terça-feira, 3 de julho de 2018

BUF168.5 A sombra da forca

Parrot não podia consentir naquilo. Se John tivesse de ser enforcado, seria conforme a Lei, depois do julgamento e da sentença. Durante a estranha cena passada no silo, tinham sido descobertas coisas significativas. Ninguém podia afirmar que John Pistol fosse realmente o culpado. A sombra da forca também pairava sobre outros. Sobre Liberman, em especial.
Convinha estudar o assunto, dar tempo ao tempo, convocar os juízes, verificar se havia de facto uma estreita ligação entre os acontecimentos de Oklahoma e os de San Ângelo.
— Larguem esse homem!... — ordenou bruscamente o xerife, tendo tomado a sua decisão. — Será julgado legalmente! Ninguém vai enforcá-lo agora!
Mirriat repeliu a intervenção do xerife, com um gesto resoluto. Sentia ferver o sangue. Gozava acariciando a corda que tinha entre as mãos, e só a largaria quando o suposto criminoso estivesse pendurado pelo pescoço. Encontravam-se perto de um álamo de grande porte, junto do rio.
Agora já não eram quinze os vaqueiros que exigiam a vida de John Pistol. Eram mais de cinquenta. Em todo o terreno, à volta, havia gente à espera de assistir ao enforcamento. As quatro mulheres de Trinity Street também lá estavam, atentas.
— Nada de voltar atrás, xerife. A sentença foi ditada por toda a população. Mais vale enforcá-lo hoje do que amanhã.
— Não! É preciso esclarecer muita coisa.
— Nem pensar nisso!... — berrou Mirriat. — Não largo esta corda. Monta a cavalo, John Pistol!
Içaram-no à força. Com as mãos amarradas nas costas, mal podia resistir. Liberman deu uma pancada na garupa do cavalo, que avançou uns passos. Com outro passo mais, John Pistol ficaria suspenso da árvore.
— Eh! Que fazem?... — bradou o xerife, abrindo caminho por entre os homens que estavam na sua frente.
Estendeu os braços e agarrou o cavalo, pelas rédeas. Mirriat, Liberman e outros tentaram empurrar o xerife, para que soltasse o cavalo. Mas Parrot, enfurecidos e resoluto, não cedeu. Estava decidido a impor o respeito pela Lei.
— Que morra! É um assassino!... — exclamou Mirriat, agarrando o xerife.
Parrot voltou-se para ele e deu-lhe uma bofetada. Mirriat respondeu com um soco. O xerife cambaleou, e instintivamente levou a mão ao coldre. Mirriat imitou-o, mas Parrot foi mais rápido. Disparou duas vezes. Mirriat crispou a mão sobre a coronha do Co/t, curvando-se bruscamente. Abriu a boca, tentou levantar a arma... E caiu, morto, nos braços de Liberman.
— Quietos, todos! Matarei quem tentar impedir a ação da justiça! Não haverá linchamentos!... — bradou Parrot, firme. — John Pistol vai ser conduzido à cadeia e será julgado.
Empurrou Liberman, que recuou deixando cair o corpo de Mirriat. Com uma navalha, cortou a corda passada ao pescoço de John. Agarrou as rédeas do cavalo. Não disse uma só palavra mais. Encaminhou-se na direção de San Ângelo. Liberman levou mais de um minuto a sair do seu espanto. Olhou para todos os que o rodeavam, e que pareciam tão espantados como ele.
— Não vamos consentir isto... — exclamou, por fim. — Que quer fazer o xerife? John Pistol tem de ser enforcado agora, seja como for. Estão de acordo?
Esperou a resposta, mas ninguém falou.
— Que dizes, Buck?
— Não sei. As coisas complicaram-se...
— Vamos a ele... — incitou, dando uns passos para diante.
Mas ninguém o seguiu. Voltou-se, enfurecido. Gritou:
— Ninguém tem coragem? O xerife compadeceu-se de John Pistol. Falsa compaixão! John é o assassino! Esperámo-lo durante cinco anos, jurámos que a justiça cairia sobre ele. Desafiou-nos, matou Sloan, organizou a trapalhada das velhas. Agora virão os juízes, complicarão tudo, condená-lo-ão a uns anos de cadeia, ou talvez nem isso. Não podemos permitir tal coisa! John Pistol tem de ser enforcado!
Os homens entreolharam-se. Muitos estavam a deixar-se convencer pelas palavras de Liberman. Catey afastou--se outra vez, e foi esconder-se.
— Vamos a ele!... — berrou um vaqueiro.
Estava lançado o rastilho. Quase todos seguiram Liberman. Tinham de agarrar o xerife antes que chegasse à povoação. Mas não o conseguiram.
Parrot montou no cavalo, atrás de John, e galopou até San Ângelo. Desmontou em frente do seu escritório, e um dos seus ajudantes levou John para uma cela. Havia outro ajudante. Parrot chamou os dois e ordenou-lhes que se armassem com rifles.
— Temos de dominar essa gente. Veremos se se atrevem a vir atacar-nos.
Defendiam, pelas janelas abertas, o edifício que servia ao mesmo tempo de escritório, de cadeia e de residência do xerife. Viram chegar os homens, capitaneados por Liberman e animados, flagrantemente, de sinistras intenções.
— Parem, miseráveis!... — bradou o xerife. — Quem ousar atacar-me será enforcado!
— Não... — respondeu Liberman. — Você está a proteger um criminoso. O desejo de toda a população é unânime. Queremos enforcar John Pistol!
— Ainda não acabaram as investigações. Terá de ser julgado.
— Isso é perder tempo, xerife! Queremos enforcá-lo já!
— Sim, já!... — repetiu um coro de vozes.
Não era possível detê-los. Avançavam com ímpeto. Parrot teria de cumprir a sua ameaça, ou toda a autoridade desapareceria de San Ângelo.
— Se continuarem a avançar, disparo!
Teve de disparar. Os primeiros tiros foram feitos para o ar, mas vendo que os amotinados o alvejavam, Parrot apontou ao monte, no que foi imitado pelos seus ajudantes.
— A coisa põe-se feia, chefe... — disse um dos delegados de Parrot. — São capazes de incendiar a casa.
— Estando nós cá dentro?... — perguntou o outro, visivelmente apavorado.
-- Calem-se e disparem... — ordenou Parrot. — Sou a autoridade, em San Ângelo, e não me renderei. Envenenaram-se os ânimos, mas terão o que merecem.
— Mais vale parlamentar, xerife. São muitos.
— Estás cheio de medo, imbecil... — disse Parrot, entredentes.
— É que... Olhe!
— Já vi. Não se atrevem a atacar, querem incendiar a casa. Mas resistiremos.
— Talvez fosse melhor entregar o preso...
Parrot voltou-se, enfurecido, e aplicou uma bofetada na cara do cobarde.
— Devias ter vergonha, patife!
O homem esfregou a cara e encolheu-se a um canto.
— Para o teu posto, cobarde!... — bradou o xerife. — Nunca pensei que tinha um tipo assim ao serviço da lei.
— Mas é que...
— Para a janela! Juro que hei-de domar essa gente!
Galvanizado pelo olhar do xerife, o homem voltou para o seu posto. Fechou os olhos, mas Parrot sacudiu-o.
— Acorda, poltrão. É preciso que não se aproximem da casa. Nada acontecerá!
Mas, na rua, a atividade dos amotinados era realmente alarmante. Tinham lançado fogo a punhados de era seca e atiravam-nos contra a casa. Mas, como não atingiam o alvo, foram buscar um carro de feno. Deitaram fogo à palha e empurraram o carro contra o edifício de madeira. Passaram uns minutos, de angústia para o xerife. O carro chocara contra a varanda, e as chamas alastravam.
Era preciso apagar depressa o incêndio, ou morreriam queimados. As labaredas entravam pelas janelas. James, o poltrão, recuou, apavorado.
— Que fazemos, xerife?... — perguntou o outro ajudante.
Parrot não respondeu. Na sua mente havia uma confusão tremenda. Não se deixaria dominar, fosse como fosse. Abriu a porta e surgiu, na varanda coberta, entre as chamas e o fumo.
— Quem se atrever a disparar, assinará a sua sentença de morte... — declarou, gravemente. — Esta é a casa da Justiça!
Desceu para o passeio, de cabeça levantada, empunhando os revólveres. Os ajudantes apareceram atrás dele, mais mortos do que vivos, olhando de soslaio para as chamas.
— Esta é a casa da lei. A porta está aberta. Quem se atrever, que entre!
Liberman adiantou-se, decidido a cumprir a suas ameaças. Mas viu imediatamente que ninguém o seguia. Parou, hesitante. Parrot esperava-o, calmo. Compreendia que as suas palavras haviam impressionado a chusma. Buck tinha guardado o Colt e baixara a cabeça. Não era o único.
— Entra, se és homem... — disse o xerife, fitando Liberman.
Liberman deu mais um passo, mas voltou a parar. Estava só e tinha medo. Murmurou:
— Entrega-nos o preso! Pertence-nos!
Parrot riu-se dele. Depois, vendo que as chamas alastravam, ordenou, sem voltar a cabeça:
— James, vai buscar o preso. Não quero que morra queimado. Mas não to entregarei, Liberman. Pertence à justiça.
James reapareceu pouco depois, com o preso. Parecia mais assustado do que nunca. John estava calmo.
— Ali está ele!... — berrou Liberman. — À forca!
Parrot levantou uma das armas.
— Se dás um só passo, és um homem morto!
Liberman não sabia que fazer. O xerife dominava-o diante de algumas dezenas de homens que pareciam transformados em estátuas.
— Entrega o criminoso... — disse ainda, em voz baixa.
O xerife aproximou-se de John Pistol e cortou as cordas que lhe prendiam os braços. Afastaram-se do fogo. Foi John quem respondeu a Liberman.
— Tens muita pressa de que me enforquem, Liberman. É sede de justiça, ou queres fazer esquecer o que as mulheres disseram?
— Cala-te! Ninguém te acredita!
Nesse momento ouviu-se uma voz feminina, nítida e clara:
— Parem!
Todos olharam para a rapariga que tinha falado. Liberman teve uma expressão estranha ao ver que era Glondy, mestiça.
— Tu... — disse, a meia voz.
Glondy afastou-se de Buck e avançou, ficando a igual distância de Liberman e do xerife.
— Conheço Pericot Bryan, que é um patife. Gostaria de o ver em San Ângelo.
— Que tem Pericot a ver com isto?... — perguntou o jogador, asperamente.
— Muito. Ele deu-te dinheiro.
— A mim?
— Sim. Sou bastante desconfiada e tenho os olhos abertos...
— Que me importa isso?
— Importa-te, sim. Soube, por Buck, que tu tinhas começado a prosperar depois da morte de Nancy. Podes explicar como?
— Trabalhando.
— E o dinheiro que Pericot te deu, em pagamento?
John Pistol agradecia intimamente a intervenção da jovem. As palavras dela abriam novos horizontes para acusar Liberman. Pensou que nunca se lembrara de que Pericot Bryan tivesse assassinos a soldo.
— É verdade, xerife, que Liberman prosperou depois da morte de Nancy?... — perguntou ele a Parrot.
— Sim, é verdade. Parece que teve uma sorte inesperada. Comprou terra e gado. Nunca lhe perguntei de onde vinha o dinheiro, mas agora poderá dizer-nos.
Liberman lançou um olhar feroz à mulher.
— Tinha economias, dos meus tempos de jogador profissional.
— Bem, pelo menos reconheces que foste um trapaceiro... — disse o xerife. — Mas não falaste nisso, nunca. Porquê?
— Não me convinha. Mas tinha dinheiro.
— Hum! Nessa época Liberman frequentava o meu saloon e poucas vezes pagava o que bebia... — disse Catey. — Talvez ainda me deva algum dinheiro...
— Cala-te, cobarde! ...— explodiu Liberman. — Sempre tive dinheiro. Por que mentes?
Aproximou-se de Catey, agarrou-o pelo colete e sacudiu-o.
— Nunca me faltou dinheiro. Tu sabe-lo bem. Fala!
Catey empalideceu, com medo. Balbuciou:
— Desculpa... Eu... enganei-me... não sabia o que estava a dizer... Passaram muitos anos, fiz confusão... Houve uma vez em que nos batemos por causa das belezas de Nancy, mas...
— Eu bati-te, essa é a verdade!
— Sim, bateste-me... — murmurou Catey, atarantado.
Liberman voltou-se para o xerife, mais afoito:
— Nada disto interessa. O que importa é John Pistol ser o criminoso. Voltemos ao álamo e acabemos a tarefa!
Parrot abanou a cabeça, pensativo. Olhava as chamas que destruíam a casa, mas o seu espírito estava muito longe dali, em Oklahoma, com Pericot Bryan...
— Queres dizer que tudo está mais obscuro e complicado do que nunca, Liberman. John Pistol defende-se e acusa-te. Quem foi o miserável assassino? Sabê-lo-emos. Não me convencem as tuas explicações sobre o dinheiro. Admito a ideia de que Pericot te pagasse por um trabalho difícil.
— Não lhe admito...
— Cala-te! Estou na disposição de esclarecer tudo. Quero saber como te chegou esse dinheiro. Pericot o dirá, se souber.
— Como? Que quer dizer
— Que chamarei Pericot Bryan.
John interveio imediatamente:
— Mas então prenda Liberman. Ou que algum dos seus ajudantes o vigie, porque Liberman tentará avisar Pericot para que ele diga o que lhe convém. Entende?
— Prender-me, a mim? Ou mandar-me espiar?... — protestou o jogador. — Não consentirei...
— Cala-te e acalma. Verei o que vou fazer contigo... — atalhou Parrot. — Glondy! Que sabes de Pericot Brian?
— Trabalhei no saloon dele... — respondeu a rapariga, olhando furtivamente para Buck.
— Para atrair jogadores?
— Não. Cantava melodias índias. Ele pagava-me miseravelmente. Paga mal e exige muito, chegando mesmo... — interrompeu-se, olhando de novo para Buck.
— Compreendo. Um tipo nojento... — disse Parrot.
— É uma hiena, mas é o senhor da terra. Se algum rival o incomoda, não hesita em apertar o gatilho, ou em pagar a quem o faça. Para ele é o mesmo.
— E ninguém lhe deu uma lição, ainda?... — exclamou Parrot.
— É difícil, xerife. Anda sempre com um guarda-costas, quando não são dois.
— Pois quero vê-lo. Este assunto passa para as mãos dos juízes de San Ângelo. Eles o citarão.
— Que quer dizer? Vai remexer o caso?... perguntou Liberman, ansioso. — Vou continuar a investigação. Não podemos enforcar um inocente, deixando talvez livre o verdadeiro culpado.
— Fala de mim?
— Tu lá sabes.
Voltou as costas a Liberman, fazendo sinal aos seus dois ajudantes. Afastaram-se uns passos e falaram em voz baixa. Depois, Parrot enfrentou a multidão.
— Não há mais que falar. Foi preciso que John resistisse, para que as coisas fossem pensadas como deviam ser. Esta mesma semana enforcaremos o criminoso, prometo isso.
— E que se passa entretanto com John Pistol?... perguntou Buck.
— Fica em liberdade sob palavra. Liberman também. Nos próximos dias, nenhum deles poderá sair da povoação. O que desobedecer será preso e julgado. Entendido?
— É bastante claro, xerife... — disse John.
— Dispersem. É tarde de mais para apagar o fogo, mas entre todos construiremos outra casa. Vamos!
Dispersaram, pouco a pouco. Parrot esperou que desaparecesse o último, que foi Liberman. O jogador ia vermelho de raiva. Tinha visto John afastar-se em companhia de Buck e de Glondy. Começava a sentir-se desesperadamente só... e a caminho da forca. Avizinhavam-se maus dias para Liberman, o trapaceiro que servira Pericot Bryan.

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