quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

PAS844. O fim dos preconceitos

-- Patrão! Olhe!
Amos Johnson encontrava-se a meia milha do seu rancho, inspecionando os estragos causados pelo nevão, pelo que era dado ver, não tinham sido muito grandes. Se o frio não aumentasse, em meia dúzia de dias teria desaparecido a camada de gelo ártico, trazido pelo vente em forma de pó. Ao ouvir a voz do seu vaqueiro, voltou -se na direção apontada por este.
Doze a catorze cavaleiros, embiocados em amplas capas, tal como ele e os dois vaqueiros que o acompanhavam também estavam, dirigiam-se decididamente para sua casa.
Durante uns segundos ficaram os três a olhar para o grupo que se aproximava. A distância a que se encontravam não lhes permitia distinguir as feições de quem quer que fosse. Porém, a direção de onde provinham indicava perfeitamente de quem se tratava.
— São os Withers... e não creio que nos venham fazer uma visita de cortesia! — disse, ao mesmo tempo que tocava ao de leve com as esporas na barriga do cavalo. — Vamos ao seu encontro.
— São muitos para nós, patrão — arriscou o vaqueiro que primeiro os havia visto. — Talvez seja melhor recolhermo-nos ao rancho.
Johnson fitou-o com um olhar duro.
— Tens medo deles?
— Não, mas... — o rapaz baixou a vista, um pouco envergonhado.
— Vamos!
Os outros já os haviam visto, mas não tinham feito qualquer movimento hostil. Amos Johnson e os seus dois vaqueiros colocaram-se na frente deles, obstruindo a passagem.
Dan Withers e um outro que Amos tinha visto antes, mas logo identificou como sendo seu irmão, marchavam à cabeça. Todo o grupo apresentava um ar de poucos amigos e uma expressão decidida.
— Já haveis reparado que este não é o vosso rancho? — interrogou Johnson com modos bruscos.
— Quem é este sujeito? — perguntou Jeff ao irmão.
— Amos Johnson em pessoa.
Então deixa que seja eu a responder-lhe. — E, voltando-se para o proprietário, prosseguiu: — Não sei por que se admira. Suponho que aqui deve ser um hábito generalizado invadir as terras dos outros. Porque não pede a opinião aos seus homens, que ainda ontem mataram um dos meus vaqueiros... dentro dos limites d nosso rancho?
Johnson ficou pálido de raiva.
— Os meus rapazes não são assassinos!
— ...E aos que há cerca de duas semanas nos assassinaram dois pastores, obrigando depois cerca de um milhar de ovelhas a despenharem-se num precipício, não falando já no incêndio que provocaram e nos poderia ter destruído as pastagens? — continuou Jeff, como s não tivesse dado pela interrupção.
Amos levou a mão ao revólver, no que foi imitado pelos seus vaqueiros. Aquela acusação ultrapassava todo os limites...
Mas tinham-se esquecido de que estavam a lidar com experimentados gun-men. Ainda eles nem sequer tinham conseguido fechar as mãos sobre os punhos das armas já estavam cercados por uma floresta de revólveres que os visavam.
Dan, agindo rapidamente, e sem pensar que estava arriscando a vida, obrigou o seu cavalo a dar um salto interpondo-se aos dois grupos.
— Não sejam loucos..., todos vocês! Deixem lá os revólveres! — gritou.
— Sai daí, Kid — avisou Jeff com um sorriso cruel, a bailar-lhe nos lábios. — Este assunto vai ficar resolvido já... e à nossa maneira.
— Calem-se! — berrou enfurecido o mais novo do Withers. E virando-se para o irmão, continuou: — Já te tinha dito, e volto a repetir-te agora, que não acredito que Amos tenha alguma coisa a ver com essa história por muito que ele odeie as ovelhas.
Lije foi morto junto dos limites do seu rancho — insistiu Jeff. — Terá de arranjar uma boa explicação, se quiser que o acreditemos.
Dan fitou de novo o pai da sua noiva.
— Tem alguma coisa a dizer a este respeito, Amos?
— Absolutamente nada. Não dei ordens, fosse a quem fosse, para que vos molestasse. Fico satisfeito só com o não vos ver... desde que vocês não entrem nas minhas terras. E posso dizer o mesmo de Noah. Temos conversado muito nestes últimos dias. Tratem de arranjar lar que essas porcas ovelhas que haveis trazido para a região não estorvem os outros, e nenhum homem decente se meterá convosco!
— Estás a ver, Jeff? — exclamou Dan, esperançado.
— Não passam de palavras — replicou este, que não ficara nem muito nem pouco convencido. — Se só formos a exercer represálias quando tivermos provas de quem é o nosso inimigo, bem podemos começar a fazer as trouxas.
— Posso garantir que não serei eu quem irá pedir para vocês ficarem — esclareceu o rancheiro, aproveitando a deixa.
Não precisamos que nos peça nada, amigo... nem para irmos, nem para ficarmos! Quanto à sua boa vontade, eu não sou tão crédulo como este. Quererá dizer-me o que faziam você e o outro homem honrado de região, esse tal Leigh, enquanto o Kid era despojado de tudo o que possuía, até ficar reduzido ao que tinha no corpo. inclusive a bala nos costados?
— Eles também perderam muita coisa, Jeff! — intercedeu Dan. — Falei-te nisso várias vezes.
— Não sejas palerma! — insultou Jeff que, excitado, estava pronto a explodir à mínima provocação. — Isso foi o que eles te disseram. Mas então como se explica o facto de eles continuarem na mó de cima, enquanto tu estás arruinado? O que seria feito de ti se nós não tivéssemos vindo? Bolas! Mas que lindos amigos tu arranjaste! Garanto-te que passarias muito melhor sem eles... De futuro, será bom que eles tenham sempre presente o seguinte: do mesmo modo que permitiram que tu te afundasses, sem mexerem um dedo para te ajudar, também nós faremos o mesmo quando chegar a sua vez. Cada qual tratará de si... e ai daquele que se cruze no nosso caminho!
Estava de tal modo dominado pela cólera, que algumas das suas palavras eram quase ininteligíveis. No entanto, a ameaça era bem clara; tão clara que quando eles fizeram meia volta e tomaram o caminho do rancho de Rockies, Amos Johnson, saindo do estado de aturdimento em que o lançara aquela torrente de ameaças e censuras, virou-se para os seus, vaqueiros e, contrito, admitiu:
— Creio que ele tem alguma razão, moços. Como nos não amargava... deixámos que o Dan se desembaraçasse sozinho. A minha filha apelidou-me muitas rezes de egoísta, e agora vejo que não andava muito longe da verdade...
— Não passam de uns porcos pastores de ovelhas, patrão! Deixe-os lá!
— Estás obcecado pelos preconceitos que todo criador de gado bovino alimenta contra as ovelhas. Eu também enfermo do mesmo mal, mas isso não me impede de pensar com clareza. A verdade é que até agora não deram o mínimo sinal de quererem invadir as terras destinadas às vacas, nem sequer no seu próprio rancho. E isto não é tudo. Sabeis o que penso?
Os dois vaqueiros encolheram os ombros, em sinal de ignorância.
— Que ainda tem razão noutra coisa. Os Whithers, presentemente, são os mais fortes do vale. Os tipos que os escoltavam mais pareciam pistoleiros do que qualquer outra coisa. Weser há-de pensar duas vezes antes de se meter com eles. Quem nos diz que não chegou a vez de nós soçobrarmos... e de serem eles a assistir ao espetáculo?
— Que acha que devemos fazer? Que nos aliemos a eles?
Johnson abanou a cabeça em sinal de dúvida.
— Dan, talvez... Mas o seu irmão não quererá saber de nós para nada. Vamos a casa de Noah. Tenho de lhe contar o que se passa, e aproveitaremos para ver que tal se tem portado o seu gado com este tempo.
Os catorze homens do rancho dos Withers atravessaram a propriedade de Johnson, cortando em diagonal. À medida que se iam aproximando do rancho da Rockies, Sammy Eden sentia-se cada vez menos tranquilo. Não tinha a menor graça acabar por se ver envolvido numa refrega em que estava sujeito a receber um balázio dos seus próprios amigos, ou, o que viria a dar no mesmo, que estes vendo-o fazer parte do grupo, o considerassem um duplo traidor. Por causa das dúvidas, foi diminuindo o andamento, até ficar na cauda da coluna. Mais do que isso não se atrevia a fazer, receando chamar a atenção.
— Esses cabeços aí indicam a linha divisória deste lado — esclareceu Dan. — Os edifícios ficam apenas a uma milha.
Os cavalos avançavam sem ruído sobre o branco manto de neve. Foi este facto que lhes permitiu chegar sem serem ouvidos junto de um grupo de quatro homens, os quais estavam preparando o almoço em frente de uma cabana.
Tanto uns como outros ficaram surpreendidos perante o inesperado encontro. O primeiro a ver os visitantes pôs-se em pé de um salto, empunhando o se revólver, enquanto gritava à laia de aviso:
— Cuidado, rapazes!
Foi a primeira vez que Dan lançou mão de uma arma na presença de seu irmão, tendo intenção de a usar. E tão fulminante foi a sua ação que o homem da Rockies, já tinha caído de costas com uma bala entre os olhos e ainda os outros não se tinham refeito da surpresa.
O revólver do homem disparou contra o chão, pois ele ainda nem sequer tinha tido tempo de o levantar, quando o espasmo da morte lhe fez apertar o gatilho.
— Bom tiro, Kid... — elogiou Jeff, admirado. — Nem eu próprio teria feito... Fred!
Acabava de identificar um dos outros três que se haviam posto de pé, com as mãos no ar. O seu antigo subordinado estava mais pálido que os restantes, pois não ignorava que, para si, o fim daquela entrevista era a morte.
Sammy Eden, cada vez mais assustado com o aspeto que o caso estava a tomar, adiantou-se de revólver em punho, pronto a disparar contra o seu amigo, dissimulando os seus verdadeiros motivos com uma torrente de injúrias:
— Traidor! Canalha! Era tu que...
Absolutamente desnorteado, pensou que o melhor processo de evitar que Fred dissesse alguma coisa que o pudesse comprometer seria matá-lo. Mas no momento em que ia levar a cabo os seus intentos uma bala incrustou-se-lhe no peito. O estampido do tiro de carabina permitiu localizar o atirador no cimo do cabeço que acabavam de contornar.
Sammy tombou da sela. Houve uns momentos de confusão que os outros três apaniguados de Weser aproveitaram para fugir em todas as direções. Entretanto a carabina continuava a entoar a sua canção de morte.
Outro dos homens de Jeff caiu de braços abertos quando um projétil lhe trespassou o cérebro. Um cavalo relinchou de dor ao sentir uma queimadura proveniente do terceiro disparo, caindo e arrastando o seu cavaleiro na queda.
Era inútil tentar dar ordens no meio daquela barafunda. A pé ou a cavalo, cada um corria para o seu lado, procurando um local para abrigar-se. Só ao fim de alguns segundos a luta assumiu um aspeto de batalha organizada.
Fred, o que melhor soubera aproveitar a oportunidade, galopava como um possesso em direção ao lancho. Os seus dois companheiros tinham-se encerrado na cabana, valendo-se da proteção do outro que continuava a disparar a coberto das rochas.
De carabina na mão, Dan arrastou-se até chegar junto de seu irmão.
— Temos de nos safar depressa daqui, Jeff. Aquele tipo dará o sinal de alarme, e o rancho não fica longe.
— Julgas que ainda não reparei no lindo sarilho em que, estamos metidos? Dá cá essa carabina. Temos de fazer calar o fulano que está ali em cima.
— É Smiley — informou Dan, reconhecendo-o. -- Deixa-o comigo.
Procurando esquecer os projéteis que zumbiam a sua volta, o mais novo dos Withers meteu a arma à cara, apoiando-se na rocha que lhe servia de escudo. A distância era bastante grande e o outro conservava-se bem oculto, não se mostrando senão o estritamente necessário para visar os que se encontravam em baixo.
Jeff começou a impacientar-se vendo a calma comi; que seu irmão fazia pontaria. Abriu a boca para protestar, mas, exatamente nesse momento, a carabina cuspiu a sua carga mortífera, envolta numa labareda de fumo.
Ao longe, lá no alto, uma arma voou pelos ares. O seu 1 proprietário pôs-se de pé, como se quisesse agarrá-la, mas, em vez disso, caiu de cabeça para baixo pelo declive escarpado, embatendo e rasgando-se de encontro às finas arestas dos penhascos.
Quando o seu corpo se deteve uns metros abaixo não dava o mínimo sinal de vida. Morrera quase instantaneamente.
— Em marcha! — comandou Jeff, felicitando intimamente Dan pela pontaria que havia demonstrado, tanto com a carabina, como com o revólver.
Erguendo-se sem deixar de fazer fogo sobre os homens que se tinham refugiado na cabana, retrocederam para o local onde se tinham reunido os cavalos. O momento não era muito indicado para se dirigirem à Rockies e tentarem falar com Weser. Jeff decidiu que noutra oportunidade... que tinha intenção de fazer surgir o mais depressa possível, iriam deixar um cartão de visita mais airoso que o presente.
Para já, tinham mostrado os dentes e provado que os sabiam usar.
Quando já se afastavam a todo o galope, puderam ver o numeroso grupo de cavaleiros que se aproximava da cena de batalha. Felizmente, demasiado tarde para fazerem outra coisa que não fosse enterrar os mortos.

Sem comentários:

Enviar um comentário