terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

PAS848. Capaz de matar o próprio filho

A figura daquele homem pareceu vagamente familiar a Richard Sutton. Mas não teve tempo de o examinar detalhadamente.
0 recém-chegado avançou para ele como uma fera. Sem deixar de lhe apontar o revólver, aplicou-lhe um soco nos queixos que o fez cambalear, arremessando-o de encontro ao balcão.
— Vou matar-te, como a um cão!
Mae soltou um grito de angústia e agarrou-se ao braço que segurava o revólver.
Lutou desesperadamente, durante uns momentos, pela posse da arma. Soou uma detonação e uma bala roçou pela cabeça de Sutton, mas, vibrantes e encolerizadas, ouviram-se as palavras de Mae:
— Suspenda, seu monstro! Ou quer matar seu próprio filho?
Fez-se a luz, de repente, no espirito de Sutton. A figura do recém-chegado parecera-lhe familiar pela simples razão de que se tratava de seu pai, em pessoa, a quem não via havia mais de oito anos.
Instantaneamente Mae e Michael deixaram de lutar.
Richard viu que seu pai ficava hirto e completamente paralisado como se acabasse de ser fulminado por uma descarga elétrica. No seu rosto estampara-se uma expressão de infinito assombro.
Olhou espantado para o revólver que empunhava e, largou-o tão depressa como se tivesse tocado ferro em brasa.
— Deus do céu! -- exclamou.
O encontro com seu pai foi, para Richard Sutton, inesperado e brutal. Passou-se mais de um minuto antes que pudesse reagir e quando o conseguiu sentiu-se moralmente quebrado. Tinha o espírito embotado.
Fisicamente, também não se sentia bem. Sentia umas náuseas indescritíveis. Tinha a cabeça à roda e as pulsações do coração latejavam em todas as suas veias.
Conseguiu, a custo, serenar. Fixou os olhos em seu pai que também o contemplava como se fosse aquela a primeira vez que o via.
Achava-o muito mudado. Os últimos oito anos não tinham passado debalde. Se se tivesse cruzado com ele numa rua de qualquer cidade, não o teria reconhecido.
A razão era simples. Michael Sutton tinha cinquenta anos, mas aparentava ter já muitos mais. Estava esgotado. Tinha profundas rugas na cara e bolsas sob os olhos cansados e raiados de sangue.
Olhou para Mae, que se encostara ao balcão, intensamente pálida, como se as pernas se recusassem a sustentá-la em pé.
Michael Sutton tomou a palavra:
— Que fazes aqui, em Chalperton?
— Acabo de chegar de Nova Iorque e estou de passagem para Atwell Springs.
— Porque não me avisaste?
— Para quê? Interessas-te, porventura, pelas minhas andanças? Durante oito anos apenas recebi três cartas tuas. Talvez estejas convencido de que foram suficientes, mas, para mim, que sou o teu único filho, não passaram de urna bem fraca esmola paternal.
Havia um ressentimento latente nas frases trocadas entre os dois homens... e uma absoluta, uma total incompreensão!
Michael Sutton fez um gesto com o queixo na direção de Mae.
— Que papel representa aqui essa mulher?
— Apenas o de uma pessoa que se encontra dentro de sua própria casa.
— Surpreendi-vos aos beijos um ao outro.
— E então? Que tem isso de extraordinário?
— Penso que ela se valeu das suas manhas para te iludir... essa mulher não passa de uma cadela.
— Cala-te! Não te refiras assim a uma mulher honesta que tem sabido defender-se das tuas infames ciladas.
Ao replicar a seu pai, Richard avançara inconscientemente contra ele, em atitude ameaçadora.
Michael Sutton manteve-se na expectativa, observando-o com as pupilas aceradas, através das pálpebras semicerradas.
— Não vais agredir teu próprio pai, não é verdade?
Richard deteve-se bruscamente... e abaixou a cabeça.
— Perdoa-me... Estava fora de mim. Lastimo-o sinceramente.
As desculpas de Richard não acalmaram seu pai. Pelo contrário, fizeram que o seu ressentimento lhe acudisse aos lábios com maior impetuosidade.
— És demasiado novo, rapaz. Falta-te a experiência. Não sabes distinguir a diferença que separa uma mulher honesta de uma mulher ordinária, cuja única satisfação, é despertar paixões aos homens que a rodeiam para ficar a rir-se deles, depois de sentir lisonjeado o seu amor--próprio.
Richard ouviu, perplexo, aquela insultante verborreia. Estava simplesmente horrorizado e sentia-se incapaz de reagir porque o natural respeito por seu pai o paralisava por completo.
Foi um dilacerante soluço de Mae que o fez voltar à realidade. Fechou os ouvidos às palavras de seu pai e acercou-se da jovem.
Tinha os cotovelos fincados no balcão e apertava as mãos na cabeça, chorando convulsivamente.
— Deus meu, Mae! Por favor. Está-se-me partindo o coração ao ver-te chorar dessa forma.
Richard pôs-lhe as mãos suavemente nos ombros. Ela olhou para ele, amorosamente, através das lágrimas que lhe alagavam os olhos e escondeu a cabeça no seu peito viril.
Michael Sutton tinha-se calado, mas, após um breve silêncio, soltou uma sonora gargalhada.
— Que cena tão enternecedora! para rebentar de emoção!
Richard não ligou importância. Os soluços de Mae iam diminuindo pouco a pouco e esperou que desaparecessem de todo.
— Retira-te, querida. Deixa-me só com ele. Peço-te.
— Sim, Dick. Como for da tua vontade.
O jovem cingiu-lhe a cintura com o braço direito e conduziu-a, muito encostada a si, até à porta do esta-belecimento.
— Eu encarrego-me de fechar a porta.
Ela concordou com um gesto e deu um beijo na face de Richard.
Este não tivera ainda tempo para examinar os seus próprios sentimentos acerca de Mae, mas, naquele momento, adquiriu a certeza de que estava perdidamente enamorado daquela mulher.
Esperou que ela dobrasse a esquina do edifício e voltou a entrar no estabelecimento.
Seu pai tinha-se sentado a uma das mesas; apoiava o braço esquerdo no tampo da mesa e tinha a cabeça encostada à palma da mão.
Pareceu-lhe tão cansado que sentiu uma infinita compaixão por ele.
Arrastou uma cadeira, aproximou-se e sentou-se do outro lado da mesa.
Michael Sutton continuou imóvel, sem dar pela presença do filho. Este esteve-o observando alguns instantes e, por fim, perguntou:
— Deve sentir-se muito satisfeito pela sua forma de proceder, não é verdade?
Michael Sutton levantou a cabeça.
— Olha, rapaz: o facto de eu estar ou não estar satisfeito é coisa que não tem o mínimo interesse` para ti.
Fez uma pausa, sem deixar de observar Richard, recostou-se na cadeira e cruzou os braços. Quando retomou a palavra, a sua voz tinha um acentuado cunho de tristeza, e as suas falas eram lentas e espaceadas.
— Encontro-me numa situação completamente nova para mim. Acontece que amo uma mulher há vários anos. Tenho feito tudo quanto é possível para casar com ela e ela obstina-se em desprezar-me cada vez mais. De repente, entra em cena um jovem presumido, e ela fica apaixonada num abrir e fechar de olhos.
Michael Sutton calou-se. A sua boca torceu-se num trejeito chocarreiro e continuou:
—Uma mulher que tenho de disputar a meu próprio filho. E muito engraçado!
E, logo a seguir:
—Responde: conheces algum meio para resolver esta situação?
Richard nunca tinha conhecido bem seu pai. Agora é que ele o compreendia. A sua forma de falar, o seu comportamento, todo ele, enfim, se lhe afigurava completamente estranho. Mesmo agora, não saberia dizer se estava a brincar ou a falar a sério.

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