sábado, 14 de julho de 2018

ARZ166.04 A taberna dos planos sinistros

Brown era homem de poucos escrúpulos. Nunca se conseguira provar nada contra ele, mas mais de um perdera as suas peles na taberna que possuía nos arredo-res da cidade. Vendia as peles que os caçadores lhe levavam e que ele pagava por baixo preço. Outras vezes, as peles nada lhe custavam, já que, ajudado por um pequeno grupo de indesejáveis, recuperava o dinheiro depois de embebedar o incauto vendedor.
Além dessas façanhas, que nada o abonavam, organi-zava partidas de dados ou de cartas com os «espertos» que nunca lhe faltavam. A sua taberna, no entanto, era bastante concorrida, porque constituía a única diversão de uns quantos homens que trabalhavam do nascer do dia até noite cerrada, labu-tando nas terras onde haviam fundado os seus lares.
Larry era um velho conhecido de Brown e sabia que poderia tratar com ele. Assim, algumas noites mais tarde, quando já se dava por perdida a pista dos três facínoras, o próprio Larry, aproveitando-se da escuridão, chegou até às traseiras da taberna.
Bateu, discretamente, à porta e foi-lhe franqueada a entrada por uma rapariga que usava um provocante vestido e que, pelos seus gestos e maneira de se apresenta denotava a classe a que pertencia.

— Quero falar com Brown, boneca. Diz-lhe que Larry está aqui.
—Por que não entra pela frente, como toda a gente ? — perguntou a rapariga, desdenhosa e enojada com o sujo aspecto do recém-chegado.
— Faz o que te digo e nada de perguntas.
Ela encolheu os ombros e desapareceu. Instantes depois, chegava Brown. Não reconhecendo, na penumbra reinante, a visita ,começou por resmungar:
 — Quem diabos... ?
— Sou eu, Brown. Larry Stonner.
— Larry! De onde saíste, malvado?
— Preciso de falar contigo sobre negócios.
— Para isso, estou sempre disposto... se ganhar alguma coisa. Mas, vamos beber ao êxito que tens em mente. Isto hoje está muito animado. Que me dizes da rapariga que te abriu a porta?
— Agora, não estou para namoricos... E não convém que me vejam.
— Ah! É a ti quem procuram ?
— Sim.
—E a outros dois, não é verdade?
— São meus amigos. Não tardarás a conhecê-los.
— De que se trata ?
— Dá-me um pouco dessa aguardente que guardas para os amigos — pediu Larry.
Assim que Brown satisfez o seu desejo, sentaram-se em velhos bancos e, então, depois do primeiro trago, Larry tirou da algibeira uma pepita de ouro.
— Sabes o que é isto ?
— Com mil demónios! Onde a arranjaste ?
— No arroio, junto das montanhas.
—Parece ouro.
— É ouro, homem. Afiançou-o um tipo chamado Ferguson.
— Ferguson, do povoado de Shangow? Esse mesmo.
– Hum... um sujeito demasiado falador. Não deve-rias ter confiado nele.
— Prometemos-lhe uma parte, se soubesse calar o bico.
Brown ficou pensativo.
— Parece-me que o negócio não é dos mais fáceis —disse, por fim. — Aquele território pertence aos «chero-kees».
—E precisamente por isso que estou aqui. Escuta...
E enquanto Larry Stonner explicava em que consistia o seu plano, apareceu na taberna Johnny Erikman, acom-panhado pelo pai.
— Mais tarde ou mais cedo aparecerão por aqui — murmurou Johnny. — Precisarão de provisões e não poderão passar sem beber. Brown é o único que lhes poderá valer sem os denunciar.
— Sim — admitiu Sam, sentando-se a uma mesa. —Nunca me agradou este sítio!
—Uma vez, tiveste uma discussão com Brown... Lembras-te?
— Tens boa memória, Johnny. Nessa época, não pas-savas de um garoto. Regressávamos de uma caçada, e Brown tentou embebedar-me para ficar com as peles.
Não o conseguiu e, então, lançou contra mim um par de energúmenos. Dei-lhes uma fenomenal tareia...
— Morgan não pôde fazer nada para fechar isto?
— Foi impossível provar que os tipos trabalhavam para Brown... Esses já desapareceram mas, agora, ele tem outros.
— Olá, querido! — uma das empregadas cortou a con-versa, dirigindo-se a Johnny. — Que queres tomar?
— Qualquer coisa que não tenha álcool.
— Não temos nada que não seja forte... e tu já tens idade para beber «pólvora»... Não é verdade, simpático?
— O que vocês vendem aqui é puro veneno. Por isso, serve-me o que te pedi.
— Só podemos servir bebidas alcoólicas — replicou a rapariga, já agressiva.
— Traz-me o mesmo que pediu o meu filho. Salsapar-rilha, por exemplo — disse Sam, extremamente frio.
Um tipo acercou-se deles, ao ouvir a empregada exclamar:
— Desapareçam daqui. Isto é só para homens.
O recém-chegado, bastante hercúleo, perguntou:
— Que foi, Ruby?
— Esses sujeitos estão a brincar comigo. Pedem-me salsaparrilha e eu não sei o que é isso. Já lhes disse que, aqui, só vendemos álcool.
— Ouviram, rapazes ? Se não lhes agrada, rua!
Pai e filho entreolharam-se.
— Ouça, amigo — começou Sam a dizer, com a maior calma —, será melhor que regresse ao seu lugar e não se meta onde não é chamado.
O sujeito cruzou os braços, numa atitude de provo-cação.
— Querem paródia?
Ao mesmo tempo que falava, fazia um sinal com a cabeça e não tardou que aparecesse ao seu lado um novo gorila, ainda mais corpulento que ele. Pela segunda vez, pai e filho trocaram um olhar.
— Querem sair ou preferem que os ponhamos na rua? — continuou o primeiro dos intrometidos, insolente.
— Nem uma coisa nem outra — replicou Sam, ajun-tando à guisa de aviso: — Johnny!
— Sim, pai — respondeu o jovem que, acto continuo, sem sequer olhar o tipo que tinha mais próximo, lhe dirigiu um golpe ao estômago, usando a mão à maneira de cutelo.
O inesperado ataque fez que o sujeito se inclinasse para a frente. Então, Johnny, já de pé, mandou-lhe um violen-tíssimo «directo» ao queixo, que obrigou o gorila a levan-tar os pés do chão e a ir chocar, estrepitosamente, com a mesa mais próxima, que se partiu em duas.
Sam, demonstrando que os seus quarenta e sete anos não lhe haviam diminuído o vigor, enfrentou-se com o outro e, com um par de murros bem dirigidos, atirou-o para fora da taberna.
O que tocara em sorte a Johnny levantou-se, segu-rando um banco e disposto a atirá-lo contra a cabeça do jovem. Entretanto, o que voara para fora do local entrava de novo, preparado para continuar a luta. O primeiro arrojou o banco e Johnny agachou-se, esquivando o golpe.
Sam secundou o filho e o banco bateu na cabeça do outro bandido que, de novo, foi atirado para rua. Johnny concluía a rapidíssima peleja com um portentoso «directo» que levou o inimigo a cair sobre outra mesa, destroçando-a.
Foi então que apareceu Brown, atraído pelo barulho. Da rua, voltava a entrar o bandido, cambaleando, enquanto o outro tentava levantar-se, puxando, dissimula-damente, por uma comprida e afiada faca.
— Quietos! — ordenou o taberneiro. — Que se passa aqui?
Foi Sam quem respondeu:
— Olá, Brown ...Pelo que vejo, o teu estabelecimento continua a ser o local menos recomendável da comarca.
Brown reconheceu o veterano caçador.
— Sempre a alardear a força que tens, eh? E, agora, contas com um bom discípulo.
— Orgulho-me dele, Brown.
— Bom... isso é lá contigo. Em que posso servir-te?
— Em nada... A menos que tenhas para beber algo que não seja veneno.
— Tratando-se de vocês... Eh, raparigas! Sirvam estes amigos como se fossem da casa.
Os guarda-costas de Brown começavam a recompor-se e o que puxara pela faca guardou-a de novo. Voltou a calma ao local e o taberneiro regressou às traseiras do edifício.
— São os Erikman.
Larry, que estivera a observar a cena pelo buraco da fechadura, murmurou, apreensivo:
— E o tipo de quem te falei, aquele que sabe do ouro. Ele e a índia.
— Mau assunto, amigo. —Há que afastá-lo, Brown.
— Não é assim tão fácil. O rapaz saiu ao pai.
— E um tipo sózinho. Se for atacado, quando menos esperar... É necessário, compreendes? Só ele pode re-conhecer-nos.
— Compreendo...
— Mais tarde, ocupar-nos-emos da índia.
—Humm!...
— Há que fazê-lo, Brown. Já conheces o assunto e estás ao par do meu plano; mas, enquanto esse tipo e a índia andarem à solta, será difícil sairmos do nosso esconderijo.
— Os soldados têm a vossa descrição...
— E que importa? SÓ esses dois e mais ninguém nos podem identificar.
— Está bem. Eu ocupar-me-ei do assunto. Agora, vai-te embora. Ver-nos-emos amanhã.
— De acordo... E espero que me anuncies a morte desse franganote.
— Haverá que acabar, também, com o pai. Deixando um deles vivo, o outro não descansaria enquanto não o vingasse.
— Esse é assunto teu. Não falhes.
Brown iniciou um estranho trejeito, que pretendia ser um sorriso. Sim... Não lhe desagradava a ideia de se desfazer de Sam Erikman... Não lhe perdoava o que acontecera havia alguns anos e sentia viva antipatia por ele.
*
Desde a taberna até ao rancho dos Erikman o caminho, além de longo, era normalmente, deserto. Existiam bocados óptimos para uma emboscada e a Brown não lhe foi difícil convencer os seus dois guarda-costas a tomarem desforço do que acontecera no esta-belecimento.
— Se o coronel investigar, não se preocupem. Poderei confirmar que não saíram daqui. Ainda que a luta tivesse sido presenciada por muita gente, ninguém será capaz de afiançar que vocês procuraram vingança...
Os dois tipos, armados com carabinas de longo alcance, tomaram a dianteira aos Erikman, que permaneceram na taberna durante mais algum tempo.
— Creio que deveríamos sondar Brown — dizia Johnny, naqueles instantes.
— Não falaria, filho. Conheço-o bem.
— Poderemos obrigá-lo.
— Por enquanto, não nos convém fazê-lo...
— Decorreram três dias e esses tipos não deveriam ter provisões para tanto tempo. Tenho a certeza que as vieram comprar.
— Talvez tenhas razão. Amanhã, irei ver o coronel.
— Morgan? Para quê?
— Rio abaixo, perto do território da Florida, há um armazém. É um lugar bastante frequentado, pois conver-gem nele muitos caminhos.
— Já lá estivemos várias vezes, pai.
—É possível que esses tipos se tenham dirigido lá. A Morgan, ser-lhe-á fácil dispor de alguns homens, en-quanto nós nos ocupamos de Brown.
— Boa ideia. Vamos, pai?
— Sim, filho; vamos.
Saíram ambos, alheios, por completo, ao que tramavam os dois bandidos que os haviam precedido. A noite estava clara, e pai e filho, confiantes, galopa-vam em direcção a uma morte que se afigurava quase certa.
— Encarrega-te do pai.
— Creio que é o que vem do lado direito.
— Sim. Eu tratarei do filho. Há que procurar não falhar.
Os Erikman aproximavam-se da rocha, onde os dois bandidos se escondiam, preparados para apertar os gati-lhos das carabinas. E apertaram... Talvez o nervosismo ou a súbita redução de marcha dos cavaleiros ao aproximarem-se do fatídico lugar lhes tivesse salvado a vida.
Sam, contudo, sentiu a mordedura do chumbo no braço, o que não impediu, porém, de que, já no chão, «sa-casse» o revólver, disposto a defender a vida. Johnny, pelo seu lado, saltara também do cavalo, situando-se junto do pai.
— Estás bem? — perguntou-lhe. —Tenho um simples arranhão. Cuidado! Estão do outro lado.
— São dois...
— Fica aqui. Eu tentarei surpreendê-los pelas costas...
— Não, pai. Disso me encarrego eu.
Os atacantes maldisseram o facto de ter errado, e não podiam agora, usar as carabinas, porque os Erikman se encontravam já bem entrincheirados. Johnny começava a afastar-se, enquanto Sam ficava na expectativa, pronto para entrar em acção quando chegasse o momento mais conveniente.
O jovem alcançou a berma do caminho. Tinha de cru-zá-lo e fez um sinal ao pai, que começou, acto contínuo, a disparar. Os bandidos, orientados pelos fogachos, ripostaram, nervosamente.
Johnny aproveitou o tiroteio para atravessar o ca-minho. O silêncio voltou a reinar; os atacantes recarregavam as armas, no que foram imitados por Samuel Erikman.
Entretanto, Johnny aproximava-se por entre as árvo-res, até que distinguiu, perfeitamente, as costas dos dois traiçoeiros atacantes. Então, saltou para eles, ordenando:
— Quietos!
Os facínoras voltaram-se, prontamente, com intenção de disparar, mas apenas um o conseguiu fazer. Johnny atirou, também, e a sua bala foi mais rápida que a do bandido, atingindo-o, gravemente. Restava, entretanto, o outro, que se dispunha a vender caro a vida.
Sam, pelo seu lado, abandonara toda a espécie de precaução e corria a defender o filho. Disparou, antecipando-se ao acólito de Brown, e o homem caiu para a frente, soltando a arma. O outro, bastante ferido, quis fugir, mas Johnny não tardou a alcançá-lo.
— Não tenhas tanta pressa, amigo!
O bandido, desesperado, tentou libertar-se. Estavam no cimo de um penhasco e o ferido deu um passo atrás, sem advertir que o esperava o vazio. Quis sujeitar-se a algo. Johnny pretendeu, também, evitar que o outro caísse, mas foi inútil a sua tentativa.
O homem precipitou-se no abismo, e chocou com o solo, no qual ficou horrivelmente mutilado. Quando Johnny, com extrema cautela, chegou junto dele, pôde comprovar que o outro tinha morrido. Pouco depois, Sam dizia:
— O que me cabia a mim também morreu. Eu só queria desarmá-lo, mas errei o tiro...
— Eles mereciam o que tiveram — murmurou Johnny. --- Nunca me agradou ter de matar ninguém, filho... ainda que, por vezes, as próprias pessoas nos obriguem a isso. Estes tipos não tinham quaisquer escrúpulos e gos-taria de saber se trabalhavam por sua conta e risco ou se obedeciam a ordens de alguém.
—Brown?
— Talvez... Gostaria de ter a certeza — retorquiu Sam, pensativamente. Johnny também ficou pensativo. Haviam tentado matá-los. Mas, porquê?
*
Larry, excitado, escutou o breve relato de Brown.
— Maldita sorte! Deverias ter escolhido melhor os homens que mandaste. Não é assim muito difícil liquidar dois sujeitos numa emboscada.
— Já te disse que os Erikman não são tipos fáceis. Perdi dois homens que me fazem muita falta e o capitão anda para ai em investigações. E nunca me agradou que metessem o nariz nos meus assuntos.
Fez uma pausa e ajuntou:
— Ainda bem que andaram a fazer perguntas em alguns ranchos e foram vários os que confirmaram que os Erikman e os meus homens tinham andado a lutar. Como é natural, disse que nada sabia dessa emboscada e que, provàvelmente, se trataria de uma tentativa de tirar desforço. Parece-me que se conformaram com tal expli-cação, mas repito-te que não me agrada o assunto.
— Nem a mim! Sentir-me-ei muito mais seguro quando souber que estão mortos... Eles os dois e a rapariga!
— Teremos de esperar que saia do povoado. Dizem que costuma banhar-se no rio, no sítio onde desemboca o arroio.
— Eu encarregar-me-ei dela — disse Farrell que, até então, permanecera em silêncio. Larry dedicou, então, toda a sua atenção às provisões que Farrell subira até ali, com a ajuda de dois bons muares.
— Uma caixa de garrafas, carabinas para os «che-rokees» e algumas provisões para vocês — explicou Brown, ajuntando: — Ah! Tudo isto foi debitado na vossa conta. É um adiantamento que quero, depois, receber. Entendido ?
— Se tudo sair bem — replicou Larry — vamos ter tanto dinheiro que nem saberemos o que fazer com ele.
— Entretanto, é bom não esqueceres que eu adiantei isto — e apontou as três caixas que estavam no chão.
— Bom, voltemos a falar do nosso plano.
Brown assentiu, dizendo:
— Conheço um tipo que poderá ajudar-nos.
— Quem é ?
— Isso não importa. Não precisaremos de lhe dizer nada para que nos informe onde poderemos encontrar «Cabeça de Alce».
— Quem é esse «Cabeça de Alce»?
— Um guerreiro rebelde que foi capturado por Samuel Erikman. Vários dos seus homens foram enforcados, al-guns mortos a tiro, mas conseguiram escapar dois ou três. «Cabeça de Alce» sobreviveu e tenho quase a certeza que ainda se encontra vivo... e deve odiar de morte Samuel Erikman. Os dois ou três índios que escaparam, regressaram há pouco tempo. Pediram para ser perdoados e «Grande Trovão» concedeu-lhes o perdão. O coronel não interveio, apesar de eles estarem condenados, para não criar novos conflitos com os índios. Sei que, vivem, agóra, honestamente, no povoado. Mas, se alguém lhes falasse...
— Quem?
— O tal amigo que referi. Ele poderia servir de inter-mediário. Depois, tudo seria fácil. Compreendes ?
-- Explica-te melhor — pediu Farrell.
— É preciso que alguém incite os outros à rebelião. Mas, para isso, torna-se necessária a presença de um chefe que a dirija. E esse chefe só poderá ser «Cabeça de Alce». Sei que acederá, nem que seja apenas para se vingar de Samuel Erikman, o pai desse rapaz que descobriu os vossos propósitos.
Larry assentiu. A primeira vista, o plano não lhe pare-cia mau de todo. Com a ajuda dos índios e utilizando o álcool para os embebedar, a coisa não se tornaria muito difícil. Brown despediu-se, prometendo voltar com novas notí-cias quando as tivesse. Na realidade, aquele maquiavélico plano estava já em marcha.

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