quinta-feira, 5 de julho de 2018

BUF168.7 O heroi John Pistol

Quatro cavaleiros seguiam pelo caminho que conduzia ao rancho de Liberman. A noite estava escuríssima, e o vento soprava em rajadas. Atravessaram o ribeiro que separava o terreno de Liberman, do de outro rancho confinante. Abrandaram o galope.
— Não há uma única luz... — disse o xerife. — Talvez não esteja no rancho.
— Se não estivesse, tê-lo-íamos visto em San Ângelo... — respondeu John. — Deve estar numa das outras construções.
Chegaram perto das casas. O único ruído que se ouvia era o do vento. Desmontaram e encaminharam-se para a porta. Parrot bateu. Esperaram. Ninguém respondeu. Só o vento continuava a fazer-se ouvir, gemendo entre as ramadas das árvores.
— Olhe, xerife! Há uma luz naquele barracão, à esquerda.
— Já vejo. São os estábulos. Vamos para lá. Não nos ouviu.
Avançaram na direção dos estábulos, em passos cautelosos. Sabiam que em qualquer momento podiam ser alvejados. Aproximaram-se do barracão. As portas eram de correr, e não estavam completamente unidas. Parrot e John olharam para o interior.
— Ali o temos... — sussurrou o xerife. — Não deve saber do que aconteceu na povoação. Julgas que tenha falado com Pericot?
— Com certeza. Combinaram uni plano.
— Que saiu errado. Bem, vamos.
Os quatro homens empurraram as portas e ficaram no limiar, mudos, com as mãos perto das armas.
— Olá, Liberman!

Liberman, surpreendido, endireitou-se, levando a mão ao coldre.
— Que querem? O xerife aliou-se com o assassino John Pistol?
— Venho dar-te unia notícia má, Liberman... — disse Parrot, ignorando o insulto. — A respeito de Pericot.
— Que aconteceu?
— Está morto.
Liberman ficou visivelmente acabrunhado. Deu um pontapé num balde com água e afastou-se da vaca que estava a tratar. O animal devia estar doente.
-- Morto? Corno foi isso?
— Em luta, no bar de Catey.
— Quem o matou?
— Eu... — disse John.
— Tu, John Pistol?
— Sim, para defender a vida de Buck. O final da cena foi elucidativo.
— Que queres dizer com isso?
— Quero dizer que, depois de matar Pericot e de sovar o guarda-costas, se esclareceram muitas coisas. O guarda-costas está preso.
— Aslop?
— Sim. Preso mas vivo, embora bastante maltratado... — disse Parrot.
— Não me interesso por Aslop. Só quero saber da saúde de John Pistol.
— Estou bem, e com forças bastantes para acabar a tarefa.
— Sim, esclareceu-se o mistério da morte de Nancy... — disse o xerife. — Aslop falou pelos cotovelos.
— E denunciou o assassino de Nancy.
— Foste tu, John Pistol.
-- Não, Liberman. Foste tu.
— Aslop não disse isso!
— Sim, disse. Falou muito... e até acusou Pericot de matar o tal vaqueiro.
— Mentiu.
— Sim, nisso mentiu. Foi o próprio Aslop quem assassinou o homem, por ordem do patrão. Nancy sabia isso e era preciso eliminá-la. Tu foste o encarregado da tarefa e recebeste mil e quinhentos dólares. Estás desmascarado, Liberman
— Isso é ridículo! Julgam-me um imbecil? Aslop não falou, e é impossível que Pericot este morto.
— Acompanha-nos e verás.
— Como preso?
— Sem dúvida... — disse Parrot. — Se estás inocente, nada tens a temer. Não vamos enforcar-te sem julgamento. Entrega-te.
— Juntaram-se para me perder, vocês ambos! São meus inimigos, mas vou dar-lhes o que merecem.
Enquanto pronunciava as últimas palavras, Liberman empunhou o revólver e disparou, ao mesmo tempo que saltava de lado e se escondia por detrás de um monte de palha. Continuou a disparar. Os quatro homens avançaram, firmes. Por sorte, o barracão estava cheio de utensílios de lavoura, carros e feno, o que lhes permitia abrigar-se enquanto avançavam.
Deram alguns passos, afastados uns dos outros e disparando as armas para que Liberman não pudesse levantar a cabeça. Imobilizavam-no assim. Chegou o momento em que Liberman se viu cercado. Só podia escapar pelo lado de trás, e era preciso escapar. Não havia outra situação para ele.
Olhou com pena para a vaca doente e para o feno acumulado. Nunca mais voltaria a ver aquilo. Sabia que não podia haver esperança para ele. Aslop tinha falado, decerto. Era inútil insistir em acusar John. Ninguém o escutaria. A partir daquele momento, toda a população de San Ângelo o perseguiria para o enforcar. Sim, tinha assassinado Nancy por ordem de Pericot. Esse tinha sido o começo da sua relativa prosperidade.
Atrás dele havia outra porta, que abria para os campos. Era a única possível salvação. Não hesitou mais. Agarrou uma porção de palha, espessa, sem largar as armas, e começou a recuar, disparando.
— Atirem às pernas!... — ordenou John. — A palha não deixa passar as balas.
Era exato. A espessura da palha detinha as balas, e só as pernas do criminoso estavam a descoberto. John feriu-o na perna esquerda. Mas Liberman conseguiu alcançar a porta e, coxeando, desapareceu na escuridão da noite.
— Xerife, dê a volta pelo outro lado!
Não pode escapar-nos. John precipitou-se para a porta, sem se importar com a possibilidade de Liberman o esperar do lado de fora. Estacou, tentando sondar as trevas. Nesse momento ouviu o galope de um cavalo.
John correu para a sua montada, e de um salto ficou sobre a sela.
— Liberman foge!... — gritou.
Não esperou mais. Sabia qual a direção tomada pelo fugitivo, e lançou o cavalo para a frente. Os clarões alaranjados dos tiros riscavam a noite. John afastava-se progressivamente do xerife, encurtando a distância que o separava de Liberman. Chegaram ao rio quase ao mesmo tempo. Atravessaram-no.
Na outra margem, Liberman fez estacar brutalmente o cavalo, voltou-se e disparou. Mas John não se deteve. Avançou em linha recta para o miserável, que perdeu a coragem e retomou a fuga. Durante longos minutos correram a toda a brida, disparando. John estava novamente muito perto do fugitivo, quase lado a lado.
— Maldito!... — bradou Liberman, erguendo a arma.
Mas John não lhe deu tempo para disparar. Num salto fantástico, lançou-se sobre ele. Rolaram no chão. A luta que se travou entre ambos teve uma ferocidade selvagem. Liberman esbravejava, cuspindo pragas e insultos, perdendo forças. John não o escutava. Todo o seu desejo era apanhá-lo vivo e levá-lo para San Ângelo. Uma bala era bom de mais para um miserável como Liberman. Só a forca devia pôr fim à sua ação de criminoso, diante de toda a população de San Ângelo.
A situação invertera-se. Os dois homens puseram-se de pé, separando-se, mas John lançou-se imediatamente ao ataque, outra vez, martelando a cara do seu inimigo, vibrando-lhe tremendos socos no estômago.
Liberman recuou, sob a chuva de golpes, sem reparar que estava à beira de um declive. Enfraquecia visivelmente, atordoado. Um passo mais e rolou pela encosta, desaparecendo na escuridão. John desceu a encosta, sem hesitar. Em baixo, mergulhado na sombra, ficou à escuta, atento. Nenhum ruído. O terreno em volta estava coberto de mato espesso e espinhoso.
-- És um cobarde, Liberman!... — disse, tentando provocar o adversário e levá-lo a descobrir-se. — Esperas que eu me aproxime para atirares pela certa. Não te gabavas sempre da tua coragem? Não teve resposta.
Liberman devia estar entre o mato, sondando a escuridão, à espera de poder fazer fogo sem receio de falhar.
— Cobarde!... repetiu John. — Estamos sós. O xerife e os seus homens perderam a pista. Levanta a cabeça, cobarde! Nenhum homem digno desse nome fugiria à luta. Mas tu...
Avançou entre o mato, com todos os sentidos atentos. Tinha um ouvido apurado, e contava poder distinguir a respiração de Liberman, onde quer que ele estivesse.
— Tens medo de levar outra sova, patife? Já levaste uma, desse vaqueiro a quem querias roubar e que o teu cúmplice assassinou depois. Tens medo, velhaco!
Tinham decorrido cerca de cinco minutos, e a situação mantinha-se, inquietante. Apenas distinguia o ruído do vento. Onde estaria Liberman? Avançou mais. Queria dominar a sua impaciência, mas não o conseguia. A sua respiração devia ouvir-se a distância. O perigo espreitava-o.
Teve um sobressalto quando, em qualquer ponto da treva, um dos cavalos relinchou. Encolheu-se, instintivamente. Foi nesse momento que Liberman se ergueu de entre o mato. Estava a pouco mais de três metros de John. Tinha uma expressão diabólica.
— Morre, maldito!
Liberman falou e disparou, no mesmo instante. De pé, firme no terreno como se não estivesse ferido, fazia fogo, praguejando.
John sentiu uma pancada na cabeça, como se alguém lhe tivesse batido violentamente com um pesado martelo. Uma nuvem densa passou-lhe diante dos olhos, tornando mais escura a escuridão da noite. Mas reagiu no mesmo momento. Embora ferido, começou a avançar e a disparar.
Agora sabia onde estava Liberman, o traiçoeiro Liberman que o atacara tal como tinha previsto. Agora não voltaria a deixá-lo escapar, fosse como fosse. John lançou-se ao ataque. Era mais forte do que o seu adversário. Já o havia demonstrado, confirmava-o agora.
Socaram, com fúria selvagem. Pólvora nos Colts, dinamite nos punhos, escuridão em volta por entre o uivar do vento. Mas a luta não durou muito tempo, apesar das circunstâncias dramáticas em que se desenrolava. Foi curta, porque Liberman não resistiu muito.
Caiu aos pés de John, esgotado. Tinha recebido um soco em cheio na cara. Ficou estendido ao comprido, de bruços, com os braços abertos. John desarmou-o e levantou-lhe a cabeça, segurando-o pelos cabelos. Franziu o sobrolho.
—É o fim, Liberman... — murmurou. — Ainda bem que vives. Serás levado para San Ângelo e morrerás na forca, como um miserável que és. Eu não, esqueci Nancy, não esqueci aquela noite. Fossem quais fossem as suas culpas, era uma mulher. E tu assassinaste-a, Liberman.
John endireitou-se e soltou um assobio, chamando o seu cavalo. O animal aproximou-se, dócil. John tirou o laço da sela e amarrou Liberman, de maneira a impedi-lo de mover os braços. Depois esperou que ele acordasse e ajudou-o a levantar-se.
— Tens alguma coisa a dizer, Liberman?
O criminoso soltou uma praga, fitando John. Tinha a cara cheia de equimoses, mas nos olhos havia ainda um brilho de ódio.
— Monta a cavalo. Vamos voltar a San Ângelo.
John içou-o para a sela e pegou nas rédeas do animal. Puseram-se a caminho. Uma hora mais tarde encontraram o xerife e os seus dois ajudantes. Parrot espantou-se, ao vê-los.
— Conseguiste apanhá-lo, John! És espantoso!
— Não ouviram os tiros?
— Sim, mas não pudemos descobrir de que direção vinham, com este maldito vento. A noite está negra como goela de um lobo. Querem montar no meu cavalo? Tens uma ferida na cabeça...
— Sim, uma bala de Liberman feriu-me de raspão. Mas estou ainda meio aturdido e não sei como consegui andar.
Enquanto John montava no cavalo do xerife, Parrot observou o preso. Sorriu friamente, com severidade. Liberman baixou a cabeça.
— Assim tinha de ser... — murmurou o xerife. -- Foi preciso aparecer o falso criminoso, para que o crime não ficasse impune. Ninguém tinha suspeitado de ti, Liberman.
— Ninguém, a não ser as mulheres de Trinity Street... — comentou John.
— É verdade, as bisbilhoteiras prestaram um grande serviço, o que prova que há males que vêm por bem... embora só em casos excecionais como este.
— As bisbilhoteiras…— murmurou John.
Seguiram, falando disto e daquilo. Só Liberman não abriu a boca uma única vez, nem mesmo quando o xerife o interrogava. Era a imagem viva da derrota. De nada lhe valera o procedimento vil de acusar John para encobrir o seu próprio crime. Olhava para o chão.
Quando chegaram a San Ângelo, dirigiram-se ao edifício onde Parrot se instalara provisoriamente. Liberman foi metido num calabouço improvisado mas seguro.
A notícia correu imediatamente por San Ângelo, apesar da hora adiantada da noite, e ao nascer o dia havia uma multidão em frente da casa. Ouviam-se comentários por todos os lados. Esquecidos de que dias antes haviam apoiado Liberman no seu intuito de enforcar John Pistol, os homens elogiavam John e tinham palavras de condenação para o prisioneiro. Apareceram também as velhas senhoras de Trinity Street, e não eram as menos pródigas em entusiasmo.
— John Pistol é um herói! Aquele sim, é um homem às direitas.
— Bem queria eu que ele olhasse para a minha filha...
— Ou para a minha! Depois da desilusão que teve, o amor de John seria a felicidade dela...
Todos olhavam para John, com admiração. Buck e Glondy não o deixavam.
— Perdoa-me o que eu disse a teu respeito, John... — pediu Buck, mais uma vez. — Enganei-me e...
— Somos amigos, Buck... — respondeu John. — O resto está esquecido, já te disse. Eu também me enganei quando te supus culpado. Só queria que não me olhassem como se eu fosse um herói. Sou um homem vulgar... e estou cansado de aventuras.
— Não é um homem vulgar, Johnny... — disse Glondy, gravemente. — Um homem vulgar não teria feito o que você fez.
Sorriram, e a conversa ficou por ali.
Dias depois, John entrou no bar e foi sentar-se junto de uma janela. Pediu um copo de uísque, como de costume, e pôs-se a beber devagar, pensativo.
Liberman tinha sido julgado e confessara o seu crime. Ia ser enforcado naquela manhã. A certa altura apareceu na rua o dramático cortejo formado pelo xerife e pelos seus homens. Liberman, de mãos amarrados, montando o seu cavalo, seguia-os, de cabeça baixa, metido entre os ajudantes de Parrot.
A multidão acompanhava-os, ansiosa por assistir à morte do criminoso. Mas não havia qualquer sentido de justiça, naquela gente. No fundo, era a mesma manifestação coletiva de barbárie que empolga todas as multidões, em todos os tempos. A morte sempre foi um espetáculo.
Liberman ia lívido, apavorado. O cortejo seguiu, perdeu-se na distância. John Pistol pediu um segundo copo de uísque, contra o seu costume. Decorreram alguns minutos. De súbito, John murmurou:
— Acabou tudo... Pareceu-me ter ouvido o último soluço de Liberman, o homem que matou Nancy...
— Sim, foi enforcado agora... — disse o barman, que estava perto. — Não ouviu um tiro?
— Não...
— Foi disparado pelo xerife. Era o aviso de que tudo estava acabado. Agora pode recomeçar a sua vida, John Pistol. Assim é melhor.
John Pistol passou a mão pela testa, num gesto de cansaço.
— Sim... — repetiu. — Assim é melhor...
 
 
 
 
FIM
 

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