto da qual se encontrava sentado.
— E como reagiram esses ordinários, esses reles habitantes do meu povo? Como é que esses miseráveis ainda se encontram vivos? Já pensaste, porventura, no que acabas de contar-me? Aquilo foi uma autêntica atrocidade. Impõe-se uma desforra daquelas de ficarem na história...
Deu várias voltas na sala esfregando e retorcendo as mãos uma na outra, chegou à porta e gritou: — Sterling! Que Sterling venha aqui rapidamente.
Mike, o seu amigo e vizinho que correra a dar-lhe a notícia, sentia-se verdadeiramente atemorizado ao ver como Bragg, completamente fora de si, derrubava e destruía quanto encontrava ao seu alcance.
Sterling, aquele mesmo Sterling que tão oportunamente surgira para imobilizar a mão que se preparava para agredir o rancheiro na noite anterior, apareceu diante da porta. Não lhe foi possível articular palavra por que o seu patrão lhe gritou, dando um passo ao seu encontro:
— Rápido, companheiro, prepara os cavalos sem demora! Vamos à povoação e que todos os que possam nos acompanhem, porque vai haver festa da rija.
Nada perguntou o recém-chegado que só mais tarde quando cavalgava à ilharga de Bragg e de Mike, pôde inteirar-se do ocorrido. Já muito próximo da povoação veio reunir-se-lhes um cavaleiro vindo de outra direção muito diferente. Tratava-se do homem que distribuía o correio três vezes por semana, nos dias em que a diligência de Dickinson não transportava a correspondência para Green City e que, ao ver Bragg no meio daquela vintena de homens, procurou aproximar o cavalo do velho rancheiro.
— Há alguma novidade, senhor Bragg? Trago-lhe aqui uma carta — gritou ele apresentando-lhe um sobrescrito amarrotado.
Bragg apoderou-se do papel e enfiou-o num dos bolsos sem prestar mais atenção ao sobrescrito e a quem lho entregara. Pela mancha escura que se divisava ao longe, era fácil de deduzir que os habitantes de Green City se tinham reunido em frente da repartição do xerife. E a sua presunção acabou por confirmar-se, quando Bragg e os seus homens se viram forçados a deter a marcha muito antes de atingirem a porta do xerifado, visto que o enorme aglomerado de povo enchia por completo calçada.
Desmontando pressurosamente, Bragg, a cujo lado caminhavam Mike e Sterling, foi abrindo caminho através da multidão no intuito de se aproximar da casa. Quando alguns deles se aperceberam de quem se tratava, todos se afastaram voluntariamente, ouvindo-se aqui e ali os mais diversos comentários.
--- Finalmente chegou o senhor Bragg! Agora é que esses tipos vão saber como elas mordem?... Pena foi que o senhor Bragg não se encontrasse presente. Se assim fosse nada teria sucedido ao pobre Peter.
Bragg conseguiu chegar, por fim, em frente da repartição, ficando altamente surpreendido ao verificar que a porta se encontrava fechada sem que alguém ali desse sinais de vida.
— Afinal, que estais a fazer aqui? — perguntou. —Esses assassinos onde é que param?
— Estão fechados lã dentro juntamente com o xerife que nos intimou a afastar-nos para bem longe de aqui.
— Com que, então, Brown está feito com eles?... Brown, trata de chegares à fala. Necessito de ver-te!
O xerife saiu de casa fechando a porta atrás de si. Olhou com verdadeiro desalento para o enorme grupo que rodeava a sua habitação, antes mesmo de prestar qualquer atenção ao rancheiro.
— Que pretende de mim, senhor Bragg?
— Não te faças desentendido e enxota cá para fora os teus protegidos, mas isso imediatamente.
Brown voltou a cabeça para a janela atrás da qual se divisavam as silhuetas dos homens e voltou a fixar os seus olhos no rancheiro.
— E para que quer o senhor Bragg os homens fora de casa?
— Estúpido! Vou dizer-te o que todos pretendemos: primeiro enforcam-se e em seguida deitaremos fogo à árvore onde estiverem pendurados!... Apenas isto; nada de mais divertido nos ocorre neste momento.
As palavras de Bragg pareceram não impressionar grandemente o xerife que voltou a fixar os olhos na janela da residência.
— Lamento muito, senhor Bragg, mas não me é possível aceder ao seu pedido. Digo-lhe até, mais: quanto a mim, esses homens não cometeram qualquer delito. Foram forçados a bater-se no cumprimento dos seus deveres e saíram vitoriosos da luta. Eis tudo.
Os circunstantes, que ouviram as palavras do xerife, não queriam dar crédito ao que os seus ouvidos escutavam. Era de mais!... Responder com aquela falta de respeito a um homem como Bragg... O próprio rancheiro ficou meio atordoado como se tivesse levado um sopapo nos queixos; de boca aberta e sem atinar com o que devia dizer ou fazer.
Foi apenas um momento; a reação não se fez esperar e veio altamente explosiva:
-- Arreda-te daí, Brown! Já que não queres entregá-los a bem, vamos proceder de outra maneira!
E como visse que Bragg dera um passo em frente, o xerife recuou a fim de cobrir a porta com o seu corpo.
— Para trás, senhor Bragg! Os homens que ali se encontram empunham as armas dispostos a defenderem-se! Muita calma e nada de provocações!
— Brown, lembra-te que és natural deste povo. Vê bem! Pela última vez te peço que te retires.
O xerife teve de agir rapidamente para não cair desamparado, quando a porta a que se encostava se abriu. Murphy, que apareceu com uma mão erguida para pedir silêncio, falou às massas:
— Peço um momento de atenção! A vossa atitude surpreendeu-nos por completo e é necessário que nos sejam concedidos alguns minutos para decidirmos o que entendermos por mais razoável. Deixai que conferenciemos com o vosso xerife e o mais tardar, dentro de quinze minutos, ser-vos-á comunicada a nossa deliberação.
A mão do enfurecido Bragg por pouco não puxou pela arma para fulminar o cobrador. Não o fez porque o homem se apresentou desarmado e jamais na sua vida tinha agido em tais circunstâncias. Limitou-se a proferir as seguintes palavras:
— Concedido; dentro de quinze minutos aqui estaremos para que se defendam ou fiquem estirados como coiotes! Compreendido, rapazes? Peço-vos que vos afasteis por algum tempo.
E, em confirmação da sua incontestável autoridade sobre todo o povo, a multidão começou a dispersar-se lentamente.
33
Sem comentários:
Enviar um comentário