quinta-feira, 26 de julho de 2018

BUF150.05 «Pícaro» em ação

Luciano empurrou a porta do comissariado e entrou com o mesmo aspeto de um cachorro vagabundo que tivesse sido espancado.
— Não há direito! — disse, com ar lastimoso.
Cumberlan e Bellamy voltaram-se para ele.
— Que aconteceu, amigo Luciano? Alguém o maltratou?
O pequeno mexicano fingiu que engolia uma lágrima.
— Bill acaba de me desprezar... — declarou, pesaroso.
Os outros entreolharam-se, surpreendidos, e cravaram os olhos em «Colosso».
— Isto traz água no bico... — murmurou Chuck, mastigando as palavras. — Dois homens tão amigos que mais pareciam unha com carne!
— Pois a amizade... desfez-se. E tudo isto porquê ? Por culpa exclusiva dessa maldita mulher do «Sky--Saloon» -- exclamou Luciano. — Bill encontra-se completamente transtornado!
Olhou à sua volta procurando, um lugar para sentar-se. «Doc» sussurrou ao «marshal»:
— Disseste uma vez que «Pícaro» era dedicado e leal com os amigos, mas...
— Disse e repito — afirmou o «marshal», meio carrancudo meio sorridente. — O que acontece é que «Pícaro» é muito mais esperto do que nós pensamos. «Ele não se zangou com Luciano». Isto não passa de um truque de «Pícaro».
— Um truque? Para quê?
Luciano sentara-se num banco e contemplava-os, compungido.
— Oiça, «marshal»... quer tomar-me ao seu serviço?
— Sem sombra de dúvida, Luciano.. O mexicano animou-se.
— Nomeia-me seu ajudante?
— Irei um pouco mais longe. Nomeá-lo-ei xerife de Dodge City. E desta vez, será o único.
— Está bem! — exclamou «Colosso» sentindo que o seu entusiasmo decrescia.
— É precisamente por estar bem que eu o faço, Luciano.
Abriu uma gaveta em que guardava três coisas: a estrela simbólica de representante da Lei, o pedido de captura referente a Sheila Dorrit... e uma garrafa de uísque, comprada no dia anterior para festejar o regresso dos dois amigos. (Os olhos de Bellamy ficaram cravados na garrafa. Mesmo depois de Cumberlan ter fechado a gaveta, «Doc» continuou de olhos fixos no ponto exato onde lobrigara a garrafa do excitante licor.)
— Aí vai, Luciano.
«Colosso» apoderou-se da estrela que o outro lhe atirara e suspendeu-a no colete. Depois olhou para o «marshal».
—E a Bíblia?
— Não esteja preocupado com isso. Suponho que jurou já até por mais do que uma vez, sobre ela.
— Demasiadas vezes, é verdade — declarou ele, tristemente... — mas sempre na companhia de Bill... — concluiu ele com um suspiro.
— Tenho esperança que acabará por recuperar o juízo e virar as costas a essa loira dos infernos. Não o compreendo. Nunca o juízo se lhe transtornou desta maneira... Uma vez em Besbee...
A arenga de «Colosso» foi interrompida pela entrada de Omar Warren, o hoteleiro e Elia Waine, gerente do hotel (e pistoleiro às ordens de Sheila Dorrit).
— Chuck! — lamentou-se Omar. — Acabo de ser roubado! Assaltaram o cofre-forte e deixaram-me arruinado!
Cumberlan encarou-o, perplexo.
— Não se ponha com lamentações. Deve ter reservas no Banco...
— Nada! Levantei todo o dinheiro para...
Calou-se e mordiscou o lábio inferior.
—Para quê, Omar?
— Para fazer um empréstimo a um amigo.
— Quem mais tinha conhecimento dessa tão louvável e filantrópica atitude, prescindindo da intervenção do Banco?
— Ninguém!
Cumberlan pestanejou.
— Ninguém, não... Omar. O seu amigo, o seu necessitado amigo... sabia-o.
Omar Warren mostrou-se escandalizado.
— Chuck! Ousas acusar de assalto e roubo...?
Voltou a morder os lábios e a emudecer.
— Acusar a quem, amigo Warren? A quem?
O hoteleiro resmungou, desgostoso:
— Melhor será que não faças mais perguntas e trates de iniciar as investigações.
— Não mexerei sequer uma palha, se você não começar por ser mais explícito.
Elia Wayne, sorrindo subtilmente, tomou a palavra.
— O caso é bicudo, «marshal». «Mister» Warren talvez não possa falar por motivos exclusivamente pessoais. Porque não vem o senhor ao hotel? Já que goza de fama de muito sagaz, tem agora uma excelente ocasião de o demonstrar. Peço-lhe... deve compreender que, na minha qualidade de gerente do hotel, pesa sobre mim urna grande responsabilidade. Sou eu, certamente, o principal suspeito, apesar de ignorar por completo que «mister» Warren tivesse transferido o dinheiro para o cofre do hotel.
Cumberlan olhou-o de maneira inexpressiva.
— Tem uma chave do cofre?
— Tenho, efetivamente.
Elia Waine apresentou a chave.
— É idêntica à que usa «mister» Warren... — acrescentou, sorridente. — Mas que não foi o senhor, é evidente — disse o «marshal».
— «Mister» Wayne está acima de qualquer suspeita! — exclamou Ornar, acrescentando: — Todas as noites me entrega a chave, depois de fazer o balanço das despesas e dos lucros do negócio.
Chuck franziu o sobrolho.
— Quer dizer que... ontem à noite, quando ele lhe fez entrega da chave... «todo» o seu dinheiro se encontrava no cofre, não é isto?
— Exatamente.
— Não existem mais chaves?
— Mais nenhuma.
— O senhor tem como sócia uma mulher.
— Sim, isso é verdade, mas nunca foi possuidora de qualquer chave — explicou Omar, meio irritado. — Essas suspeitas são completamente descabidas.
Cumberlan semicerrou os olhos.
—Não digo que não. Diga-me apenas uma coisa: «era ela o tal amigo que necessitava do empréstimo»?
— Não! — quase rugiu o hoteleiro.
Chuck compreendeu que ele mentia. Lembrando-se de que Bellamy tinha visto a garrafa na gaveta -- o que desencadearia uma série de acontecimentos por ele previstos—, Chuck levantou-se suspirando.
— Está bem. Eu acompanho-os ao hotel. Talvez o senhor tenha razão, Omar. Quem sabe se o assaltante não teria deixado uma pista...
Assim que «Doc» e «Colosso» ficaram sós na repartição, o mexicano declarou:
— Cheguei a convencer-me de que, como xerife da cidade, fosse eu o encarregado de tratar deste assunto...
Bellamy tinha o seu pensamento concentrado na gaveta que guardava a garrafa do uísque. Olhou para Luciano, sorrindo-se com satisfação.
— Apesar da sua rudeza, Chuck é, no fundo, um homem cheio de delicadeza e de sensibilidade. Não quis encarregá-lo de um assunto difícil, assim logo de caras... sobrepondo-se a ele próprio. Talvez o tivesse considerado como uma espécie de abuso de autoridade. Estou convencido de que o que ele mais deseja é que nós ambos festejemos cordialmente a nomeação que acaba de conferir-lhe. Tenho essa convicção.
Luciano levantou-se e aproximou-se de Bellamy que se inclinava para a gaveta.
—E como vamos nós festejar o acontecimento?
«Doc» abriu a gaveta, apoderou-se da garrafa e contemplou-a, extasiado.
—Que lhe parece?
— Deliciosa.
—Não é uma maravilha?
— Agora ainda está melhor...
«Doc» pestanejou e olhou para Luciano por cima do ombro.
— Não compreendo.
Luciano estendeu um braço e apossou-se do mandado de captura que trazia estampado o retrato de Sheila Dorrit.
— É ela.
«Doc» encolheu os ombros e destapou a vasilha.
—Pensei que se referia à garrafa de uísque.
— Pois pensou mal, «Doc». Esta mulher é Sheila Dorrit. Verifico, porém, que o documento é muito antigo.
Bellamy bebeu sofregamente e passou as costas da mão pela boca.
— Remonta a seis anos atrás. Sheila fazia parte do bando de Borke Sontag que foi aniquilado em Abilene com toda a sua quadrilha. Os beleguins compadeceram--se dela e não a enforcaram. Passou cinco anos na cadeia. Como vê, «Pícaro» não se enamorou de uma pombinha sem fel.
O médico concluiu as suas confidências com uma golada de uísque ainda maior do que a primeira. Quando ofereceu a garrafa a Luciano, os olhos rebrilhavam. O outro demonstrou ao médico que também não era peco a beber.
— Pode prosseguir, Bellamy. A história de Sheila Dorrit começa a interessar-me...
*
«Pícaro», comodamente instalado em uma mesa de «sky», fazia olhos ternos a todas as raparigas bonitas do estabelecimento e recomendava calma a todos os bebedores. Os bebedores aceitavam a recomendação e as raparigas, ainda que complacentes, fingiam não se aperceber das intencionais piscadelas de olho.
Todos eles tinham ainda bem fresca na memória a maneira como o «encarregado» do «Sky» tinha corrido a pontapé três desordeiros que foram parar ao meio da rua com os ossos num feixe.
As raparigas não esqueciam, nem por um momento, que o «encarregado» era a «grande paixão» de Sheila Dorrit, como ela havia declarado, sorridente e em voz alta, para que toda a gente ficasse a sabê-lo, e, particularmente, o desmoralizado Archie Sketon que continuava bebendo como uma esponja, sem deixar de tartamudear:
— Eu... adoro-al... hip!... hip!... hip!... Eu... podia... hip!... fazer a sua... hip!... felicidade!...
Quando Elia Waine entrou no estabelecimento, «Pícaro» olhou-o com curiosidade. Era um dos que se tinham intrometido com ele alguns dias antes.
—Vieste à procura de mais «lenha», rapaz? —perguntou com ironia.
O outro replicou com ar sombrio:
— Sheila está visível?
«Pícaro» carregou o sobrolho.
— Que espécie de pessoa és tu, para te referires a ela com tanta familiaridade?
— Nada tens com isso — resmungou o outro. — Vou procurá-la.
Wayne deu meia volta... e voltou a dar outra meia, encontrando-se cara a cara com «Pícaro» que lhe havia puxado violentamente pela lapela da casaca.
— Aqui dentro — sibilou William — há apenas uma orquestra de que eu sou diretor. Compreendes, meu rapaz?
Elia Wayne encarou-o com rancor.
— Sei perfeitamente que ludibriaste Sheila — replicou — mas ela não te tolera... estúpido. Sheila... —acrescentou, pavoneando-se... — pertence-me.
— Caspité! — disse Bill, sorrindo. — Pois não parece... deixa-la andar muito à larga...
Wayne levantou bruscamente um punho... e com o braço ainda levantado e um demolidor «direto» nos queixos, foi dar com os costados numa das mesas. Rolou pelo solo no meio de uma grande confusão e quando conseguiu erguer-se olhando enraivecido para «Pícaro», ao mesmo tempo que levava as mãos às coronhas das armas, a voz de Sheila bradou, imperativa:
—Nem mais um passo, Wayne! William Vitória está ao meu serviço.
O pistoleiro ripostou, enfurecido:
— Será por pouco tempo.
Bill sorriu-se com bonomia... e guardou, placidamente, os seus «45». Elia Wayne não se tinha 55apercebido até àquele momento de que o outro se tinha antecipado a empunhar as armas.
A jovem passou junto de «Pícaro» e recomendou:
— Continua com a tua tarefa, querido. Eu e «mister» Wayne temos de tratar de um assunto importantíssimo. Procurarei resolvê-lo o mais rapidamente possível! Sinto tantos desejos de voltar a estar contigo, sem que ninguém se intrometa na nossa intimidade...
Bill sentiu-se enternecer.
— Sim, minha pomba. Tal qual como eu...
Sheila e o pistoleiro saíram do estabelecimento. Decorridos alguns minutos, Luciano, ostentando arrogantemente a sua relampejante estrela, deu solene entrada no «Sky-Saloon». «Pícaro» saiu ao seu encontro.
—Puxa! Cumberlan conseguiu convencer-te!
— Bill, temos muito que conversar.
William torceu o nariz e replicou:
—A propósito de Sheila?
—Sim.
—Do seu passado?
— Exato. «Pícaro» passou uma das mãos pelas costas do xerife. — Vem para a minha mesa. Ninguém nos ouvirá. Acham-me todos tanta «graça»... que procuram afastar-se o mais possível de mim. Em breves palavras, Luciano revelou a Bill o que sabia acerca da mulher. «Pícaro», sorrindo, encrespou as sobrancelhas.
— Parece-me que começo a ver claro no meio de tudo isto. Ouve cá... não saberás, por acaso, nada a respeito de Elia Wayne, além de ser um «gun-man» de Sheila?
— Sei que também é gerente de um hotel que esta noite, por acaso, foi assaltado, tendo o cofre sido arrombado e roubado todo o dinheiro que lá se encontrava.
William escutou todo o relato com o maior interesse. Quando o outro concluiu a narração, Bill observou:
— Na tua qualidade de xerife podes fazer certas coisas que neste momento estão fora do meu alcance. Deves apresentar-te no hotel de Omar Warren e prender Wayne como suspeito. Cumberlan, naturalmente, pô-lo-á em liberdade por falta de provas. O que eu pretendo é que Warren o dispense do serviço e que lhe exija a entrega da chave. Nada mais do que isto. O resto, depois, é cá comigo.
— Entendido, Bill.
Omar Warren torcia e retorcia as mãos em presença de Sheila Dorrit que o olhava com aparente simpatia.
— Estou arruinado, «miss» Dorrit! Apenas me resta o edifício do hotel!
— Metade do qual me pertence... — interveio ela, sem deixar de sorrir. — Lamento sinceramente a sua situação, «mister» Warren. Felizmente consegui resolver os meus problemas sem ter de recorrer ao empréstimo que lhe solicitei. Vou até mais longe: os meus negócios estão de tal maneira prósperos... «que posso comprar-lhe a outra metade do hotel».
Omar encarou-a cheio de incredulidade.
— «Miss» Dorrit, fala realmente a sério?
— Absolutamente.
— Mas... eu ia fazer-lhe um empréstimo! Mas como acaba de afirmar que os seus negócios vão de vento em popa, porque me não faz agora um empréstimo a mim? O sorriso da jovem transformou-se numa expressão gelada.
— Não posso confiar num homem que se deixa roubar. Ofereço-lhe vinte e cinco mil dólares pela propriedade absoluta do hotel. Nem mais um cêntimo... — Sheila levantou-se. — Espero uma resposta antes de vinte e quatro horas... e estou persuadida de que o senhor saberá optar pelo que mais lhe convém. Até amanhã, «mister» Warren.
Elia Wayne, delicadamente, apressou-se a abrir a porta do gabinete, curvando-se à sua passagem. Sheila, porém, não chegou a sair porque entre os umbrais se recortava a figura de um homem de pequena estatura que ostentava a estrela simbólica da autoridade. Este olhou friamente para Elia Wayne, dizendo:
— Traz consigo a chave do cofre?
— Certamente. Mas não chegou ainda a hora de dar balanço à caixa e...
— Pois entregue-a imediatamente a «mister» Warren.
—Mas porquê?
— Porque chegou a hora de dar entrada na prisão.
Elia Wayne recuou um passo, levando a mão à pistoleira, disposto a empunhar o revólver...
— Mas eu é que não admito...
Sheila olhou-o com autoridade.
—Não sejas tolo, Elia! Que provas podem eles ter contra ti? Nenhuma. Entrega a chave a «mister» Warren. Amanhã a chave será minha... e tu voltarás a ocupar o teu lugar de gerente.
O «gun-man» respirou fundo.
— Perfeitamente.
«Colosso» acompanhou Wayne e Sheila até ao comissariado. Cumberlan, ante os argumentos aduzidos por Sheila, viu-se na contingência de dar liberdade ao pistoleiro que se ficou a rir de Luciano, mostrando-se este, pela sua parte, absolutamente tranquilo.
Quando Sheila e Wayne acabaram de sair da repartição, Chuck olhou atentamente para Luciano.
— Porque detiveste o homem?
Luciano sorriu-se intencionalmente.
— A quanto montam os prejuízos de «mister» Warren?
— A cento e quarenta mil dólares.
«Colosso» levou a mão ao chapéu, em jeito de cumprimento.
— Muito obrigado, «Marshal». E abandonou o gabinete.
«Doc» Bellamy que se entretinha a fazer uma paciência com cartas, olhou perplexo para Cumberlan.
— Compreendes alguma coisa disto, Chuck?
— Compreendo que «Pícaro» e Luciano são como dois barris colocados à borda de uma ladeira. Basta um pequeno toque para que rolem pelo declive abaixo. Bem. Eu dei-lhe o tal pequeno toque e agora deslizam com toda a velocidade.
Bellamy recolheu as cartas e começou a baralhá-las.
— Que vai suceder quando os barris atinjam o fundo da ladeira?
Chuck suspirou e repoltreou-se no cadeirão.
— Esqueci-me de acrescentar que ambos os barris se encontram... cheios de pólvora.
*
Sheila e Elia Wayne entraram no «Sky-Saloon», atravessaram o salão e subiram para o primeiro andar. Luciano entrou um minuto depois. «Pícaro» recebeu-o com uma blasfémia, acrescentando, agressivamente:
—Não quero tornar a ver-te novamente aqui, meu xerife de borra! Para manter a ordem no estabelecimento basto eu e ainda sobro. Rua!
E pegando em Luciano por um braço, acompanhou-o até à porta. O mexicano sussurrou:
— Eram cento e quarenta mil dólares que Warren tinha dentro do cofre.
— Belo trabalho, «Colosso»! — ciciou Bill. E acrescentou. — Não te afastes para multo longe!
Acto continuo, abriu as batentes de par em par e deu saída a um xerife corrido e desfeiteado, perante a perplexidade de todos os assistentes. «Pícaro» regressou à sala.
—Podem continuar a divertir-se, amigos! Como acabam de ver não é fácil meter o nariz nos assuntos dos clientes do «Sky-Saloon».
Esperou alguns momentos, até verificar que nenhum dos circunstantes lhe prestava atenção. Entrou sub-repticiamente no escritório de Sheila. Uma pesquisa rápida, mas minuciosa, levou-o até junto de uma estatueta de Morfeu… demasiadamente leve em relação ao seu tamanho e ao seu aspeto semelhante ao mármore. Segurou-a, tomou-lhe o peso, desenroscou-lhe a base e verificou que o seu interior era completamente oco, contendo entretanto um volumoso maço de notas do banco e uma chave. Voltou a enroscar a peça e repô-la na mesma posição. Contou o dinheiro. Cento e quarenta mil dólares.
Guardou o dinheiro e chave e saiu do escritório. Deu uma rápida vista de olhos pelo salão e adquiriu a certeza de que ninguém notara .a sua ausência.
Meia hora depois, Sheila e Wayne desceram a escada animados e sorridentes. «Pícaro» olhou para Wayne com a maior fleuma. O pistoleiro deteve-se junto da mesa, para dizer com ironia:
— Quando menos o esperares deixarás de ser um obstáculo entre mim e Sheila.
Sheila Norrit tentou acalmá-lo.
—Por favor, Elia! William é um amigo.
«Pícaro» levantou-se.
— Um amigo... «que nunca gostou de fazer as coisas quando menos se esperam...».
E agarrando Wayne pela lapela atraiu-o violentamente contra o seu próprio peito.
— Sheila pertence-me! — disse ele, de dentes rangidos.
E, desdenhoso, repeliu Wayne.
Elia, enfurecido, lançou-lhe um desafio:
— Porque não puxas das armas, em vez de estar para aí a gastar saliva?
«Pícaro» franziu novamente a testa.
—Aqui dentro? Duvido muito da tua pontaria e não estou disposto a pôr em risco a vida de algum cliente do «Sky». Vamos para o meio da rua.
— Pois seja! — rugiu Wayne.
E todo ele, vibrando de raiva mal contida, dirigiu-se para a porta, não se tendo apercebido de que «Pícaro», durante os escassos segundos que o teve seguro pela lapela, lhe tinha introduzido os cento e quarenta mil dólares e a chave no bolso interior da casaca.
Sheila cortou o passo a Bill.
—Não consinto que os meus homens lutem entre si!
«Pícaro» encarou-a, irónico:
— É altura de escolher, Sheila... ou ele ou eu.
A jovem hesitou uma fração de segundo.
— Tu... por... certo!
— Nesse caso deixa-me passar.
«Pícaro» saiu para a rua. Toda a assistência correu para a porta e para as janelas. Elia Wayne aguardava-o no meio da rua.
— Vou liquidar-te! — bramiu.
Puxou dos revólveres... enquanto William se contorcia de um modo singular, disparando repetidas vezes. Wayne andou de um lado para o outro, com se fosse sacudido por um vendaval. Largou primeiro um revólver, depois o outro, para acabar por cair de joelhos, atarantado, batendo com a cara no terreno.
Os espectadores ficaram surpreendidos pela rapidez de «Pícaro» no manejo das armas. Sheila Dorrit, altamente impressionada, pensou de si para si que «Pícaro» lhe seria extremamente útil para os seus «negócios».
Naquele momento apareceu Luciano.
— Que acaba de passar-se aqui?
Bill informou o xerife com sobranceria.
— Este pedaço de asno lembrou-se de me lançar um repto.
Em voz suficientemente alta, para que todos o pudessem ouvir, Luciano declarou:
— Aquele tipo «era» Elia Wayne, gerente do hotel de Omar Warren. Não havia ninguém que ignorasse o assalto de que Omar fora vitima.
Luciano debruçou-se sobre o cadáver, revistou-o minuciosamente, de maneira que a operação não passasse despercebida a ninguém e, ante o assombro e a estupefação de todos, exibiu um maço de notas e uma chave.
— Deus do Céu — exclamou o xerife. — Cento e quarenta mil dólares!
Aproximou-se de Sheila que tinha empalidecido de uma forma invulgar.
— Alegre-se, «miss» Dorrit! Acaba de ser descoberto o ladrão. Este homem tanto a roubava a si, como a Warren. Deve estar recordada de que ele afirmou não ser possuidor de mais nenhuma chave além daquela que lhe entregou. Afinal possuía outra. Pode avaliar por 'aqui, se eram ou não fundadas as minhas suspeitas. Se me tenho lembrado de o revistar quando o levei para o comissariado...
Embora muito pesarosa, Sheila balbuciou:
— Confesso que o lamento, xerife. Convenci-me de que Wayne estivesse inocente...
Depois de carregar de novo as armas, Bill chegou-se para Sheila e rodeou-lhe amorosamente o pescoço com um braço.
—Não estejas preocupada, querida. Congratulo-me por ter-te livrado de um escorpião. Sheila ciciou:
—Sinto-me... pouco bem... muito pouco bem... Bill, acompanha-me...
Luciano assomou-se à porta do comissariado.
— Posso servir-me do seu cavalo, «marshal»?
— Ouvi há pouco alguns tiros — disse Cumberlan.
— Pois foi... posso ou não posso levar o cavalo? É só um instante. Vou sem demora.
Cumberlan anuiu ao pedido. Minutos depois, Luciano regressava, dizendo em voz alta:
—Quem me ajuda?
Cumberlan e Bellamy acorreram com presteza, vendo o cadáver de Elia Wayne atravessado na sela.
—É o assaltante de Omar — declarou Luciano. Era portador dos cento e quarenta mil dólares e trazia uma chave com ele. E depositou tudo nas mãos do «marshal». — Pode devolver tudo a Omar Warren.
— Naturalmente... — comentou Chuck. Bellamy, espantadíssimo, perguntou: — Quem matou o homem?
— «Pícaro».
Cumberlan semicerrou os olhos e pensou: «Um de menos...». Luciano esclareceu:
— Não lhe dei voz de prisão porque agiu em legítima defesa, compreendem?
O «marshal» dissimulando um sorriso, rodou sobre os calcanhares e declarou:
— Vou fazer uma visita a Omar Warren...

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