quarta-feira, 11 de julho de 2018

ARZ166.01 Ataque à caravana

Nos princípios do século XIX, as montanhas Cherokees, da Geórgia, foram testemunhas de incontáveis guerras entre os índios e os colonos que acorriam a estabelecer-se no Oeste. Firmaram-se vários tratados de paz, sistematicamente quebrados quer por uma quer por outra das partes.
Um dos homens que mais fizeram pela sã convivência entre brancos e peles-vermelhas foi o caçador Samuel Erikman.
Sam perdera a sua jovem esposa e restava-lhe, apenas, o seu filho Johnny. O garoto crescera sem outra companhia que o pai e, aos dez anos, sabia quase tudo o que um bom caçador deve saber.
Acompanhava, frequentemente, o pai nas caçadas, ou quando ele guiava algumas das caravanas que se aventuravam pelo Oeste.
Alguns emigrantes, confiados no último tratado de paz, atreviam-se a atravessar, sozinhos, as montanhas. Mas, no entardecer de um dia do mês de Maio de 1808... «Cabeça de Alce», à frente de trinta guerreiros, observava a passagem de uma das muitas caravanas, pelo fim do desfiladeiro de Chattahoochee.
— Belos dez carros — murmurou.
«Raposa Cinzenta», envergando uma pele da mesma cor do animal que lhe dava o nome, assentiu:
— Será difícil surpreendê-los.
— Esperem até que eu dê o sinal— continuou o chefe daquele grupo de «cherokees» disposto ao ataque.

A caravana marchava, placidamente, pela planície, alheia ao perigo que a espreitava. Os homens de «Cabeça de Alce», ocupando posições estratégicas entre as rochas, aguardavam a ordem do seu chefe. O silêncio e a quietude eram totais. Nada fazia prever o iminente desastre.
De súbito, «Cabeça de Alce» levantou a mão. Todos, expectantes, esperaram que ele a baixasse. «Cabeça de Alce» permaneceu uns minutos naquela posição, enquanto os demais se aprestavam, com flechas e uma ou outra carabina, a atacar os confiados emigrantes.
O índio baixou a mão. Os guerreiros, soltando gritos de incitamento e ataque, romperam o silêncio reinante, enquanto as suas flechas incendiárias se dirigiam às lonas dos carros que compunham a caravana. Os emigrantes dispuseram-se à defesa, perante o inesperado ataque.
— Todos devem morrer! — foi a ordem taxativa de «Cabeça de Alce», que cavalgava ladeira abaixo, empunhando uma carabina.
Os da caravana quase não tiveram tempo de pôr os carros em círculo, para lhes servir de proteção.
— Rápido! Apressem-se! — gritou o chefe da caravana.
As flechas e as balas das rudimentares espingardas tinham causado já algumas baixas. Os «cherokees» rodearam, por completo, os futuros colonos.
Uma mulher foi agarrada por dois guerreiros e levada de rastos umas boas jardas, enquanto o marido, desesperado, corria atrás dela.
— Larguem-na, larguem-na... Assassinos! Canalhas!
Uma flecha enterrou-se-lhe no peito. Outro colono corria para proteger os filhos, separados dele naquela balbúrdia infernal. Uma bala interrompeu a sua corrida, obrigando-o a morder o pó do caminho.
Vários carros eram já pasto das chamas. Um dos «cherokees» foi derrubado da sela por um certeiro balázio. A luta tornou-se mais cruel e sanguinária. As chamas elevaram-se para o céu e o fumo foi observado, de longe, por Samuel Erikman, que cavalgava, em companhia do filho. O pequeno Johnny murmurou:
— Esse fumo não é nenhum sinal dos índios.
— Pois não, filho, e isso surpreende-me. Vamos ver o que acontece. Parece que o fogo provém da saída do desfiladeiro.
Pai e filho meteram os cavalos a bom galope. Johnny, apesar da sua tenra idade, era já um exímio cavaleiro.
Entretanto, na planície, a luta continuava. Dos dez carros que constituíam a caravana, quatro tinham já desaparecido, pasto das chamas. Outros tantos continuavam a arder e apenas dois se mantinham incólumes, mas seria, também, por pouco tempo. O chão estava juncado de cadáveres. As baixas no grupo de guerreiros índios eram insignificantes comparadas com as dos colonos que, mesmo assim, resistiam, heroicamente, agarrados a uma fugaz esperança de sobrevivência.
Começou a arder outro dos carros. «Cabeça de Alce», implacável, continuava a incitar os seus homens. Os seus gritos deveriam ser ouvidos muitas milhas em redor, acompanhado pelos dos bravos guerreiros que comandava. E foram, na realidade, escutados pelos Erikman.
— «Cherokees»! — exclamou Samuel.
— Achas que estão a atacar alguém? — perguntou Johnny.
— Não sei. Mas isto não me agrada.
Subiram uma suave colina, de onde era possível abarcar toda a planície.
— Meu Deus! — deixou ouvir Samuel, perante o espetáculo que se lhe oferecia aos olhos.
O pequeno grupo que continuava a resistir era insuficiente para deter a verdadeira avalancha representada pelos peles-vermelhas.
— Fica aqui, Johnny!
— Quero ir contigo, pai.
— Poderia ser perigoso.
— Mas, os «cherokees» são nossos amigos...
— Sim, é verdade.
No entanto, deveria ter acontecido qualquer coisa de anormal Já não tinha possibilidades de acorrer em auxílio dos colonos. Os «cherokees» começavam a retirar, deixando, na planície, um rasto de sangue, fogo e morte.

*

Quando os Erikman chegaram ao local da luta, restava, apenas, um montão de ruínas calcinadas. A carnificina era espantosa. O chão estava semeado de cadáveres, meio queimados uns, com os corpos trespassados por flechas outros, estranhamente retalhados pelos «tomahawk» alguns mais.
O próprio Samuel, habituado a toda a dureza da vida e, sobretudo, daqueles lugares, teve de desviar os olhos, horrorizado. O pequeno Johnny, que desmontara, estava a vomitar.
— Vamos, filho! Vamo-nos daqui!
Iam a montar de novo, para irem avisar as autoridades, quando um choro infantil lhes chamou a atenção.
— Provém daquele carro.
Efetivamente, debaixo de um dos carros que as chamas não haviam consumido totalmente, divisava-se um pequeno corpo, ladeado por duas figuras horrivelmente mutiladas pelas chamas. Samuel agachou-se para o recolher.
— É uma menina.
Calculou que não deveria ter mais de dois anos.
— Uma vítima inocente desta horrível carnificina —murmurou o caçador, que não adregava compreender a atitude dos «cherokees» nem a finalidade daquele ataque.
Johnny acercou-se dele.
— Está assustada.
— Que vamos fazer com ela, Johnny ?
— Não poderemos abandoná-la. Acho que deveremos cuidar dela, pai.
—Mas, Johnny... que espécie de vida lhe daremos?
— Bem... Ela acostumar-se-á.
—E muito pequena... Mas, está bem. Vamos!
Abandonaram aquele verdadeiro cemitério, levando a inocente criança. Depois de uma hora de caminho, chegaram à aldeia dos «cherokees». Samuel deteve a marcha do cavalo e fez um gesto ao filho para que o secundasse. O acampamento estava silencioso.
—E estranho.
— Não parecem estar em pé de guerra — murmurou Johnny.
— Pois não. Mas quero que «Grande Trovão» me dê uma explicação sobre o acontecido.
Continuaram a avançar, agora a passo dos cavalos, até às primeiras tendas. A maioria dos índios trabalhava nas peles dos animais que calçavam, enquanto outros confecionavam as roupas que envergavam. Uns quantos mais ferviam unguentos para todas as doenças, e as crianças brincavam, despreocupadamente. A presença de Samuel Erikman foi acolhida com saudações de amizade e alguns garotos seguiram os cavalos até à tenda do Grande Chefe. O índio, avisado por alguém, saiu a recebê-los.
— Bem-vindo, Sam. Bem-vindos, tu e o teu filho ao meu povoado. A que se deve, a tua visita?
A sua voz era potente, bem timbrada, e falava, corretamente a língua dos brancos. Extraordinariamente poderoso, apesar de já não ser muito novo, espelhava-se nele todo o vigor dos da sua raça.
— Foi um mau passo, «Grande Trovão» — retorquiu Samuel, por toda a resposta, ao mesmo tempo que desmontava e tomava a criança nos braços.
— Que aconteceu? — perguntou o «cherokee».
— Deverias sabê-lo melhor que ninguém. Olha esta criança.
O índio aproximou-se uns passos.
—De quem é?
— Os seus pais morreram, no ataque que os teus guerreiros levaram a cabo contra uma caravana... Como pôde suceder isso ?
— Os meus guerreiros ? — estranhou o pele-vermelha.
— Sim, «Grande Trovão». Eu vi-os. Eram «cherokees».
— Não sei do que estás a falar, Sam. Quando assino um tratado, cumpro-o. Tenho palavra, amigo. Tu também a tens e por isso te aceito entre os da minha raça.
— Então... só poderá ter sido...
O Grande Chefe julgou compreender.
— Sim. E obra de «Cabeça de Alce». Ele nunca aceitou o tratado. No entanto, havia muito que não aparecia por aqui. Julguei que ele e os seus rebeldes tinham saído destas paragens.
— Voltou, sem dúvida. E tem algumas armas de fogo. Muitos dos colonos foram abatidos a tiro.
— Sam ...deves fazer qualquer coisa. Não quero que o meu povo volte a empunhar as armas.
— Não sei se poderei evitar a intervenção dos soldados.
— Tens a obrigação de lhes fazer compreender que o povo «cherokee» continua fiel ao tratado que assinou. Não podem atacar-nos, só porque uns quantos renegados resolveram atuar por sua conta e risco. É a eles que devem apanhar e castigar.
— Isso é muito fácil de dizer, «Grande Trovão». No entanto, creio que há apenas uma solução. Cuida de Johnny e da garota. Eu irei tentar encontrar «Cabeça de Alce».
O diálogo, que fora escutado, atentamente, por vários membros da tribo e, sobretudo, pelo «conselho de velhos», tivera também, uma testemunha muito importante: «Raposa Cinzenta».
O índio, aparentemente, aceitara o tratado de paz e convivia com os seus, mas, no fundo, estava do lado do chefe rebelde e tomava parte ativa em todos os ataques comandados por «Cabeça de Alce».
Sorrateiramente, encaminhou-se para o seu cavalo, guiado por uma só ideia: era preciso que, com a maior urgência possível, pusesse «Cabeça de Alce» ao corrente do que se passava.

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