segunda-feira, 16 de julho de 2018

ARZ166.06 Nirva corre perigo

— Não sei do que estão a falar — replicou o dono da taberna, do outro lado do balcão.
Era Samuel quem interrogava, enquanto Johnny se mantinha na expectativa, observando todos os cantos do local.
-- Talvez precises que te refresque a memória, Brown... Estamos a falar de três tipos que, sem alimentos, já teriam morrido.
— Repito que não sei nada. Sou comerciante.
Sam, inesperadamente, estendeu os braços por cima do balcão e sujeitou o outro pela camisa, atraindo-o, a si e demonstrando, uma vez mais, todo o seu vigor e fortaleza física ainda na plenitude.
— Com quem diabos julgas que estás a falar?
— Larga-me, Sam!
Bem longe de lhe obedecer, Sam puxou-o por cima do balcão, levando Brown a atirar ao chão, e a partir, uns copos e uma garrafa de uísque.
Um tipo, de arma em punho, saiu de um dos cantos da taberna. Johnny deu-se conta do facto e, acto contínuo, disparou o revólver. O desprevenido sujeito viu como a arma se lhe escapava das mãos e, então, procurou a ajuda de um banco, que agarrou e arremessou, violentamente.

Sam continuava a abanar o dono da taberna, enquanto Johnny, depois de se esquivar do tosco banco, se lançava para a frente, disposto a atacar o novo guarda-costas de Brown. Utilizando a cabeça, à moda de aríete, alcançou o outro no estômago, mandando-o contra uma das paredes. Depois, obrigou-o a levantar-se.
— Já tentaram matar-nos à traição e nada conseguiram, miserável. Agora, vais saber o que é lutar cara a cara.
O jovem não estava disposto a contemplações de nenhuma espécie. Todo o seu espírito de lutador, herdado do pai, veio à superfície para aplicar um severo corretivo ao sujeito que procurara matá-los. Os seus punhos, numa verdadeira roda-viva, acertavam nos pontos mais débeis do adversário, não dando tempo ao outro para contra-atacar nem sequer para se defender da avalancha que lhe caia em cima.
Entretanto, Sam esbofeteava Brown e levava-o a chocar, violentamente, com o balcão.
— Fala de uma maldita vez, miserável!
Johnny acabara já com o guarda-costas, que nada poderia fazer pelo patrão nem por ele próprio. Brown, transido de medo, balbuciou:
— Larga-me... Não têm direito a...
— A quê, sujo traficante?
— Samuel Erikman mostrava bem, na sua expressão, ao que estava decidido.
— Sim... Um tal Larry veio buscar provisões. Eu sou comerciante e vendi o que me pediram.
—  Onde está esse tipo?
E como o outro vacilasse, o punho do ex-caçador atingiu-o no nariz, que começou a sangrar.
— Na encosta dos montes... No outro lado da «Corrente do Diabo» ...
— Creio que sei onde é — disse Johnny, que era tão bom conhecedor do território como o fora o pai.
— Se nos mentiste, Brown — avisou Sam —, voltarei para destruir tudo isto e terás de ir para outro lado. Conta com o que digo, Brown, pois nunca deixei de cumprir a palavra.
Soltou-o, empurrando-o para trás, e o taberneiro, apesar da sua corpulência, foi bater contra uma mesa e caiu no chão, onde ficou a ver os Erikman abandonarem o local.
— Em primeiro lugar, conviria avisar «Grande Trovão».
— Encarregar-me-ei disso, pai.
— Está bem. Eu irei aos montes e tentarei dar com essa gente.
— Será melhor que avises o coronel! É demasiado perigoso ires sozinho.
Samuel forçou um sorriso. Olhou, fixamente, o filho e murmurou:
— Julgas-me um velho inútil?
— Bem sabes que não o és, pai.
— Nesse caso, não te preocupes. Avisa «Grande Trovão», que eu encarrego-me do mais.
Separaram-se. Ambos tinham de galopar um bom bocado.
Não havia ninguém na ladeira, mas notava-se que alguém acampara por ali. Latas velhas, papéis, cinzas, tudo confirmava a presença de alguns homens que tinham feito daquilo um improvisado acampamento.
Para um bom observador como Sam Erikman, até era possível adivinhar os lugares onde os homens haviam dormido. Procurou pelos arredores em busca de possíveis marcas, mas não encontrou nada de concreto. Uma ferradura defeituosa, contudo, serviu-lhe de guia...
— Dirigiram-se para locais diferentes — murmurou, em voz alta, falando consigo mesmo.
As marcas de ferraduras que desciam o barranco pareceram-lhe as mais recentes e Sam decidiu-se a segui-las.
Entretanto, Johnny prevenira já «Grande Trovão». Na ladeira vizinha do acampamento, vira vários colonos forasteiros e alguns do próprio povoado de Chattahoochee que, de pás e picaretas, escavavam o terreno perto do arroio.
— Estão a provocar-nos — disse o chefe índio.
— Sei disso, «Grande Trovão», e o meu pai foi falar com o coronel. Agora, está na pista dos principais culpados.
— Johnny..., «Cabeça de Alce» regressou e alguns dos meus homens juntaram-se a ele. Não acreditei quando me vieram contar, mas «Pluma Vermelha» esteve a conversar comigo desde que partistes.
— Que te disse?
— Que querem roubar-nos as terras. Pretendem comprá-las, mas isso é o mesmo que roubar. Estamos bem aqui, Johnny. Estas são as nossas terras e conformamo-nos com pouco. Isto é grande e há lugar para todos. Sempre respeitámos o tratado.
— Bem o sei, «Grande Trovão», e nada acontecerá se tu não te deixares convencer pelos que pretenderem incitar-te à guerra.
— Se tentarem expulsar-me, terei de defender o que é meu. — Fez uma pausa perante o silêncio de Johnny e ajuntou: — Há muitos anos, dei a minha palavra em como não voltaria a empunhar uma arma e sempre cumpri essa promessa. Mas, se por causa dessas «pedras amarelas» nos quiserem expulsar...
Deixou a frase por concluir e pousou o olhar no seu penacho guerreiro; na lança quebrada que, até então, havia simbolizado a paz. Mas, junto dessa lança existia outra e não estava partida. O seu velho arco e as flechas também estavam prontos para entrar em acção.
— Não, «Grande Trovão», confio em que não haverá necessidade disso...
Uma inesperada gritaria chamou a atenção dos dois homens, que deixaram a tenda, para verem como alguns jovens guerreiros iniciavam uma dança. Uns soltavam estridentes gritos, enquanto outros bebiam de uma garrafa.
— Facilitaram-lhes de beber debaixo do teu próprio nariz! — exclamou Johnny.
«Grande Trovão» deu uma ordem e «Pluma Vermelha» aproximou-se. Também ele estivera a beber e o seu passo era cambaleante.
— Quem lhes deu a bebida? Atirem as garrafas fora. Sou eu, «Grande Trovão», quem o ordena... Quando estiverem lúcidos, falaremos. Esta noite haverá reunião.
— Já resolvemos, «Grande Trovão» — replicou o «cherokee». — Vamos para a guerra...
Johnny interveio.
— Acaso querem que os risquem do mapa? Não compreendem que, se se sublevarem, Washington mandará um exército combatê-los?... Por favor, não piorem as coisas.
— Johnny Erikman fala com a língua do invasor. Ele é branco e defende os que querem expulsar-nos das nossas terras.
— Ninguém os expulsará!
— Falso! És falso como todos os brancos! — gritou «Pluma Vermelha», completamente embriagado.
— Criei-me entre vocês! Conhecem-me desde criança e até brinquei com muitos dos vossos irmãos... Se não estivesses bêbado, far-te-ia engolir essas palavras.
«Pluma Vermelha» cuspiu para o chão, em sinal de desprezo.
— Recolhe à tua tenda, «Pluma Vermelha»! — ordenou «Grande Trovão».
— Não te deixes enfeitiçar pelo branco — replicou o jovem guerreiro.
— E a ti, quem te enfeitiçou? — perguntou Johnny. — Acaso foi alguém da vossa raça que lhes deu a bebida com que se embebedaram?
— Foram homens que querem proteger-nos; que só pretendem o nosso bem.
— Insensato! Deixam-se manejar como crianças e querem que lhes chamem guerreiros. Não passam de um bando de desgraçados. Ponham os olhos no vosso chefe!
«Pluma Vermelha», num acesso de ira, deitou a mão ao «tomahawk», de modo ameaçador.
— Basta! — exclamou o «Grande Chefe».
— Erikman insultou-me.
Johnny avançou para o jovem guerreiro.
— Guarda a arma. Ou será que procuras assustar-me?
Dessa feita, «Pluma Vermelha» cuspiu no rosto de Johnny que, sem conseguir dominar-se, descarregou o punho direito no queixo do pele-vermelha, levando-o a cair de costas no chão. Foi-lhe muito difícil levantar-se e só o logrou, totalmente, com a ajuda de dois irmãos de raça, a quem «Grande Trovão» ordenou:
— Levem-no para a sua tenda.
Johnny voltou-se para o chefe dos «cherokees».
— Sinto-o; não o deveria ter feito.
— Ele mereceu-o.
Depois de uns momentos de silêncio, Johnny murmurou:
— É possível que, em breve, apanhemos os responsáveis. Promete-me que não farás nada até falares com o meu pai. É em seu nome que o peço. Não tomes qualquer decisão, «Grande Trovão».
— Decidiremos esta noite na reunião, Johnny. E, aconteça o que acontecer, a nossa amizade permanecerá inalterável. Mas nós somos homens e temos a nossa dignidade.
— Compreendo, «Grande Trovão».
Johnny deu meia volta e olhou em redor. Os jovens guerreiros tinham ido dançar para mais longe.
— Onde está Nirva? — perguntou o jovem caçador, de súbito.
— No rio, a tomar banho. Prefiro que se mantenha à margem de tudo.
— Foi sozinha?
— Acompanharam-na dois homens.
— Oh, não o deverias ter feito...! Enquanto os ânimos não se acalmarem, não a deixes sair daqui.
Montou, rapidamente, a cavalo e guiou-o para o rio. De súbito, assaltara-o um mau pressentimento. Johnny não se enganara.
Larry Stonner e Farrell tinham-se aproximado por entre as moitas. Os dois «cherokees» estavam atrás das rochas, perfeitamente descansados e bem longe de adivinharem o perigo que os espreitava.
Nirva, pelo seu lado, banhava-se nas cristalinas águas do rio, num sítio onde a profundidade da água não oferecia qualquer problema. Os facínoras, armados de carabinas, só tinham de apertar os gatilhos para se livrarem dos despreocupados guardas de Nirva. E apertaram-nos!
As balas das espingardas alcançaram o fácil alvo. Um dos índios soltou um gemido e ainda tentou virar-se, mas acabou por cair, pesadamente, no chão. O outro nem sequer gritou, morto, instantaneamente.
O som dos tiros aterrorizou Nirva, que nadou, vigorosamente para a margem, enquanto Larry comentava:
— Não poderemos deixá-la escapar!
Nirva alcançara já as suas roupas e vestia-se, rapidamente, entre as moitas. Farrell saltou sobre uma rocha, precisamente por cima dela. A jovem gritou e começou a correr, meio vestida.
— Por ali! — avisou Farrell, enquanto Larry se apressava a cortar-lhe o passo.
Agilmente, a rapariga evitou os dois homens, metendo-se por entre a espessura do bosque.
Naquele instante, Johnny descia a galope pela ladeira. Quando Larry se deu conta da sua presença, fez um gesto ao companheiro.
— Erikman vem aí e talvez, de momento, nos convenha mais ele. Poderemos matá-lo e deixar o seu cadáver junto dos «cherokees», para que pensem que se mataram entre si.
— Quem não pensará o mesmo será o seu pai.
— Isso não importa. O rastilho já está a arder.
Recarregaram as carabinas e esperaram que o jovem se aproximasse. Mas Nirva dera-se conta do perigo que ele corria e retrocedeu para a margem, protegendo-se na densa vegetação ribeirinha.
Johnny desmontara para observar os dois «cherokees» mortos. Depois, os seus olhos desviaram-se para a água. Nirva não estava no rio!
Mas viu-a, em seguida, correr pela margem, a uns escassos cinquenta metros.
— Cuidado! Estão no bosque, Johnny...
Os dois assassinos dispararam as espingardas, no momento exato em que Johnny se lançava para o chão, furtando, desse modo, o corpo às balas inimigas. Já com o revólver empunhado, o jovem arrastou-se pelo solo, entrando no bosque.
De súbito, ouviu dois estalidos e correu a buscar a proteção de uma árvore, enquanto uma bala lhe passava a escassos centímetros da cabeça. As copas das árvores escureciam aquela zona do bosque e foi o ligeiro fogacho do disparo que indicou a Johnny o lugar onde se escondia um dos atacantes.
Saiu, rapidamente, do seu esconderijo, aproximando-se mais. Novo disparo lhe assobiou aos ouvidos. Johnny encontrava-se, agora, a curta distância dos adversários. Se pudesse apanhar nem que fosse um só daqueles homens... Se lhe fosse possível capturá-lo com vida, obrigá-lo a falar!
Entretanto... um novo perigo espreitava Johnny. O terceiro elemento do trio, ferido na perna, ficara na ladeira, preparado para avisar os outros de qualquer facto anormal que ocorresse.
E foi assim que Clive viu Samuel Erikman aproximar-se; ainda que não o conhecesse pessoalmente, haviam-lhe feito a sua descrição e, ademais, quando o viu a inspecionar o solo, compreendeu que não poderia ser outro.
Adiantou-se-lhe, aproveitando o facto de se encontrar mais perto do rio, e entrou no bosque pela parte lateral.
Nirva acabara de vestir-se e, agachada entre as rochas, presenciava aquela luta sem quartel. Larry e Farrell disparavam, simultaneamente, e as balas incrustaram-se no tronco da árvore que resguardava Johnny.
O jovem, jogando tudo por tudo, abandonou todas as precauções e saiu a campo descoberto, preparado para atirar contra um qualquer dos seus adversários. Larry, contudo, procurara uma nova posição e só restava Farrell, que se apressava a recarregar a arma.
— Quieto! — ordenou Johnny, a curta distância do facínora.
Foi então quando Clive surgiu por detrás e, dando-se conta da gravidade da situação, «sacou» o revólver, disposto a atirar.
O nervosismo precipitou o seu tiro e errou o alvo por milímetros. Aquele falhanço foi suficiente para que Johnny, instintivamente, girasse sobre os tacões e disparasse contra o terceiro adversário. A bala alcançou-o em cheio e Clive caiu para frente, levando as mãos ao peito.
Aquele breve descuido de Johnny foi-lhe fatal. Quando se quis voltar para Farrell, este, usando a carabina à guisa de maca, descarregou-a na cabeça do jovem. Johnny caiu fulminado, enquanto Farrell recarregava, rapidamente, a carabina, para lhe dar o golpe de misericórdia.
Larry corria para Clive, comprovando o efeito da bala que ele acabara de receber.
— E... Erikman vem... vem para cá... — balbuciou o ferido.
Foram as suas últimas palavras. O tiro resultara mortal.
—É o pai desse — esclareceu Larry, encaminhando-se para Farrell, que se preparava para matar Johnny, sem lhe dar a menor oportunidade.
— Maldito! Gostaria de poder dar-te uma boa tareia... Mas, assim, não voltarás a meter o nariz em assuntos que não te dizem respeito.
— Espera! — gritou Larry. — Deixa-me ser eu a fazê-lo... — Interrompeu-se, de súbito, ao descobrir um cavaleiro que chegava a desenfreado galope. — Atenção!... Brown. Deveria ter acontecido algo imprevisto.
A chegada do taberneiro adiou a execução de Johnny. Brown, arquejando, desmontou junto dos dois facínoras e deitou um rápido olhar ao corpo imóvel de Johnny.
— Sam Erikman esteve na taberna e julguei que me matava... Tive de lhes dizer onde era o vosso esconderijo...
— Esse Sam vai ter uma desagradável surpresa, quando vir o filho morto... Mas não poderá contemplá-lo por muito tempo, pois também o mataremos e, assim, ficaremos livres dos nossos dois piores inimigos...
— Um momento, Larry! — interrompeu o taberneiro, pensativo e preocupado. — Ouvi certos rumores...
— Ao diabo esses rumores! — Larry mostrava-se impaciente.
Brown explicou:
— O coronel sofre pressões e pedidos de todos os lados. A maioria das pessoas é de opinião que se expulsem os «cherokees» para ficarem com as suas terras e o ouro.
— Começa a haver demasiada gente! — resmungou Farrell. -- Sim, mas mais vale um pouco de muito, que muito de nada.
— Fala claro! — voltou a resmungar Farrell.
— Se o coronel não mandou mais homens foi, simplesmente, porque espera instruções de Washington. Pelo menos, é o que se diz... E são muitos os que opinam que os «cherokees» deveriam ser expulsos. Erikman pode fazer muito nesse sentido. Refiro-me ao pai, claro. Aqui, todos o respeitam. Compreendem? Se Washington mandar tropas para proteger os «cherokees», então utilizaremos Erikman.
— Como?
— Obrigando-o a pôr-se do lado dos que querem expulsar os índios.
— Achas que o faria?
— Se lhe matarem o filho, não. Mas, se o conservarem como refém, em qualquer lugar seguro, Sam Erikman estará nas vossas mãos. O filho é tudo o que tem e fará qualquer coisa por ele... Depois, se o quiserem liquidar, não lhes faltará ocasião para isso. Eu sei de um lugar seguro; só é possível chegar lá de piroga. É um velho armazém abandonado.
Larry vacilou. Tinha a carabina nas mãos e voltou-a para Johnny.
— O que está a acontecer é tudo por culpa dele.
— Não percas a calma... É possível termos Erikman na mão...
— Acabamos com os dois — interveio Farrell.
— Espera — replicou Larry. — A ideia de Brown não é má... E, como ele afirmou, sempre teremos ocasião de o despachar.
—E a rapariga?
— Este vale mais! — replicou Brown.
— Sim. Por agora, preocupemo-nos com este — aceitou Larry. — Onde diabos é esse esconderijo?
—Eu conduzi-los-ei lá. Tenho um barco a cerca de duas milhas daqui.
Momentos depois, picavam de esporas os cavalos, levando Johnny manietado. Antes de partirem, esquadrinharam os arredores. Tudo lhes pareceu deserto e pensaram que a rapariga teria tido tempo suficiente para se afastar e pôr-se a salvo.
Contudo, Nirva, entre as rochas, observara todos os seus movimentos e vira como levavam Johnny. E, sem eles o saberem, escutara toda a conversa.
Seguindo o rasto da ferradura defeituosa, Samuel Erikman atravessou o rio. Então, viu a rapariga que corria ao seu encontro.
— Senhor Erikman! Eles levaram Johnny.
— Quem?
— Eles. Esses homens, O que se chama Larry e um outro, mais alto e mais forte. Ia com eles um terceiro homem.
— Não o conheço.
— Não?
— Faz-me a sua descrição.
Logo que Nirva acabou a sua bem pormenorizada descrição, Sam julgou saber de quem se tratava.
—É Brown. Não pode haver a menor dúvida.
—Levaram Johnny para um lugar perto do rio...
— Se Brown intervém neste assunto, já sei onde esconderão Johnny... Volta ao povoado, Nirva, e não saias de lá. Estamos a viver uns tempos difíceis e perigosos.
— Quero ir consigo, senhor Erikman.
— Não, por Deus. Não te dás conta do que está a acontecer? São tipos sem escrúpulos e há que detê-los antes que seja demasiado tarde. — Samuel reparou nos dois «cherokees» mortos e ajuntou: — Estás a ver? Isto levantará os teus. Cada nova patifaria que cometam será como uma provocação à guerra, a uma guerra que destruirá os «cherokees» e provocará muitas baixas entre os colonos.
— O meu pai, «Grande Trovão», não é partidário da guerra. Ele sempre respeitou o tratado.
— Bem o sei, pequena... Anda, volta para o acampamento...
— Eu sei onde poderá encontrar uma piroga... Existem muitas na gruta.
— Qual gruta?
— É muito perto daqui... Poderei levá-lo até lá.
Sam deixou-se conduzir pela jovem que, uma vez mais, demonstrou ser uma hábil amazona. Percorreram um atalho entre as rochas e a exuberante vegetação, até chegarem a uma espécie de cotovelo formado pelo rio.
Uma rocha, de grande porte, abria-se numa espécie de arcada, e constituía como uma praia natural, coberta pela abóbada rochosa. Nela, amarradas, encontravam-se algumas pirogas. Nirva insistiu em acompanhar Sam Erikman.
— Sei remar bem e talvez possa ser-lhe útil.
— Está bem. Mas, se te acontecesse algo, jamais me perdoaria.
— O feiticeiro diz que eu viverei muitos anos -- sorriu Nirva, para se pôr, repentinamente, muito séria. —Amo Johnny e não quero que lhe aconteça nada.
— Então, pequena, vamos... Remaremos os dois.
Entretanto, tinham-se reunido, numa clareira do bosque, vários guerreiros da tribo. O centro e chefe daquela reunião, que agrupava uma vintena de «cherokees», era «Cabeça de Alce».
— E preciso que convençam «Grande Trovão» ... — dizia, naquele momento, o ex-chefe pele-vermelha.
Envelhecera bastante, mas, como Sam, também ele conservava o vigor da juventude, e a sua musculatura ainda era impressionante. Com palavras em que se adivinhava o ódio contra os brancos, continuou a incitar os outros:
— Se os «facas compridas» nos atacarem, não seremos suficientes. Necessitamos de todos os nossos irmãos espalhados pelas montanhas. Há que fazer urna chamada geral.
— Só «Grande Trovão» a poderá levar a cabo — objetou um.
— É precisamente por isso que o deverão convencer. Os brancos querem apoderar-se do que nos pertence e chegou a hora de lutar... E de acabar, de vez, com Samuel Erikman... Ele é o principal culpado da atual brandura de «Grande Trovão» ... Onde está o orgulho «cherokee», irmãos? Acaso estas terras não nos pertencem? Expulsaremos os brancos e voltaremos ao esplendor do passado!
Um unânime grito guerreiro rodeou as últimas palavras do exaltado chefe rebelde, que continuou a arengar, procurando levar avante os seus propósitos.
— Acabaremos com todos, mas, antes, torna-se necessário pôr os nossos irmãos em pé de guerra. Com a ajuda, de todos os corajosos guerreiros que se espalham pelas montanhas, aniquilaremos os cobardes «facas compridas».
Um novo grito de júbilo sucedeu àquele incitamento e, depois, alguém puxou por uma garrafa de rum, que começou a passar de mão em mão, queimando as gargantas daqueles homens tão artificiosamente excitados. Improvisou-se, de súbito, uma dança guerreira, sob o olhar de satisfação de «Cabeça de Alce».
— Quando «Grande Trovão» estiver de acordo, voltarei ao acampamento... Quero que, diante de todos, ele me aceite, de novo, como chefe.
— Aceitará! Aceitará! Tu sempre foste o melhor!...
A gritaria subiu de tom e prodigalizaram-se os gestos alusivos à guerra. Os «tomahawks» no ar simbolizavam a destruição do inimigo. Entretanto, rio abaixo, Sam Erikman e Nirva acercavam-se do abandonado armazém.
— Aproximemo-nos da margem, para que não possam ver-nos.
A curta distância e num improvisado ancoradouro, via-se a embarcação que os outros tinham utilizado.
— Devem estar lá dentro. Esperemos — murmurou Sam, remando para a margem.
Permaneceram atentos ao menor movimento que tivesse lugar nas cercanias da cabana, mas passaram alguns minutos sem que se visse qualquer pessoa.
— Espera aqui, Nirva. Aproximar-me-ei a nado.
— Tenha cuidado; eles são três.
Sam tirou a jaqueta de couro e a camisa. Unicamente de calças, segurou a faca de mato com os dentes e lançou-se à água, começando a nadar, silenciosamente, com um único braço. Na mão do outro, que conservava fora da água, levava o revólver, evitando, assim, que ele se molhasse.
Na piroga, Nirva empunhou a espingarda, disposta a servir-se dela, se fosse caso disso. Sam chegou ao ancoradouro e, com extrema precaução, alcançou terra firme. O veterano e astuto caçador parecia encontrar-se nos seus melhores tempos. E, com a vida do filho em perigo, estava disposto a demonstrar que ainda haveria que contar com ele.
Dentro da cabana, armazém clandestino durante a guerra, Johnny encontrava-se manietado e preso a uma velha cadeira. Sentado e com as mãos nas costas, procurava, inutilmente, desembaraçar-se das cordas, cujos nós eram demasiado fortes.
— Eu vou regressar — dizia Brown naqueles momentos. Podem ficar aqui, que eu mantê-los-ei ao corrente do que se passar.
No exterior, Sam encontrava-se já colado à parede da cabana, muito perto da porta. De súbito, tomou impulso e, com um violentíssimo pontapé, abriu a porta, entrando de roldão. Numa das mãos empunhava o revólver e, na outra, a faca de mato.
— Quietos! Só tenho uma bala. Quem quer recebê-la?
Ninguém se moveu. Sam, entretanto, fixou momentaneamente, a atenção no velho candeeiro. Um pouco afastado, havia um barril de pólvora. Sam, lentamente, acercava-se do filho, rodeando uma pequena mesa. Conseguiu chegar junto dele e, sem perder de vista os três facínoras, começou, com extrema cautela, a cortar as cordas que lhe tolhiam os movimentos.
No instante preciso em que Johnny ficava liberto, Brown fez um repentino movimento em busca do revólver, Sam ia a disparar, mas os outros dois puxaram, também, pelas respetivas armas.
— Talvez consigas matar um de nós, mas ainda ficaremos dois para vos liquidar — ameaçou Larry.
— E eu ficarei com tempo suficiente para fazer voar esse barril de pólvora — replicou Sam, lentamente.
Os três homens empalideceram, enquanto o astuto caçador deixava de lhes apontar o revólver, dirigindo-o para o barril de pólvora. A situação era tensa. Nenhum dos bandidos queria acelerar o desastre. No entanto...
Após aqueles segundos de tensão, Johnny tomou a iniciativa. Com rápidos movimentos, atirou a mesa contra Brown, que era o mais próximo.
O taberneiro, perante o inesperado ataque, caiu para trás. O revólver disparou-se-lhe e a bala derrubou o candeeiro que, ao cair no chão, pegou, acto contínuo, fogo ao ressequido soalho de madeira.
— Fujamos daqui antes que isto estoire — gritou Farrel, precipitando-se para a porta.
— Não! Antes, teremos de resolver um assunto — replicou Johnny, lançando-se em perseguição do fugitivo.
—Dispara, Larry! — incitou Brown.
— Quieto! — ordenou Sam. — Já disse o que faria se alguém sentisse a tentação de apertar o gatilho.
Johnny, que alcançara Farrell, empurrava-o, agora, contra a parede da cabana.
— Tens de acompanhar-me, amigo... Morgan reserva-te um alojamento especial. Farrell rebelou-se, O seu punho direito, carregado de dinamite, saiu disparado contra o rosto de Johnny, que foi lançado ao chão, caindo muito perto das chamas, que aumentavam, assustadoramente, de volume.
O bandido dispunha-se a retomar a sua interrompida fuga, mas Johnny, refazendo-se do golpe, voltou à carga, lançando-se contra a porta. Farrell quis repetir o ataque, mas o jovem, dessa feita, esquivou-se e contra-atacou com um demolidor «crochet», que levantou o hercúleo adversário alguns centímetros do chão, Depois, bateu-lhe no estômago e Farrell soltou uma surda exclamação, logo seguida de um grito de dor quando Johnny o atingiu no fígado.
Contudo, graças à sua excecional envergadura, o patife logrou recompor-se e ensaiou um ataque, na tentativa de encurralar Johnny. As chamas acercavam-se, perigosamente, do barril de pólvora.
— Vamos rebentar todos! — gritou Brown, perfeitamente aterrado e correndo para a porta, junto da qual chocou com o jovem Erikman.
A confusão tornou-se ainda maior quando Larry, abandonando todas as precauções, correu, também, para o exterior, lançando-se de cabeça pela janela da cabana.
Sam disparou, mas, nesse preciso instante, Brown tentou imitar o outro, saindo pela janela, e a bala alcançou-o nas costas, derrubando-o, antes de conseguir os seus intentos.
Naqueles caóticos segundos, Johnny, com um certeiro murro, atirou Farrell ao chão, mas o gorila, reagindo e com os olhos desorbitados pelo terror, saltou, também, pela janela. Os Erikman correram em perseguição dos fugitivos, que alcançavam já a piroga.
No interior da cabana, as chamas começavam a lamber o barril de pólvora.
— Para a água, rapaz! — gritou Sam.
Em desenfreada corrida alcançaram a margem, enquanto os dois bandidos fugiam já rio abaixo. Brown, entretanto, paralisado pela dor do ferimento e pelo terror, gritava, como um possesso:
— Eh!... Tirem-me daqui!... Tirem-me daqui!...
Sam e Johnny lançaram-se à água, no instante exato em que uma tremenda explosão sacudia toda aquela zona. A cabana converteu-se num verdadeiro archote, ao mesmo tempo que, muitos metros em redor, começavam a levantar-se inúmeros focos de incêndio, provocados pelos materiais em chamas saldos do que, outrora, fora um armazém clandestino de armas e munições.
Brown, o taberneiro e traficante, jamais poderia ser encontrado.
Entretanto, os Erikman nadavam até à piroga, onde Nirva os aguardava.
— Vamos segui-los! — disse Johnny, referindo-se aos dois bandidos, que lhes haviam tomado já uma considerável dianteira.
Viram-nos dobrar o cotovelo que o rio formava. As águas, naquelas paragens, eram cada vez mais turbulentas e ganhavam uma nova força.
— A cascata! — recordou Nirva. — Estamos muito perto dela.
—É verdade — corroborou Johnny, começando a travar a marcha da piroga. A embarcação dos bandidos perdeu-se na curva do curso de água. Quando voltaram a vê-la, as dois homens tinham-na já abandonado e nadavam, vigorosamente, para a margem.
Os Erikman e Nirva viram-se forçados a imitá-los para não serem arrastados para a cascata, que se despenhava de considerável altura.
Quando conseguiram alcançar chão firme, os dois fugitivos haviam desaparecido já por entre a densa vegetação.
 

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