sábado, 28 de julho de 2018

BUF150.07 As ideias de «Pícaro» Bill

Sheila e «Pícaro» olharam com curiosidade para o recém-chegado.
Iver Clark atravessou rapidamente o aposento e, com o rosto congestionado, apoiando as mãos na secretária e olhando enraivecido para Sheila, explodiu:
— Taylor Adams acaba de prescindir dos meus serviços! Sabe o que isto significa, «miss» Sheila? Que o seu domínio em Dodge City acabou neste momento.
A jovem sorriu-se levemente.
— Vê se te acalmas, Iver. Não estou ainda vencida.
Clark olhou-a apaixonadamente.
— Sheila, deixemos esta cidade maldita. Saiamos daqui com tudo quanto tenha conseguido obter. Eu amo-a. Poderemos ser felizes em qualquer outra parte.
«Pícaro» soltou uma ligeira gargalhada.
— Com um milhão de dólares — comentou, chocarreiro — o amigo Clark acha-se com aptidão para te adorar até aos limites mais inconcebíveis da devoção amorosa. Sinto-me comovido ao contemplar tão elegante «galã». Anda, menina, diz-lhe que sim... e verás como, na primeira oportunidade, este Romeu de cartucheira te torce o pescoço e se fica a rir com a massaroca.
Iver dirigiu os olhos, para «Pícaro».
— Não passas de um homem odioso! — rugiu.
— Sou apenas sincero.
— Eu amo Sheila, verdadeiramente!
— E eu devo dizer-te que a mim me sucede o mesmo.
Iver Clark tornou-se arrogante.
— Não estou disposto a cedê-la a ninguém.
— Sou exatamente da mesma opinião — replicou «Pícaro» com um sorriso gelado.
— Nesse caso... — disse Clark, ameaçador...
— Nesse caso... — interveio «Pícaro» — ... diz a Sheila que te entregue o dinheiro e desaparece. Ela e só ela é que me interessa.
O outro encarou-o perplexo.
— Estás a falar a sério?
«Pícaro» encolheu os ombros.
— Certamente que falo.
Nas pupilas de Iver brilhou um relâmpago, misto de indecisão e de cobiça.
— Um momento! — exclamou Sheila. — Eu não desejo de forma alguma desfazer-me do meu dinheiro.
«Pícaro» olhou-a com ternura.
— Pedi-te, porventura, em qualquer ocasião, um simples cêntimo que fosse?
Sheila, respondeu, surpreendida.
— Nunca... — acabou ela por dizer.
— Ouve, Sheila — prosseguiu «Pícaro». — Disse-to já uma vez e vou repeti-lo agora: «Eu criarei uma vida nova para ti». Acredita. Não é necessário um milhão de dólares para conquistar a felicidade.
Iver Clark, sorrindo com desdém, exclamou:
— O homem está pateta! Não está a ver a coisa, Sheila ? Venha na minha companhia! Fujamos desta cidade nojenta...
Ela olhou friamente para o «gun-man».
— Com o meu dinheiro... não é ?
Iver deu uma palmada no tampo da mesa.
— Iniciaríamos a vida em qualquer outra parte. Sheila Dorrit mordiscou o lábio inferior. «Pícaro» murmurou:
— Eu sei onde poderás empregar o teu milhão e viver tranquila o resto dos teus dias, Sheila...
Clark olhou-o, furioso, dizendo, com o dedo indicador apontado para ele:
— Tens de decidir entre os dois. Ou ele... ou eu!
A jovem encrespou ligeiramente as sobrancelhas voltou-se para «Pícaro».
— Disseste que sabes onde posso empregar o meu milhão... para obter fartos lucros?
Bill fez um gesto afirmativo.
— Os melhores benefícios que terás, porventura, colhido em toda a tua vida.
— Sem necessidade de correr qualquer risco... de lançar mão de recursos condenáveis... de andar metida em sarilhos e de contratar pistoleiros?
— Exatissimamente, Sheila.
A jovem voltou a mordiscar os lábios. Depois, suspirando profundamente, declarou:
— Decido-me por Bill! — Olhou com certa frieza para Iver e acrescentou: —Devolvo-te o que te pertence e...
Iver Clark recuou alguns passos, com o rosto congestionado pela raiva.
— Nunca! Comigo é que tu hás-de vir!
Sacou rapidamente os revólveres, engatilhou-os e apontou-os na direção de «Pícaro», precisamente no momento em que este disparava as suas armas. Duas rosetas encarnadas macularam a alva camisa de Iver Clerk, enquanto os seus «45» lhe escorregavam das mãos ante a atemorizada Sheila Norrit, ao mesmo tempo que estendia os braços para ela e caía para trás batendo com a cabeça na mesa e ficando estatelado no tapete do aposento.
*
Chuck Cumberlan e Luciano, postados no centro da rua, ouviram, claramente, as duas detonações.
— Sheila Dorrit acaba de perder o seu último pistoleiro — murmurou Cumberlan.
Luciano acenou afirmativamente.
— Ámen!
Chuck franziu o sobrolho.
— Agora, falta apenas satisfazer a terceira condição do seu amigo. Não vejo nisso qualquer inconveniente. Sheila Norrit não voltará para a prisão.
Naquele momento preciso, abriram-se os batentes do «saloon» e William Vitória depositou o cadáver no meio da rua.
— Tarefa para o coveiro! — gritou.
Antes de regressar ao estabelecimento sorriu-se abertamente para os homens que o contemplavam no passeio oposto. Ambos eles tinham seguido Iver Clerk, quando este fora dispensado das suas funções de secretário do juiz.
*
«Pícaro» Bill demorou uma semana a recolher os elementos necessários para convencer Sheila de que o futuro caminho de ferro, entre Besbee e Kansas City, enriqueceria rapidamente os primeiros acionistas.
— Estás a compreender, minha pomba? — dizia «Pícaro» sorrindo. — O teu milhão de dólares estará duplicado ou até mesmo triplicado, em menos de cinco anos.
Sheila, pelo seu lado, consultou os peritos do Banco Financiador de Gados de Dodge. Todos eles eram de opinião que o caminho de ferro constituiria uma fortuna para aqueles que o financiassem. Assim que acabou de convencer-se de que «Pícaro» estava dentro da razão, Sheila afirmou:
— Bem, querido, rendo-me aos teus argumentos. Todos garantiram que é um belo negócio.
— Eu não to dizia?...
— A propósito — perguntou Sheila. — Que formalidades serão necessárias ?
«Pícaro» encolheu os ombros.
— Não há nada mais simples, querida. Envia-se um requerimento ao governador do Estado de Kansas e espera-se pela resposta. Se esta for favorável, remete-se o dinheiro e o Governo mandará, oportunamente, as respetivas ações.
Sheila soltou uma risada muito alegre.
— Então porque esperamos nós para enviar o requerimento?
Abriu uma das gavetas, pegou numa folha de papel e colocou-a cuidadosamente sobre a pasta de cabedal.
Pegou numa pena de pato, molhou-a no tinteiro e começou a escrever. «Pícaro» enrolou um cigarro e embeveceu-se na contemplação de uma pintura que adornava o gabinete. Decorridos alguns segundos, Sheila voltou-se, pesarosa:
— Não sei como devo redigir o requerimento.
Solícito e enternecido, Bill deu volta à mesa, aproximou-se da jovem e espreitou por cima do ombro, soltando imediatamente uma exclamação de desgosto.
— Porque é esse espanto ? — perguntou Sheila. — Que é que eu aqui fiz mal?
— Bendito seja Deus! — exclamou Bill. — Que letra! E que maneira de expor as tuas pretensões! Isto não é forma de se dirigir ao governador de um Estado, querida.
Ela olhou-o, na expectativa.
— Sabes fazê-lo melhor do que eu?
— Estou convencido disso.
Sheila levantou-se e entregou-lhe a pena de pato.
— Então redige-o tu e depois me lerás o que escreveres. E eu assino.
«Pícaro» acomodou-se na cadeira e começou a escrever vagarosamente. Alguém batia à porta naquele instante.
— Entre — exclamou Sheila. Um dos criados meteu a cabeça pela abertura da porta e anunciou:
— O «marshal» Cumberlan, o juiz Adams e o xerife, desejam falar-lhe, «miss» Dorrit.
«Pícaro» poisou a pena, olhou para Sheila e levantou-se, sorrindo.
— Não te preocupes com coisa alguma, querida. Eu me encarregarei de os atender. Alegarei que estás com dor de cabeça e ponho-os no meio da rua...
O criado entrou no aposento e fechou a porta atrás de si, olhando inquieto para William.
— Eles vêm cumprir outra missão! — exclamou. — Trazem um mandado de captura contra si.
«Pícaro» encarou-o, atónito.
— Contra mim? Essa agora! Então vamos lá a divertir-nos! — disse ele levantando-se e afagando as coronhas das suas pistolas.
Sheila atravessou-se-lhe na frente.
— Um momento, Bill. Eles não sabem que estás aqui. Deixa que eles falem comigo primeiro e depois virei pôr-te ao corrente da situação.
«Pícaro» sorriu-se abertamente.
— Escuta, pequena; lembra-te de que nem esse paz--de-alma de Cumberlan, nem esse projeto de gente que é Luciano, nem esse jarreta do juiz, são capazes...
— Eu sei — interveio ela. — Mas, por favor, presta--me atenção. Nada te custa!
Bill deu um suspiro e voltou a sentar-se à mesa.
—Pois seja. Continuarei escrevendo. Mas... se vêm cá por minha causa... recebê-los-ei a tiro.
Sheila olhou para o criado.
— Diz-lhes que não tardo mesmo nada.
O empregado retirou-se. Sheila demorou-se algum tempo diante do espelho a fim de dar uns retoques ao penteado, à maquilhagem e ao vestido e saiu do escritório. Com a maior presença de espírito, sorriu-se para os três homens.
— Muito bons dias! Desejam falar-me?
O juiz Adam acenou afirmativamente.
— Sim. Vimos fazer uni inquérito à sua fortuna, «miss» Dorrit. O «marshal» Cumberlan está convencido de que ela é proveniente de... como dizer... de delitos passados, cometidos por um tal Burke Sontag.
Sheila sorriu-se, desdenhosa.
— Isso é completamente absurdo.
— Seguramente — admitiu o juiz —; mas perante a denúncia do «marshal», vejo-me compelido a cumprir o meu dever.
— Quer dizer que vão apossar-se do meu dinheiro?
— Para já, isso não é possível, «miss» Dorrit — esclareceu o juiz. — Mas se chegar a provar-se que esse dinheiro fazia parte das rapinas de Burke Sontag, receio que venha a ver-se metida em apertos.
Foi a vez de Cumberlan usar da palavra.
— E como não quero que volte às suas atividades aventureiras, com o apoio de tipos que manejam as armas, sou portador de uma ordem de prisão contra «Pícaro» Bill.
— E em que se baseia para isso?
— No assassínio de Iver Clerk, «miss» Dorrit.
—Posso garantir-lhe que agiu em legítima defesa! Presenteei tudo o que se passou!
Cumberlan sorriu-se ligeiramente.
—É de admitir que o seu testemunho seja extremamente útil para «Pícaro» no dia em que se realize o julgamento. Entretanto... queira informar-me do local onde poderei encontrá-lo.
Sheila passou a língua pelos lábios.
— Ele saiu esta manhã de Dodge — respondeu.
—E quando regressará?
— Talvez dentro de um mês, aproximadamente.
Cumberlan olhou para o juiz.
— Gostaria que «miss» Dorrit me acompanhasse ao comissariado. O juiz encrespou as sobrancelhas.
— Aconselho-te a que tenhas o maior cuidado. Se as tuas investigações não derem resultado, «mias» Dorrit pode meter-te em apertos. Sei que a proveniência do seu capital é ilícita.
Taylor Adams esclareceu:
— Por muito ilícita que seja, se ela o empregou em empresas patrocinada pelo Estado, não só não recuperarás um único cêntimo, como também não poderás metê-la na cadeia. Isso só seria possível, no caso de ela o ter empregado em negócios de ordem particular como tem vindo a fazer até agora.
Sheila olhou de cara a cara para Cumberlan.
— Porque é que o senhor me persegue, em vez de me deixar em paz?
— «Miss» Dorrit foi um dia à minha repartição — declarou Cumberlan, vagarosamente -- e fez-me uma singular advertência. Alardeando a maior audácia pôs-me ao corrente das suas intenções e deu-me claramente a entender que estava disposta a subornar-me.
— É mentira!
Cumberlan encarou-a vagamente.
— Sabe perfeitamente que não. E as minhas intenções são estas: demolir por completo as suas inconfessáveis ambições.
— Preciso de refletir! — exclamou ela, sentindo-se bloqueada.
— Concedo-lhe uma hora para o fazer — replicou Cumberlan. — Se, decorrido este tempo, não comparecer na minha repartição, virei aqui para a levar.
Sheila humedeceu os lábios, resignada.
— Está bem.
Os três homens cumprimentaram e retiraram-se. Sheila pôde ouvir perfeitamente o que «marshal» disse a Luciano:
— Sei que o facto será muito desagradável para si, xerife; mas se tropeçar com «Pícaro»... deverá prendê-lo sem hesitações. Entendido? ?
«Colosso» replicou formalmente:
— O cumprimento do dever sobreleva todas as amizades, senhor...
Apenas voltaram as costas, Sheila apressou-se a correr para o escritório, entrou, fechou a porta à chave e, ante o assombro de William, correu as cortinas da janelas de modo que ninguém pudesse vê-los do exterior.
—Para que é isso, rapariga? Que diabo...
— Cala a boca! Andam à tua procura e querem arruinar-me a todo o custo!
Subitamente, porém, soltou uma gargalhada.
— Mas, sem que eles o suspeitem, tu já arranjaste a solução para o caso, Bill. Aplicando o meu capital numa empresa patrocinada pelo Estado, de nada me poderão espoliar! Absolutamente de nada!
— Tens a certeza? Não haverá outro meio?
Sheila voltou a rir-se.
—Entregar a minha fortuna à beneficência... Não sou assim tão néscia. –
- Está provado que não.
O jovem aproximou-se.
— Já acabaste de escrever?
«Pícaro» estendeu-lhe o papel. A rapariga leu:
Excelentíssimo Senhor Governador do Estado de Kansas: Aproveitando a oportunidade para lhe apresentar os cumprimentos da minha maior consideração, permito-me, com a presente petição, fazer a oferta de um milhão de dólares para tornar parte como acionista na Sociedade dos Caminhos de Ferro, cujo traçado ligará a Capital do Estado, com a povoação de Besbee. No caso de a minha oferta ser aceite, rogo a V. Ex.°, se digne enviar-me uma resposta, acompanhada das necessárias instruções.
Sheila deu um profundo suspiro de alívio.
— Dá-me daí a pena, Bill. Falta a minha assinatura. Vê se arranjas maneira de sair da cidade, de forma que esta mensagem chegue o mais rapidamente possível ao seu destino.
— Vou já tratar de resolver o assunto, Sheila...
No momento em que entregava a pena à rapariga, William fê-lo tão desastradamente que derrubou o tinteiro, esborratando o documento por completo.
— Raio de vida! — exclamou Sheila.
— Sheila! — disse «Pícaro» em ar de censura. — Essas expressões não ficam bem numa boca tão bonita. E além disso não fiz aquilo por querer...
— Compreendo, Bill! Mas não podemos perder tempo. Se me demoro o «marshal» virá aqui buscar-me. Foi o que ele me afirmou.
— Posso impedi-lo, se quiser.
— Isso não resolveria coisa nenhuma — replicou a rapariga, fazendo um trejeito de Impaciência. — Ele apresentou queixa judicial contra mim e tem os fundamentos necessários para me meter em trabalhos. É indispensável agir com rapidez, querido.
William Vitória concordou.
— Muito bem, bonequinha. Voltarei a redigir o documento e...
Sheila pegou numa folha de papel em branco, firmou-a com a sua assinatura e devolveu-a a William.
— Trata disso a preceito. Confio plenamente em ti, querido.
— Tranquiliza-te, Sheila.
A jovem saiu apressadamente, enquanto um singular sorriso iluminava o semblante de «Pícaro» logo que acabou de fechar a porta.
— Bem! — murmurou Bill. — Mãos à obra! E começou a sua tarefa:
Excelentíssimo Senhor Governador do Estado de Kansas:
O meu nome é Sheila Dorrit e resido atualmente em Dodge City. Em tempos idos fui a companheira do tristemente célebre bandido Burke Sontag, amizade essa que paguei com cinco anos de prisão. Tenho em meu poder o pecúlio de Sontag e tomei a decisão de o devolver àqueles que dele foram espoliados pelas suas pilhagens, ou, no caso de ser impossível identificá-los, entendo que o mais razoável será entregar a quantia de um milhão de dólares, que a tanto montam as rapinas do meu referido amigo, a todas as fundações e instituições de beneficência a cargo do Estado.
Rogo a V. Ex." se digne dar-me uma resposta telegráfica, na hipótese de a minha oferta ser aceite, sem aludir ao fim a que se destina, visto que tendo iniciado uma nova vida em Dodge City, não quero que, seja quem for, possa suspeitar sequer que Sheila Dorrit, antiga companheira das façanhas de Burke Sontag, é uma simples aventureira arrependida. Ficando a aguardar as prezadas ordem de V. Ex., subscreve-se com as melhores homenagens,
Sheila Dorrit
Apenas concluída a carta, Bill releu-a satisfeito, meteu-a dentro de um sobrescrito e foi levá-la com toda a tranquilidade à estação do correio. Luciano aguardava-o à saída. Bill sorriu-se alegremente,
— Ela ainda se encontra no comissariado ? — perguntou ele, enquanto se despojava da cartucheira com os revólveres e a entregava a «Colosso».
— Sim — explicou Luciano. — Está assustadíssima.
— Ótimo — disse «Pícaro» levantando as mãos como um prisioneiro que acaba de render-se e caminhando adiante do seu minúsculo companheiro que o alvejava com um «Colt».
E acrescentou, sorridente:
— Pouco falta já para que Sheila abra os olhos às realidades.
Quando a jovem viu entrar Bill sob «prisão», esbugalhou os olhos, apercebendo-se de que todos os seus ambiciosos sonhos se volatilizavam.
— Bill!— gemeu a jovem.
William piscou-lhe intencionalmente um olho.
— Não estejas preocupada, flor. O cestinho de ginjas já vai a caminho de tua mãe.
Cumberlan olhou-o com ar torvo.
— Não esteja a dar-se ares de engraçado. Ginjas é coisa que não se cria por aqui.
— Ah, não? — exclamou «Pícaro». — Então foram maçãs o que eu enviei.
Sheila humedeceu os lábios vermelhos e carnudos e sem ligar importância ao «marshal» nem ao xerife, perguntou — Queres dizer que o dinheiro está completamente a salvo?
— Exatamente — replicou Bill, sorrindo. — Por sorte, este ingrato do Luciano só me deteve, quando a «coisa» já estava arranjada!
Sheila olhou com ar de triunfo para Chuck Cumberlan.
— Pode continuar o interrogatório quando desejar, «marshal».
Chuck suavizou a expressão.
— Parece-me que chegou a vez de «Pícaro ser interrogado.
Bill olhou ternamente para a jovem.
— Não deves preocupar-te, querida. Este senhor impassível que parece encarnar a Lei, não conseguirá arrancar-me uma simples palavra.
Plena de satisfação, a rapariga olhou para Chuck.
— Posso retirar-me «marshal»?
— Quando quiser, «miss» Dorrit; mas... que não lhe passe pela cabeça abandonar Dodge sem me avisar com antecedência. Não se esqueça que é uma das testemunhas presenciais no julgamento de «Pícaro», que deve realizar-se de aqui a dois dias por morte de Iver Clark.
Mal a jovem tinha transposto a porta, Cumberlan olhou interrogativamente para William. Este sorriu-se abertamente.
—Ficou literalmente «depenada». O Estado de Kansas vai beneficiar da dádiva de um milhão de dólares em favor do seu progresso.
— Os meus cumprimentos, Bill — murmurou Cumberlan.
— Não me agradeça. O senhor teria resolvido este assunto muito melhor do que eu.
— Não, «Pícaro». A placa que ostento impede-me de ser justo em muitas ocasiões. A legalidade é uma coisa muito diferente da justiça e, muitas das vezes, constitui até um obstáculo. O senhor conseguiu resolver tudo com tanta habilidade como coragem. Você é um dos homens mais extraordinários que tenho conhecido.
Bill sorriu-se ligeiramente.
—Quem? Eu? Oh, não, «marshal»! Eu não passo de... um como tantos outros. Enquanto Deus quiser... e Luciano o permitir, continuarei a girar de um lado para o outro, a perder a cabeça com as mulheres bonitas e a salvar a pele como me seja possível. Até que venha um dia que...
Cumberland levantou-se e apertou-lhe a mão.
— Esse dia nunca chegará para você, Bill. Os homens da sua têmpera são indispensáveis à nossa incipiente civilização. Um dia, quando nem você, nem eu, nem Luciano, nem nenhum dos que choram agora ou riem em Dodge City, formos já deste mundo, este país ter-se-á transformado numa grande nação. E isso ficará a dever-se, segundo a minha opinião, a homens da sua têmpera.
Os olhos de «Pícaro» Bill inundaram-se de melancolia.
— Não pense mais nisso, «marshal». Disse-lhe já que não passo de... um como tantos outros. — E mudando de tom, acrescentou: — A propósito... que há acerca de Arckie Skelton?
— Segundo «Doc» me informou, tem melhorado bastante.
— Temos de ir fazer-lhe uma visita... antes de partirmos de Dodge, não achas bem Luciano?

VIII
PROMESSA CUMPRIDA
Uma semana depois, Sheila radiante de júbilo, cruzava-se com Cumberlan na rua principal de Dodge City.
— Muito bons dias, «marshal». O seu ajudante continua a perseguir ainda «Pícaro» Bill? Confesso que não compreendo como foi possível ele evadir-se da prisão!
Chuck replicou vagamente:
— Espero que tudo fique esclarecido dentro em breve.
—E eu não o desejo menos, «marshal». Sobretudo... as suas investigações acerca da origem da minha fortuna.
E voltando as costas a Chuck, entrou no Banco Financiador de Gados de Dodge City. Sheila sorria, radiosa, quando foi recebida pelo diretor que exibia na mão um telegrama oficial.
Entregue quantia oferecida ao Banco Financiador de Gado de Dodge City. Stop. Oferta aceite. Stop. Segue carta de agradecimento e minha mais alta admiração. Stop.
Assinado: Cleveland Mounro, Governador Estado Kansas.
O diretor do Banco, amável e sorridente, manifestou a sua aprovação.
— Acabo de receber também um telegrama do governador, «miss» Dorrit. Resta apenas assinar os documentos de transferência do milhão de dólares e fica tudo arrumado definitivamente.
Sheila assinou e encaminhou-se para a saída, dizendo ao diretor:
—Nunca me tinha sentido tão feliz como neste momento!
— Quero crê-lo, minha senhora... — aquiesceu o homem sem deixar de sorrir.
A carta que Sheila recebeu quatro dias depois, provocou-lhe uma terrível crise de nervos. Os empregados do «Sky-Saloon» requisitaram os serviços de «Doc» Bellamy para a fazer voltar a si do desmaio. O médico pôde tomar conhecimento do teor da carta do governador do Estado, escrita nos seguintes termos:
Minha filha: sinto-me profundamente comovido pelo nobre renascimento do seu coração. Pode ficar com a certeza de que o milhão de dólares será religiosamente empregado em obras de beneficência. Apresento-lhe os meus agradecimentos em nome do Estado de Kansas e aproveito a oportunidade para lhe devolver a petição que me foi enviada. Não quero que a mínima parcela do que se relaciona com a sua tão agitada vida anterior possa chegar ao conhecimento de quem quer que seja. Seu muito afetuoso,
Cleveland Mounro.
A carta vinha efetivamente acompanhada pela exposição redigida por Bill e que Sheila tinha assinado quando o papel ainda se encontrava em branco. Bellamy, disfarçando um sorriso, obrigou Sheila a tomar um medicamento. Dai a instantes, quando a jovem estava já um pouco mais serena, disse-lhe:
— Estou convencido de que foi o melhor que podia ter-lhe sucedido, «mis» Dorrit.
— deixaram-me completamente arruinada!
— «Miss» Dorrit andava pisando um péssimo caminho. Oiça, minha filha... «Pícaro» Bill acaba de a salvar! Reconheço que... que o fez à força, mas... conseguiu-o.
Sheila apertou os punhos.
— Ainda me não dou por vencida! Ainda me resta o «Sky-Saloon» e a quantia de cinquenta mil dólares!
— Muito pouco para recuperar um milhão... que nunca mais voltará... — suspirou o médico. — Porque não encara com otimismo as realidades?
Ela encarou-o, desolada.
— Que espécie de realidades?
— Metade do «Sky-Saloon» é pertença de um homem que a adora. Archie Skelton era capaz de virar o mundo do avesso por sua causa... e a verdade, minha filha, é que precisa do amparo e do carinho de um verdadeiro amor. Lembre-se de que é uma mulher. Quase uma rapariga ainda... Sheila. Não volte a tentar contra o destino. Poderia vir a acabar a vida entre as grades de uma prisão. São tantas as coisas que a vida pode oferecer-lhe! Um marido... filhos... e uma tranquilidade que nunca conheceu até agora...
— «Pícaro» atraiçoou-me, miseravelmente!
— «Pícaro» Bill foi o melhor amigo que podia ter-lhe aparecido, minha filha.
Ela exclamou, indignada:
— Só falta dizer-me que o «marshal» foi para mim, uma espécie de irmão mais velho...
Bellamy fez um gesto de assentimento.
— Exatamente, minha querida. Mas... pondo de parte este assunto, se mo permite, acompanhá-la-ei ao altar, uma vez que, não tendo qualquer pessoa de família, se decida a aceitar Archie Skelton por esposo. Então, sim terá entrado numa grande família, Sheila. Fará parte desta cidade. Será mais um elemento útil em Dodge City; mas... um elemento desejoso de ver crescer e prosperar a cidade onde veio encontrar a felicidade... em lugar de ser a jovem ambiciosa que pretendia apoderar-se de tudo que a esta grande família pertence.
Bellamy levantou-se.
— Bem, Sheila. Pense em tudo o que acabo de dizer--lhe. Ah! Antes que me esqueça... Archie aguarda a sua presença lá em baixo. Está completamente mudado. Tem um ódio ao uísque que não imagina.
Sheila abafou um soluço. «Doc» Bellamy saiu do aposento, sorrindo-se subtilmente. Sabia que Sheila acabaria por descer.
*
— Estamos já em terras do Arizona.
— Tal qual, Luciano.
— Mas nós não perdemos nada no Arizona, Bill...
— Pois não, Luciano.
127
— Então... porque entramos no território do Arizona?
«Pícaro» Bill piscou os olhos e olhou para o seu amigo. «Colosso» suspirou profundamente.
— Estás a ganhar, Bill. Não perdemos aqui nada, está certo, mas continuamos a avançar do mesmo modo, não é ? E tudo... porque ? Porque ouviste dizer que em Phoenix existe uma mulher maravilhosa, uma tal Esteia... «não sei quê»...!
«Pícaro» sorriu-se, entusiasmado, e, esporeando o seu cavalo, declarou:
— Sim Luciano... Uma mulher maravilhosa!
F I M

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