Uma jovem amazona incitava a sua montada a galgar a suave ladeira cheia de verdura e matizada de vermelhas florinhas, quase invisíveis àquela hora em virtude da rosada tonalidade da luz que lentamente desaparecia para lá do horizonte.
Ao atingir o topo da colina, fez parar o seu cavalo e dirigiu os olhos para o ponto onde o sol agonizava. Foi com pesar que a jovem desviou o olhar de tão maravilhoso espetáculo para prosseguir no seu caminho.
Não muito distante dali parou de novo, mas desta vez definitivamente, e apeou-se. Deixou o cavalo pastar livremente, estendendo-se ela sobre o fofo musgo à beira do pequeno lago formado pelo riacho à sua nascença.
E, segundo o seu velho hábito, debruçou-se sobre o líquido espelho das águas transparentes, admirando os seus traços fisionómicos que a corrente da água tornava curvilíneos. Puxou com a mão a cabeleira cor de asa de corvo para o lado direito da face, como a experimentar se aquele exótico penteado lhe favorecia a sua natural beleza.
Estava maravilhosamente bela naquela atitude: os seus olhos verdes brilhavam de satisfação ao concluir o exame...
— Está o que se chama uma mulher maravilhosa, Lucília...
Os lábios do jovem Sterling, acabado de chegar logo atrás da jovem, pretendiam dizer muito mais, mas a rapariga, voltando-se bruscamente, cortou-lhe a palavra com o olhar desgostoso que lhe dirigiu.
— Parece que não estás hoje muito contente, querida — conseguiu ele articular, indo sentar-se junto da jovem.
Lucília deixou a cómoda posição em que se encontrava para se sentar ao lado do homem, mantendo a cabeça muito ereta, enquanto dizia:
— Que vieste fazer aqui, Sterling?
— Singular pergunta essa! E tu? Naturalmente passar um instante junto de ti, como de costume — retorquiu, sorrindo.
A sua alegria, porém, não contagiou a jovem.
— Este sítio aqui é muito meu. Está dentro do rancho do meu avô e desde criança sempre gostei de vir aqui a esta hora.
E olhava Sterling de través, como se as suas palavras constituíssem o mais solene desafio. A verdade é que Sterling se deixou dominar por aquela serenidade.
— Estás hoje altamente misteriosa... Deixa-te de maluqueiras, cachopa -- disse o jovem gracejando e tentando segurá-la pelos ombros a fim de aproximar o seu rosto do da rapariga, em busca do beijo costumado.
Ela, porém, malogrou-lhe o intento, pondo-se em pé com os seios palpitantes pelo esforço feito.
— Mas, afinal, ainda não compreendeste que tudo acabou entre nós? Vai-te daqui para o demónio.
Sterling, que esboçara um sorriso quando começou a pequena escaramuça, foi comprimindo lentamente os lábios ao mesmo tempo que semicerrava os olhos, observando-a minuciosamente, para dizer em seguida:
— Explica-te, Lucília! Que diabo quer tudo isto dizer?
A jovem deu alguns passos nervosamente, acabando por deixar enterrar os saltos das suas botas de montar no terreno húmido, retorcendo ao mesmo tempo os seus delgados dedos uns nos outros. Estacando de súbito e separando as mãos, encarou-o de frente:
— Demasiado o sabes tu! Esta manhã o selvagem do teu patrão, a quem passei a odiar desde aquele instante, deu um empurrão em meu avô... acabando por insultá-lo. Tu encontravas-te presente, e que fizeste? Viraste as costas ao velho para ir em auxílio de... odeio-te Sterling! Tanto como ao teu patrão... Se eu fosse um homem!...
— Serias um rapaz divinamente encantador — sorriu-se o mancebo que rapidamente se arrependeu da graça proferida, ao ver que os olhos da rapariga se arrasavam de lágrimas, ao mesmo tempo que os ocultava e deitava a correr.
Levantando-se de um salto, Sterling correu atrás da rapariga que acabou por alcançar, agarrando-a por detrás e obrigando-a a voltar-se para que olhasse para ele.
— Deixa-me, não sejas cobarde! — implorava a jovem procurando soltar-se dos robustos braços do homem.
Sterling largou a rapariga que não tentou nova fuga que considerava completamente inútil.
— Uma nova nuvem de desgraças passou sobre esta povoação, Lucília... lamentei muito o que aconteceu a teu avô, mas, acredita o que eu te digo, eu não podia fazer outra coisa. Como poderei eu explicar-to? A verdade é que o senhor Bragg teve um ataque de loucura e agrediu o «tio» Mike... Que querias tu que eu fizesse? Acudir ao teu avô pela pancada que recebeu, ou correr para junto do senhor Bragg, inconsciente como se encontrava?
A interrogação ficou a pairar no espaço e a jovem depois de enxugar as lágrimas com o pequeno lenço que tinha na mão, replicou:
— Mas o «tio» George não estava louco...
— Que sabemos nós, afinal, acerca do que lhe passa pela cabeça em tais momentos? Posso garantir-te que se o visses, transformarias em piedade o ódio que lhe votas agora... Causa dó vê-lo no seu escritório, sentado na sua cadeira ou dando grandes passeios, sempre com os olhos vagos, perdidos...
O cavalo da jovem tinha-se aproximado da sua dona que lhe afagava suavemente o lombo, com os olhos desviados do seu companheiro.
— Confesso que não sei o que hei de fazer, Lucília. A minha intenção era precisamente consultar-te acerca de uma ideia que não me larga: achas que devo abandona o velho senhor Bragg? A minha consciência não pode estar de acordo com as normas ditadas por ele; sou de opinião que deveríamos ter dado uma ensinadela aqueles miseráveis canalhas...
— Pobre senhora Allen!... — Suspirou a rapariga. — Sabes que a trouxemos para nossa casa? Não podíamos de forma alguma deixá-la sozinha. Tanto o avô como eu, queremos que ela fique a viver connosco.
Tendo a impressão de que a jovem já lhe não guardava tanto rancor, atreveu-se a poisar a sua mão sobre a dela em contacto com o lombo do cavalo. Suavemente, ela evitou a carícia.
— Eu era tão amiga do «tio» George... era tão bom homem apesar daquele seu génio... — disse a jovem com os olhos perdidos na distância, como se tratasse de observá-lo através do infinito.
— Obrigado, Lucília; não abandonarei o velho, pelo menos até que acabe por saber os motivos que o levaram aquela reviravolta. Diz ao teu avô que lhe perdoe. Ele que o conhece melhor do que nós, talvez saiba de alguma coisa... Um destes dias mais próximos preciso de falar com ele.
— Adeus, Sterling — disse a jovem a despedir-se, já montada a cavalo e iniciando o regresso. — Não apareças por aqui sem eu te avisar... deixemos passar algum tempo.
O jovem capataz do rancho de George Bragg deteve a sua montada próximo da mulher que lhe fazia sinais de que parasse. A pobre criada do rancheiro estava afogueada, dir-se-ia, mesmo, aterrorizada.
— Vê se te despachas, homem... O xerife veio expressamente falar com o patrão e estão lá no escritório a gritar um contra o outro...
— Não te atemorizes, mulher, bem sabes que isso é a coisa mais natural deste mundo; o senhor Bragg grita por tudo e por nada — disse ele tranquilizando-a e entregando-lhe as rédeas do seu cavalo após o que se dirigiu pressurosamente para a porta da habitação.
Atravessou a ampla sala que tinha na sua frente, deteve-se diante de uma porta atrás da qual se ouviam vozes acaloradas e bateu repetidas vezes com os punhos. Como visse que ninguém lhe autorizava a entrada, deliberou entrar por sua conta e risco, abrindo decididamente a porta, preparado para ouvir a reação do velho.
— Digo-lhe que aqueles homens, com papéis ou sem papéis, não passam de uns miseráveis! — gritou Brown. — O melhor que há a fazer é dar conhecimento desse facto ao governador para que lhes retire os poderes de que vêm investidos.
O velho, que ouvia os desabafos do xerife, de costas voltadas para ele e espraiando a vista através dos vidros da janela, voltou-se para replicar:
— Esqueces-te que sou eu, e apenas eu, quem dá ordens nesta comarca? Entendo que o imposto é absolutamente justo e nada mais tenho de explicar. Pague cada um aquilo que lhe compete e deixemos que os recebedores se retirem em boa paz. Nenhum dos dois interlocutores parecia ter-se apercebido da sua entrada, pelo que Sterling se viu forçado a tossir para chamar-lhes a atenção.
— Entra, rapaz, não te deixes ficar aí pasmado. Não incomodas nada. Brown preparava-se já para sair, não é assim?
O xerife poisou os olhos no capataz durante apenas um segundo, para voltar a encarrar o rancheiro que de forma tão insólita o despedia.
— Uma vez que tanto insiste, vejo-me obrigado a comunicar-lhe o verdadeiro motivo da minha visita: o meu pedido de demissão.
Bragg não se perturbou com o que o outro lhe dizia. Nem sorriu nem barafustou, limitando-se a dizer:
— E para me dizeres isso, deste-te ao incómodo de vir aqui? Bastava que tivesses tirado a tua placa no meio da povoação e nada mais seria necessário.
— Não se lembra já que foi o senhor quem me indicou para desempenhar este cargo? Esta a única razão por que quis renunciar a ele na sua presença.
— Não quero recordar-me de coisa alguma. Toda a gente se empenha em que eu me recorde de qualquer coisa! Fora daqui! Não há ninguém que me não incomode! — explodiu o rancheiro com o seu génio endiabrado.
O xerife, que empalidecera um tanto, dispunha-se a responder, mas ao ver que Sterling lhe recomendava silêncio com um gesto, deliberou calar-se. Sem proferir a menor palavra, rodou sobre os calcanhares e saiu da residência seguido do capataz.
— O senhor Brown não devia ter feito uma coisa dessas — dizia o jovem, tentando dissuadi-lo. — O povo necessita dos seus serviços. Quando o cobrador se retirar...
— Agora, agora... Querem que eu seja um xerife contemporizador... mas estais redondamente enganados: se tentei impedir que linchassem os homens, não foi porque estivesse de acordo com eles, mas apenas porque pretendia comunicar superiormente o facto e promover que a justiça oficial e não a justiça popular resolvesse o assunto. Agora serei eu próprio quem vai tratar particularmente do caso.
Enquanto ia expondo o seu ponto de vista, o xerife subiu para o cavalo, procurando Sterling retê-lo ainda segurando-lhe nas rédeas da montada.
— Oiça, xerife, não creia que me deixei convence pelas razões do senhor Bragg.
Brown puxou suavemente pela rédea que Sterling segurava na sua mão.
— Também penso o mesmo, meu rapaz; mas sei também que outra coisa não podes fazer do que obedecer ao teu patrão.
Arrancou com um repelão a estrela prateada que brilhava na sua camisa, por alturas do coração, poisou a insígnia na mão do capataz e acrescentou.
— Toma; entrega isto ao senhor Bragg. Foi ele quem ma entregou e é a ele que eu a restituo.
Pouco depois iniciou a marcha a trote curto e desapareceu na penumbra da noite que começava a cobrir os campos. Quando o jovem se voltou, deu de cara com o rancheiro que se dirigia ao seu encontro, tendo impresso no rosto o mais profundo desgosto.
— Esse louco do Brown já se retirou?
— Haverá apenas um minuto — respondeu Sterling Bragg reparou que a placa metálica brilhava na mão do seu capataz.
— Com que, então, levou a sua avante, hem?
— É verdade; deixou-me encarregado de lha entrega — disse o jovem estendendo-lhe a estrela.
O velho, porém, pareceu não reparar no gesto do mancebo e dirigiu-se para um cadeirão que se encontrava sob o alpendre.
— Vem cá, Sterling. Não sei o que se passa comigo. Não faço esforço algum e sinto-me fatigado.
O mancebo sentou-se junto do seu patrão e ficou pensativo durante alguns minutos.
— Estou convencido de que me portei muito mal com Brown, não te parece?
— Acho que sim!
Milagrosamente os lábios do rancheiro abriram-se num sorriso, ao olhar para o seu capataz:
— És franco e corajoso, rapaz... Muito me agrada saber que és assim. Também reconheço o mesmo; estou a portar-me vergonhosamente com todos: com Mike, com Brown e até contigo que apenas estás a meu lado pela estima que tens por mim...
— Com dobrada razão o faria se soubesse os motivos que o levaram a tomar essa atitude. Porque não usa de sinceridade para comigo? Essa sua dissimulação é inútil, senhor Bragg; eu sei que deve ter razões poderosas para se comportar dessa forma, contrariando até as suas próprias convicções.
O velho continuava a fixar os seus olhos em Sterling, mas dava a impressão de que nem sequer o via e que era o próprio povo que auscultava. Um súbito mover de olhos deu a saber ao mancebo que o seu patrão acabava de regressar à realidade.
— Sim, será o melhor, Sterling.... Mas, despacha-te, desaparece; vê se consegues trazer-me esse diabo do Brown. Dir-vos-ei a ambos o que me aconteceu para que em tão curto espaço mudasse radicalmente de opinião... Quero que me tragas o xerife para seu próprio bem: receio que cometa alguma loucura, agora que acaba de renunciar ao seu cargo e que tem plena liberdade para agir de acordo com a sua consciência.
Notava-se uma grande ansiedade no pedido feito pelo ancião, em vista do que o jovem se apressou a obedecer-lhe. Não decorrera ainda um minuto e já o jovem surgia montado num cavalo, escarvando a terra com impaciência. O rancheiro voltou a incitá-lo:
— Voa, meu filho, não quereria que o bom do Brown cometesse qualquer loucura antes de lhe revelar o me segredo!...
E quando Bragg sentiu o tropear das patas do cavalo e viu desaparecer a figura do capataz nas sombras dai noite, voltou a sentar-se no cadeirão, apertando a cabeça nas mãos, o que revelava bem a tempestade que lhe agitava o mundo dos seus pensamentos.
Meia hora mais tarde, Sterling dava entrada em Green City e encaminhava-se diretamente para a repartição do xerife que era simultaneamente a residência do representante da lei. Bateu repetidas vezes à porta, mas não obteve resposta. E quando adquiriu a certeza que a pessoa que procurava não se encontrava em casa, resolveu-se a ir procurá-la ao «saloon» ou tentar saber do seu paradeiro.
No «saloon», que àquelas horas se encontrava repleto de frequentadores, dos quais teve de suportar alguns olhares bastante duros, também Brown se não encontrava. Decidiu tomar uma bebida, enquanto se perdia em conjeturas acerca do seu possível paradeiro, para o que tentou aproximar-se do balcão, ocupando um lugar, vago entre dois bebedores. Normalmente era hábito afastarem-se um pouco para permitir que o novo cliente se aproximasse, mas desta vez aconteceu precisamente o contrário; os fregueses juntaram-se ainda mais uns aos outros. Sterling solicitou:
— Por favor, senhores, dão licença?
Um dos bebedores encarou-o com cara de poucos amigos.
— Pode ir para qualquer outra parte, Sterling. Não nos agrada nada a sua companhia — disse em ar de desprezo.
O sangue subiu-lhe ao rosto. Soube, porém, ser compreensivo e reconhecer que aqueles homens tinham motivos de sobra para estarem aborrecidos com ele, pelo que resolveu afastar-se e procurar lugar noutro sítio.
Uma manápula enorme agarrou-o por um braço ao mesmo tempo que o brutamontes que lhe falara com desprezo lhe mostrava os dentes amarelos, gritando-lhe:
— Não se faça de novas. Fui eu próprio quem lhe disse que nos não agradava nada a sua companhia.
Via-se à légua que o homem pretendia armar zaragata. Sterling, sem fazer grande esforço, passou a mão que tinha livre sobre a do outro e retirou-a com a maior facilidade, apesar da resistência que o outro oferecia.
Junto do balcão, havia agora lugar para uma boa dúzia de bebedores, porque todos os que ali se encontravam se tinham retirado atraídos pela voz do provocador.
Sterling ainda tentou deixar passar a onda, encostando-se ao balcão e pedindo uma qualquer bebida que o empregado logo lhe serviu derramando parte do líquido sobre o tampo, entretido como estava a olhar para o provocador que se colocara atrás de Sterling entre raivoso e indeciso.
Quando o jovem empunhou o copo, disposto a beber o seu conteúdo, sentiu que uma mão lhe poisava no ombro, no intuito de o obrigar a voltar-se. Sterling voltou-se, mais por sua vontade do que pelo esforço do outro para o conseguir e, num rápido movimento, despejou o conteúdo do copo na cara do arruaceiro, deixando-o cego por uns momentos.
Deixou que o homem se limpasse calmamente com as mãos, pelo que a cara do outro ficou oculta durante alguns instantes. E quando a descobriu, sacudindo o líquido que lhe ficara nas mãos, era simplesmente medonho o aspeto que os seus olhos e a sua boca retorcida ofereciam. Um homem calmo e pacifico tratou de se interpor entre os dois, dizendo:
—Deixa-o, Anthony. Tu é que começaste...
Com um violento empurrão, aquele a quem chamavam Anthony, afastou o intercessor para o lado
— Fui eu quem começou e também sou eu quem vai acabar de vez com este papa-moscas que se julga muito seguro, lá por que se sente protegido por Bragg.
O punho de Sterling estendeu-se a todo o comprimento do braço e assentou em cheio nas ventas do que refilava, que só não se estatelou no soalho, por ter sido amparado pelos curiosos que o rodeavam.
— Isto é apenas para que não sejas mal-educado aprendas a dizer senhor Bragg quando te referires ao meu patrão — disse Sterling quando o outro, já refeito da murraça, sacudia a cabeça, manchando de sangue as pessoas mais próximas.
Um rugido atroador saiu do peito do que acabava de ser tão duramente castigado e que, erguendo ambas as mãos, avançou para o jovem decidido a esmagá-lo com toda a sua corpulência.
O mancebo, porém, agachou-se e suportou o peso do seu adversário, para em seguida se libertar e lhe aplicar um tão formidável soco no fígado que aquele voltou a rugir desesperadamente em consequência do golpe sofrido.
Sterling, que tinha fletido as pernas para suporta corpanzil de Anthony depois de o socar, endireitou-se subitamente, do que resultou ficar aquele como suspenso no espaço.
Não durou muito tempo aquela espécie de voo, porque o que estava por debaixo se desembaraçou do fardo arrojando-o para sobre o tampo do balcão de mistura com o estrondo produzido pelo estilhaçar de copos e garrafas, o homem desapareceu pela abertura destinada ao empregado do «saloon», soltando um rugido medonho.
Da boca de todos os circunstantes saiu um coro de gargalhadas, ouvindo-se aqui e ali alguns aplausos ao Jovem autor de semelhante proeza.
Já Anthony surgia de novo, mostrando a cara escalavrada por detrás do balcão, quando soou uma detonação que fez desaparecer a cólera da cara do homem, para dar lugar à surpresa — surpresa que podia ler-se também na cara de Sterling e de todos os que o cercavam.
O «barman», que se afastou rapidamente para evitar que Anthony lhe caísse em cima, gritou:
— Foi no andar superior! Uma segunda detonação vinda agora da abertura da escada que dava acesso ao andar de cima atraiu todas atenções para aquela parte do «saloon».
O capataz de Bragg começou a afastar os circunstantes mais próximos, a fim de se encaminhar para a porta lateral onde começavam os degraus. Antes, porém, de ali chegarem ele e outros que o seguiam, um homem surgiu no limiar.
Aparição bem estranha foi ela, por que o homem desceu os degraus de quatro em quatro, ficando estatelado no soalho ante a expectativa geral. Sterling sabia de quem se tratava sem ter necessidade de lhe ver o rosto, mas quando se dispunha a fazê-lo, reparou na mancha ensanguentada que o homem apresentava nas costas.
— Acabam de matar o xerife! — disse um dos primeiro o reconheceram.
Era efetivamente Brown que acabara de cair pelas escadas, enrodilhado como um novelo e a quem Sterling se esforçava baldadamente por reanimar, porque a morte entrara-lhe pelas costas em forma de balas de revólver.
Dada a sua posição, debruçado sobre o cadáver Brown, foi ele quem, antes de qualquer outro, se apercebeu de que alguém descia com os seus próprios pés mesmos degraus que o xerife descera pouco antes a trambolhões.
E ao dirigir os olhos naquela direção pôde ver o extravagante perfil do cobrador que aparecia calmamente entre os umbrais.
Sterling pós-se instintivamente em pé levando a mão direita à coronha do se revólver, sem, no entanto, puxar por ele. Não lhe foi possível fazê-lo por que os azulados reflexos dos canos de duas espingardas, que espreitavam por detrás de Murphy, lhe aconselharam prudência.
O esquelético forasteiro deteve-se no último degrau, à vista de toda a gente, que pôde ver também os dois homens que o seguiam e que seguravam nas mãos duas espingardas aperradas.
Após alguns segundos gastos a percorrer com os olhos todos os circunstantes que de toda a parte lhe dirigiam olhares de ódio, Murphy tomou palavra:
— O homem que aí vedes, o vosso xerife, tentou atacar-nos de surpresa e à traição quando nos encontrávamos reunidos nos meus aposentos. Como é de supor, vimo-nos na necessidade de nos defendermos... como estais vendo. Lamento sinceramente o que aconteceu por que, de certo modo, eu estimava o senhor Brown, o único homem que nos prestou auxílio desde a primeira hora.
— Eis uma forma bastante original de mostrar a sua gratidão, senhor cobrador de imposto — disse Sterling, remoendo a raiva que o dominava. — Este homem foi assassinado pelas costas...
— Sim, pelas costas, por que fugia cobardemente — disse Murphy, sorridente.
O capataz sentiu uma nuvem vermelha toldar-lhe a vista. Pressentia que ia envolver-se num sério tiroteio. Viu num relance a ânsia de atacar de que todos se sentiam possuídos, mas também compreendeu que muitos deles hesitavam em tomar a iniciativa, receosos das espingardas que os ameaçavam.
Sterling deu rapidamente meia-volta, alcançou a porta da rua em dois saltos, subiu para o cavalo que deixara amarrado à entrada e todos aqueles que ficaram no «saloon» puderam ouvir, instantes depois, o tropear dos cascos do cavalo que se afastava velozmente.
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