quarta-feira, 25 de julho de 2018

BUF150.04 Propostas aliciantes

Sheila murmurou, dengosamente:
— És um homem excecional!
— Não sejas mentirosa, boneca. Dizes-me a mim o mesmo que dizes aos outros.
Ela olhou-o pesarosa.
— Estás convencido que os amei como a ti? Tu és o único que me tens feito vibrar!
— Queres referir-te ao bofetão?
 A jovem abraçou-o apaixonadamente.
— Refiro-me apenas a ti.
— Se é assim… — disse Bill, tranquilamente —, não digas vulgaridades... isso é o mesmo que me dizem todas as outras, que não há no mundo outro como eu! Diabo de mania! Entreolharam-se, sorridentes.
— Parece que começo a conhecer-te, Bill. Levas tudo para a brincadeira.
— Estás a fazer progressos.
— Em compensação, portas-te com a maior hombridade!
Ele sorriu-se ligeiramente.
—Porque dizes isso?
— Porque sei que esta manhã desarmaste O'Dwyer e esta noite puseste fora de combate três dos meus homens, ante os meus próprios olhos. Isto não é fazer pouco, William.
— Achas que não?
— Claro que não. É arriscar a vida e, segundo parece, um pouco levianamente. Porquê?
— Eu já te disse que, mais dia, menos dia, vou direitinho para o céu. Nada tenho que perder.
— Não me puxes pelo cabelo, William.
«Pícaro» afagou as esplêndidas tranças doiradas de Sheila.
— Ainda que o quisesse fazer, levaria anos antes que pudesse tirar-to todo. Deus do céu! Nunca na minha vida contemplei cabeleira mais farta, nem mais esplendorosa. Um raio de sol veio doirar o tapete do aposento.
— Já é de dia — exclamou «Pícaro». — Como o tempo voa quando a felicidade nos cerca! Bem. Tenho de me ir embora. O pobre Luciano deve estar meio-tonto de sono, sentado nos degraus do alpendre à minha espera.
Sheila Dorrit olhou-o, estupefacta.
—E certo que vais deixar-me... agora?
— Ver-nos-emos noutra hora, minha pomba. Tenho hoje, precisamente, um dia ocupadíssimo.
— Que tens tu que fazer?
— Gosto muito de Dodge City e necessito de conseguir um emprego nalgum rancho dos arredores. Sheila contemplou-o com meiguice.
— É absolutamente forçoso que trabalhes num rancho?
— E preciso viver!
— Tu és um rapaz com muitas aptidões, Bill. E entre elas sabes manejar as armas como ninguém. As armas e os punhos. Tenho necessidade de um homem como tu a meu lado.
— Muito bem — disse Bill, espreguiçando-se. Depois acrescentou: — Farei a diligência por encontrar o homem que desejas e assim que o descubra...
— Mas tens de ser tu mesmo, Bill. Bill arqueou as sobrancelhas.
— Então não tens ao teu serviço alguns pistoleiros expressamente contratados?
— É verdade, mas tu encarregaste-te de me demonstrar, ontem, que pouco valem.
— Não deves confundir a destreza com a sorte. Eu apenas tive muita sorte.
— Mais um motivo para te reter junto de mim. Encanta-me a ideia de que és um homem com esses predicados.
Bill deu alguns passos pelo aposento e olhou para Sheila pelo o canto do olho.
— Diz-me cá, minha pomba... de que natureza seria o meu trabalho?
A jovem sentiu-se mais animada.
— Tu verás, Bill. Tenho cá uns certos projetos, sabes? E tu poderias ajudar-me a...
— Que espécie de projetos?
A jovem sorriu-se ligeiramente.
— Não sejas tão precipitado, querido. Por enquanto... apenas me interessam a mim.
«Pícaro» levantou-se. -- Essa resposta resolve toda a questão — declarou ele com a maior franqueza —; quando entenderes que chegou o momento de mo dizeres ...avisa-me.
— Bill!
«Pícaro» pegou no chapéu e abriu a porta.
— Até à vista, flor...
Sheila perguntou, ansiosa:
— Onde poderei encontrar-te?
— Na residência do «marshal» ou na de «Doc» Bellamy.
E fechou a porta, deixando a jovem completamente desconcertada.
— Parece que chego a tempo! — exclamou alegremente.
Sentados em redor da mesa, prestes a tomar o pequeno almoço, encontravam-se Luciano, «Goody» Seam, «Doc» Bellamy e Chuck Cumberlan.
— Que tal essa noite? — perguntou o «marshal».
Bill semicerrou os olhos, sonhadoramente.
— Você tinha toda a razão, Chuck. Dodge City está a abarrotar de raparigas encantadoras.
— Quando nos vamos embora, «Pícaro»? — perguntou Luciano num tom que pretendeu tornar desinteressado.
O outro olhou-o como se tivesse uma alucinação.
— Ir embora daqui? Em que mundo vives tu, Luciano?
— Desgraçadamente, neste.
— Pois neste mundo acontecem coisas maravilhosas — afirmou William Vitória, ao mesmo tempo que se apoderava de uma cadeira e se sentava entre «Goody» Seam e «Doc» Bellamy.
— Concordo plenamente com Bill — disse Cumberlan sorridente. — A propósito: quais são os vossos projetos? Tenho ideia de que vocês procuram trabalho.
«Pícaro» contemplou as vitualhas que acabaram de colocar na sua frente.
— Vamos devagar, Chuck. O que você pretende é colocar-nos ao peito uma reluzente placa e fazer-nos jurar, com a mão sobre a Bíblia, que nos comprometemos a manter a ordem custe o que custar, não é?
— Exatamente.
— Nunca — ripostou «Pícaro». — Lamento muito, mas não é possível. Não é a primeira vez que desempenho o cargo de xerife e estou convencido de que não será a última. Mas... no presente momento estão-se-me deparando, excelentes possibilidades.
— Por exemplo? — perguntou Cumberlan.
William explicou com a maior sinceridade:
— Devo confessar que ainda não sei de nada. Sei apenas que Sheila Dorrit tem uma pronunciada inclinação pela minha pessoa. Ela é que tem a palavra. Deve compreender que entre o senhor e Sheila Dorrit... não é difícil a escolha.
— Naturalmente — concordou Chuck.
Ao que parecia, a recusa de «Pícaro» não o deixara aborrecido. Parecia até que ela vinha ao encontro dos seus desejos, causando-lhe um enorme alívio. Bill engoliu o pequeno almoço com tanta rapidez como sofreguidão. Levantou-se e declarou:
— Vou retirar-me e Luciano acompanha-me. Não desejamos causar mais incómodos. Bem haja pela sua hospitalidade, «marshal».
Cumberlan sorriu-se abertamente.
— Eu é que vos agradeço por a terem aceitado.
Assim que os dois amigos viraram costas, «Goody» e «Doc» olharam intrigadíssimos para o «marshal».
— Confesso que não compreendo, Chuck — comentou a esposa.
— Ouve, meu grande casmurro — interveio «Doc». — Aquele maluco vai trabalhar para Sheila! Isso vai ser um autêntico desastre!
O rosto de Cumberlan endureceu um pouco, sem, no entonto, deixar de sorrir.
— Sim. Vai ser um desastre, mas unicamente para Sheila ...porque «Pícaro» Bill, apesar das aparências, não tem absolutamente nada de parvo.
Ao transporem a porta do «Sky-Saloon», William Vitória e Luciano verificaram que Archie Skelton, com a cabeça envolta em ligaduras e o aspeto de quem passará por uma grave crise de nervos, se embriagava o mais conscienciosamente possível.
Ao encarar com «Pícaro» gemeu melancolicamente:
— O senhor é o único culpado!
— Culpado eu?... De quê ? — inquiriu Bill.
Skelton encheu o copo pela vigésima vez.
— Ela estava a interessar-se por mim... quando o senhor apareceu... — confessou o homem com um ar de funda tristeza. E acrescentou, desalentado. — Não posso rivalizar com um homem que não receia ser crivado de balas. E espantoso! Desta maneira... hip!... Sheila nunca se salvará!
«Pícaro» encarou-o com sincera curiosidade.
— E de que há-de ela salvar-se. Corre por acaso algum perigo?
— Não corre, mas vai corrê-lo... hip!
— E não poderei evitá-lo, «mister» Skelton?
— Oh, não! Está enterrada até ao pescoço em qualquer coisa de terrível!
— Diabo! Conte-me o que se passa.
O coproprietário do «Sky-Saloon» meneou a cabeça tristemente.
— Não me é possível. Prezo-me de ser um cavalheiro. Estimo-a demasiadamente, para a comprometer.
William sentiu-se deveras impressionado, porque compreendeu que Archie era sincero. Aquilo deixou-o preocupado. Tomou lugar na mesma mesa, no que foi imitado por Luciano, e apoderou-se da garrafa de uísque bebendo diretamente pelo gargalo. Passou-a em seguida a Luciano que ingeriu uma quantidade incrível, sem pestanejar.
— Bem. Não é indispensável que me ponha ao corrente de tudo quanto sabe — explicar Bill. — Espero que não me guarde rancor pelo par de murros de ontem à noite, «mister» Skelton. Mas o diabo tece-as... Sheila estava de tal maneira provocante que eu ter-me-ia batido com meio mundo só para ter o prazer de dançar com ela. Aliás, foi isso mesmo que eu fiz. Não foi só o senhor quem apanhou!
— Ah, sim! Os pistoleiros de Sheila também apanharam por tabela.
William Vitória esbugalhou os olhos.
— Quer dizer que os homens que me atacaram estão ao serviço de Sheila?
— Não devo ir mais longe — insistiu Skelton. — Se se interessa tanto saber a sua situação... pergunte a quem o possa informar.
Bill respirou fundo.
— Sheila tem aspeto de rapariga ingénua... mas parece que o não é. Não é isto?
— Podia sê-lo, na realidade! — exclamou o outro com entusiasmo. — Mas anda completamente cega e... Acho que já estou a falar de mais. Passe-me a garrafa, por favor. Preciso muito de... esquecer.
— Esquecer ? — murmurou William.
Skelton encheu o copo e emborcou-o de uma vez, passando a língua pelos lábios sem grande satisfação.
— Fui eu o único, em Dodge City, que assinou um contrato com ela... «sabendo o seu...» Interrompeu-se. Repentinamente, olhando cheio de raiva para «Pícaro», desferiu um formidável murro sobre a mesa. — Maldito! — rugiu.
— Deixe-se de fantasias.
William levantou-se e dirigiu-se para o balcão acompanhado do seu amigo.
— Dois copos de «tequila» — disse ele, dirigindo-se ao empregado.
Enquanto esperava que o servissem, apoiou uma mão no ombro de Luciano.
— Amigo Luciano... temos de nos separar.
— Falas a sério, Bill?
— Digo que... enquanto me ocupo de um certo trabalho... tu vais desempenhar-te de outro. Compreendes?
— Nada.
— Perfeitamente — anuiu Bill, sem se impressionar.
E baixando o tom de voz, acrescentou:
— Agora vê se consegues compreender-me. Procura o doutor Bellamy e convence-o de que nos zangámos por qualquer motivo e que chegamos a vias de facto. Dir-lhe-ás mais que, quando isto acontece...
— Mas se nós nunca nos zangamos, «Pícaro»!
— Nem nos zangaremos em toda a vida. O que é necessário é que o «marshal» e «Bellamy» engulam a isca. Deves procurar convencê-los de que te encontras ressentido porque eu preferi ficar junto de Sheila Dorrit e passar a viver como um pistoleiro contratado, em vez de continuar a querer ser livre como o vento. Seguidamente, e com o maior cuidado, vê se consegues averiguar a vida passada de Sheila Dorrit, ou seja tudo quanto Archie Skelton sabe. Pouco faltou para que mo dissesse, mas os seus escrúpulos e a paixão que sente por Sheila, impediram-no de o fazer.
Luciano levou o copo de «tequila» à boca.
— Admitamos que consigo averiguar o passado de Sheila. Que faço depois?
— Vens explicar-me tudo, tintim por tintim. Só dessa forma saberei com o que posso contar. Eu disse a Cumberlan que Sheila estava perdida de amores por mim... mas não é verdade. Tem tanta paixão por mim como um criminoso pode ter por um policia. Um ingénuo ou um vaidoso poderia convencer-se disso. Eu não. Conheço demasiado as reações de uma mulher para saber quando é sincera e quando o não é.
«Colosso» franziu a testa.
— E esta noite...,— insinuou. --Esta noite, sob o aspeto sentimental, tanto se lhe dava estar comigo como com um cavalo. Compreendes? Fez todos os possíveis para me seduzir e está plenamente convencida de que o conseguiu. Há qualquer coisa de misterioso na conduta de Sheila Dorrit. Pressinto-o.
— Vais trabalhar às suas ordens.
— Na hora em que o deseje.
— Farás isso?
«Pícaro» sorriu-se ligeiramente.
— Hoje mesmo.
— Pareces muito entusiasmado, Bill.
— Ouve, querido Luciano: ela não está convencida de que eu aceite. Antes de me despedir dela esta manhã, informei-a de que era muito amigo de Cumberlan e de Bellamy. É claro que isto a deixou mergulhada num mar de dúvidas. A esta hora já a cabeça dela deu mais voltas do que a roda de uma diligência perseguida pelos Judos. De um momento para o outro sentirá uma irreprimível necessidade de saber. Para saber... será forçada a falar. E eu limitar-me-ei a ouvir. Percebes «Colosso»? Começo agora a achar muito suspeita a maneira com que Cumberlan aceitou a minha recusa do cargo de seu ajudante...
— E quando ela tiver dito tudo aquilo que interessa, que pensas fazer?
— Mostrar-me revoltado contra ti e contra Cumberlan pela vossa incompreensão. Convencê-la-ei de que estou na disposição de beijar o terreno que ela pise, mas que sou demasiadamente orgulhoso para o confessar. Ela deitar-me-á, então, os braços ao pesco, o que nada me desagradará porque todo o seu corpo é um verdadeiro paraíso, e perguntar-me-á se estou disposto a ficar na sua companhia. Eu faço-me um quase nada esquivo, ela insistirá com a maior meiguice... e eu acabarei por transigir.
Luciano sorriu-se e comentou:
— Uma maneira agradável de transigir.
-- Não é verdade?
No mesmo instante, Sheila surgiu no patamar do primeiro andar. «Pícaro» deu um empurrão em Luciano, exclamando em ar de desgosto:
— Estou farto dos teus sermões até aos olhos! Faço aquilo que muito bem quero e não tenho que dar satisfações a ninguém. Entendido? Tanto me importa que tu e o «marshal» estejam de acordo como não.
Luciano compreendeu que havia chegado o momento da retirada... e dispôs-se a colaborar na comédia.
— Mas ouve, Bill! Tens de reconsiderar! Tens sido até agora um homem livre e feliz. Se caíres na asneira de te ligares a essa mulher acabarás por ser um qualquer «joão-ninguém»!
Archie Skelton, sentado junto de uma mesa, riu convulsivamente da ironia de Luciano.
— O seu amigo... hip!... tem muito ra... zão!... hip!...
«Pícaro» voltou-se e olhou-o, furioso.
— O senhor, ou se cala, ou ponho-o na rua a pontapé!
— A loira deu-te volta ao miolo, William — explodiu Luciano.
Bill voltou-se para o seu amigo.
— Para já... quem vai parar ao meio da rua, és tu!
E agarrando-o pelo pescoço, ergueu-o no ar, levou-o até à porta e deixou-o do lado de fora dos batentes de vaivém. Rodou sobre os calcanhares esfregando as mãos e declarou em voz forte:
— Acabaram-se os obstáculos.
Exteriorizou a sua surpresa misturada de aborrecimento, quando, do alto da escada, Sheila o interpelou:
— Parece-me que não é esta a melhor maneira de tratar os amigos íntimos.
— Estavas aí à escuta? — perguntou «Pícaro», irritado.
— Eu não estava propositadamente à escuta. Tu é que berras como um nadado — replicou Sheila, descendo a escada.
Deteve-se um momento ante o desconsolado Archie.
— Que se passa consigo, Archie? Está com dor de cabeça?
Skelton olhou-a, emocionado.
— Oiça, Sheila... hip!... não deve aliar-se com um rufião... hip!...
Sheila Dorrit «pendurou-se» familiarmente no braço de William.
— Não... não é um rufião, «mister» Skelton. Trata-se do novo gerente e administrador do «Ski-Saloon».
«Pícaro» olhou para ela com sobranceria.
— Eu ainda não decidi coisa alguma, Sheila.
Skelton estremeceu na cadeira.
— Peço-te... que... reconsideres... hip!... Não lhe dês... importân... cia... hip!...
Indiferente à súplica do seu sócio e sorrindo-se para o carrancudo William, Sheila ciciou:
— Porque não vamos para o meu gabinete... a ver se acabas ou não por decidir-te?
«Pícaro» deixou-se convencer, dando mostras de contrariado. Uma vez dentro do aposento e depois de a porta ter sido cuidadosamente fechada, Sheila abraçou-me apaixonadamente a ele.
— Eu tinha a certeza que voltarias.
Bill olhou-a com ar de zangado.
—Deixa-te de imposturices! Que é que tu queres? É estares a dizer-me a toda a hora que não posso passar sem ti? Pois bem! Ganhaste! Não posso, na verdade, passar sem ti, mas... prefiro rebentar do que aceitar um único dólar, desde que não saiba quais são, exatamente, as minhas atividades.
— Senta-te, Precisamos de ter uma longa conversa.
Decorrida meia hora, William Vitória verificava, intimamente assombrado, que Sheila Dorrit se propusera assenhorear-se de Dodge City, com uma precisão matemática. Quando acabou de lhe expor os seus projetos, ela perguntou:
— Que me dizes a isto?
«Pícaro» cerrou suavemente as pálpebras. «Eu saberei colocar-te no lugar que mereces.» Sheila Dorrit reprimiu um sorriso de triunfo («Pícaro» Bill... também).

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