domingo, 25 de fevereiro de 2018

BIS156.01 Demasiado jovem para odiar

O som produzido pelas ferraduras, ao golpearem as pedras avermelhadas do deserto que se estendia ao norte do rio Gila, alarmou um lagarto quo apanhava sol sobre uma rocha. O animal pareceu indignar-se ao ver que uns intrusos rompiam a sua calma. Olhou-os fixamente através dos seus olhos frios e, apos sacudir a cauda, desapareceu por uma profunda fenda.
Karl Ritter, um velho alemão que se havia mudado para o Arizona durante a sua juventude, levantou o braço direito em sinal de alto. Karl era um homem de cinquenta e seis anos, de estatura mediana, largo de ombros e de rosto corado.
Passou o dorso da mão pela fronte perlada de suor e olhou para o seu amigo e sócio Cole Treger. Este ainda não havia atingido a casa dos cinquenta, mas parecia ter alguns setenta, com o seu rosto sulcado por uma infinidade de rugas.
O terceiro e ultimo membro do pequeno grupo era um rapaz de doze anos, de rosto sardento e cabelos castanhos. Era o filho de Karl; Dieter Ritter. Os dois homens e o rapaz atravessavam o deserto de Sul para Norte, procurando a corrente do Salt River para seguirem depois o seu curso até Phoenix.
Uma semana antes, haviam saldo de um povoado situado a Oeste da «Meseta do Intrometido», levando à arreata duas mulas carregadas de prata. Dirigiam-se para a capital do território do Arizona para registarem a mina que tinham descoberto. O povoado chamava-se Desolação e o nome havia sido escolhido com pouco acerto.
— Tenho a impressão de que alguém nos vem a seguir desde que saímos de Desolação — disse Karl Ritter, apoiando uma mão sobre o ombro de seu filho.
— Ira Holker tinha muito interesse em saber a rota que íamos seguir — comentou Cole, começando a procurar nos bolsos um resto de tabaco. — E em descobrir a localização do nosso jazigo acrescentou Karl, carregando o seu velho cachimbo.
O pequeno Dieter olhava à sua volta, procurando descobrir o lagarto que havia fugido quando sentira a aproximação dos seres humanos. Entre as calças e a camisa usava um pesado revólver de calibre «44».
Tinha sido seu pai quem lho dera e a arma estava completamente inutilizada, visto que tanto o percutor como o gatilho haviam desaparecido. Mas Dieter sentia-se seguro com o revólver e nunca se separava dele. Lamentava apenas não possuir um cinturão-cartucheira e um coldre brilhante.
— Holker nunca me agradou, e embora passe por ser um homem honrado, tenho a certeza de que é um perfeito canalha — disse Cole, que finalmente havia encontrado a sua bolsita do tabaco.
— Tens razão. Anda sempre rodeado de quatro tipos que têm todo o aspeto de verdadeiros bandidos — comentou Karl, acendendo o seu cachimbo.
— Mike Collins tem no pescoço o sinal deixado por uma corda... e ninguém vai pôr uma corda à volta da garganta só para presumir. Geralmente, há outros homens que se encarregam disso — disse Cole.
— Trevor Walter, Jo Dobson e Joe Siedel não têm nenhum sinal no pescoço, mas creio que têm perfeito direito a ele.
— É mau, o senhor Holker? — perguntou Dieter.
— Eu diria que é pior que uma serpente cascavel —grunhiu Cole.
Karl Ritter não disse nada, mas os seus olhos percorreram toda a extensão de terreno que se abria ante eles. Encontravam-se a pouco mais de um quilómetro de um conjunto de elevações escarpadas. Era um aglomerado monótono de penhascos vermelhos, desprovidos de vegetação e povoados por grande quantidade de plantas espinhosas. Quebradas, trilhos e estreitos desfiladeiros atravessavam o conjunto de lado a lado.
— No outro lado fica a corrente do Salt River — informou Karl.
— Bem, vamos continuar para a frente. Tenho uns desejos desesperados de me deixar cair nas águas do rio — respondeu Cole.
Cada homem tomava conta de uma mula e o rapaz caminhava ao lado de seu pai, sem deixar de acariciar a coronha do inútil revólver. Em cada animal ia uma grande quantidade de prata pura, pois Karl e Cole tinham-na separado do chumbo.
O jazigo que haviam descoberto era muito rico e achava-se a poucas milhas a Este de Desolação. Por esse motivo, puderam trabalhar tranquilamente, separando a prata dos outros minerais.
Mas para explorarem devidamente o jazigo precisavam de muito dinheiro para comprarem maquinaria adequada. Era esse o motivo que os fazia ir a Phoenix com a prata. Vendê-la-iam ali e ao mesmo tempo registariam a mina para que ninguém se apoderasse dela.
Karl tinha feito um pequeno mapa sobre a pele de um coelho e levava-o escondido junto ao peito. Mas em Desolação havia homens ansiosos de enriquecerem rapidamente e com o mínimo de esforço. O velho alemão, que havia abandonado a sua cidade de Dresden para fazer fortuna, sabia-o e receava ser atacado antes de chegarem a Phoenix.
O pequeno grupo continuou na sua rota em direção ao Salt River e o lagarto saiu da profunda fenda e voltou a refastelar-se sobre a rocha. Para ele, a calma e a tranquilidade tinham voltado ao deserto e podia tomar os seus banhos de sol sem o mínimo perigo.
Uma estranha inquietação apoderou-se de Karl à medida que se iam aproximando do conjunto das elevações escarpadas. Os seus olhos inquietos percorreram as altas paredes de rocha e detiveram-se numa ampla passagem.
— Atravessaremos as montanhas naquele ponto — disse, assinalando o amplo desfiladeiro.
Cole lançou um grunhido que queria dizer que estava de acordo e Dieter limitou-se a olhar para diante. Para ele, aquela viagem cheia de perigos resultava uma diversão depois dos meses passados na mina.
Por volta do meio-dia atingiram a entrada do desfiladeiro e novamente a inquietação se apoderou do velho Karl. O seu olhar observou todos os pormenores e estremeceu ao ver as altas paredes de pedra avermelhada. Teve a certeza de que a Morte havia cavalgado muitas vezes ao longo daquela passagem e só desejou que, naqueles instantes, o pequeno Dieter se pudesse encontrar a muitos quilómetros daquele lugar. Mas, infelizmente, o seu filho estava a seu lado, como sempre havia estado. A mãe morrera quando ele nasceu, e Karl nunca se havia separado do rapaz.
Karl Ritter pensava em Ira Holker e também nos «apaches» de Jerónimo. Sabia que naquela região existiam milhares de esconderijos naturais onde um homem ou um grupo podiam ocultar-se durante muito tempo sem serem descobertos.
Holker e os seus quatro cúmplices podiam estar muito perto... e os «apaches» de Jerónimo podiam surgir em qualquer instante, como se brotassem da própria terra.
— Para a frente — ordenou, conduzindo a sua mula para a entrada do desfiladeiro.
Dieter não se afastou do seu lado e Cole seguiu-o, lançando maldições porque a sua mula se negava a andar. Por fim, conseguiu que o teimoso animal seguisse as marcas deixadas pela outra mula. Karl empunhou o rifle que ia colocado sobre os sacos que continham a prata e, sem deixar de lançar olhares inquietos para as altas paredes, manejou a alavanca de alimentação e introduziu um projétil na câmara.
— Receias algo? — perguntou Cole, que se tinha colocado a seu lado.
— Nestas terras selvagens, temos de contar sempre com o pior — retorquiu Karl.
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Milhares de anos antes, o desfiladeiro tinha sido, certamente, o leito de um rio. Havia grande número de rochas pelo solo e nas paredes apareciam grandes e profundas fendas. O solo era uma mistura de areia e de pó avermelhado. Havia ali matas de artemísia, pequenas acácias retorcidas e zimbros poeirentos.
O velho Karl conduzia a sua mula através do labirinto de pedras e plantas espinhosas. Um instinto desconhecido avisava-o de que o perigo estava muito próximo. Mas não podia saber que espécie de perigo se podia abater sobre ele, Dieter e Cole. No entanto, fosse de que espécie fosse, seria sempre mortal.
Tinham percorrido metade do desfiladeiro quando o perigo que Karl adivinhava se converteu numa dolorosa realidade. Uma descarga seca rompeu a calma do meio-dia, e os ecos dos disparos foram ecoando de parede em parede até que se apagaram.
Cole Treger tombou com o corpo atravessado por três projéteis, e a sua mula, atingida por outros dois balázios, deu um terrível salto para a frente e depois rolou pelo solo, escoiceando furiosamente, como se quisesse afastar a morte com as patas.
Karl empurrou Dieter, até que o deixou no interior de uma fenda, perfeitamente protegido dos disparos. O rapaz não teve tempo de protestar porque tudo aconteceu com grande rapidez. Uma segunda descarga atroou o desfiladeiro e os cinco projéteis arrancaram uma chuva de lascas às pedras.
Karl, com o rifle entre as mãos, afastou-se da fenda. Não queria que uma bala perdida acertasse no pequeno Dieter. Correu para uma rocha, a fim de se proteger e de replicar ao fogo que os seus cinco inimigos lhe faziam.
— Maldito Holker! — murmurou enquanto corria.
Nunca chegou a alcançar a rocha. Apenas se tinha afastado dez metros da fenda onde Dieter se encontrava, quando dois projéteis lhe bateram no centro das costas e o empurraram brutalmente para a frente. Tropeçou e acabou por cair de joelhos. Um terceiro projétil penetrou-lhe na nuca e saiu-lhe pelo olho esquerdo, causando-lhe morte instantânea.
Um grito de triunfo brotou de um montão de pedras, de onde os cinco agressores haviam disparado com toda a tranquilidade. Nenhum deles havia visto o lugar onde Karl tinha escondido o seu filho porque o velho alemão tinha tido a precaução de colocar a mula entre ele e os seus inimigos.
No fundo da fenda, dominado pelo pânico, Dieter Ritter permanecia imóvel, sacudido apenas pelas tremuras que o medo lhe causava. Viu como o seu pai era assassinado friamente, sem ter a menor oportunidade de se defender. O homem que havia abandonado a velha cidade de Dresden, para procurar fortuna, tinha sido assassinado pelas costas quando havia conseguido alcançar a riqueza.
O primeiro a abandonar a proteção das pedras foi Ira Holker. Era um homem alto, magro, de rosto comprido e pómulos salientes. Sobre a face direita, exibia uma profunda cicatriz, recordação de uma antiga luta. O estreito bigode que adornava o seu lábio superior ajudava a dar-lhe um aspeto ainda mais sinistro.
Depois dele, saíram Collins, Trevor Walter, Jo Dobson e Joe Siedel. O velho Karl tinha razão ao dizer que qualquer deles tinha perfeito direito a um laço de cânhamo. O seu aspeto não era muito tranquilizador e nos seus rostos podiam ver-se as marcas deixadas por todos os vícios. O quadro trágico que ofereciam os dois cadáveres estendidos no solo do desfiladeiro não lhes causou a menor impressão.
— Devíamos tê-los liquidado antes — foi o único comentário de Collins.
— Este era o melhor sítio — disse Ira Holker.
— Vou buscar os cavalos — informou Jo Dobson.
— E eu vou apanhar a outra mula. Não quero que nos fuja com o seu carregamento de prata — acrescentou Joe Siedel.
Holker, Collins e Walter dirigiram-se para o animal que tinha morrido em consequência dos balázios, e caíram sobre os sacos como abutres famintos. Não lançarem nem um único olhar para os cadáveres; apenas lhes interessava a prata. Esqueceram-se, inclusivamente, do rapaz. Foi Trevor Walker o primeiro que se lembrou dele, quando Dobson e Siedel regressaram, o primeiro com os cinco cavalos e o segundo com a mula que se havia afastado, assustada pelos disparos.
— Onde está o miúdo do Ritter? — perguntou Walter, olhando à sua volta.
— Com mil diabos, tinha-me esquecido dele! — exclamou Ira Holker, dando uma forte palmada na coxa. Deixa-o. Não irá muito longe. Não há um único poço de água num raio de cinquenta milhas — informou Collins.
— É melhor acabar com ele. Pode ir dar à língua —disse secamente Holker, tirando o revólver do coldre.
Dieter podia ver perfeitamente os cinco assassinos e escutar todos os seus comentários. Ao ouvir as palavras de Holker, tentou esconder-se ainda melhor dentro da fenda e o seu ligeiro movimento fez cair uma chuva de pedras. Holker sorriu sinistramente ao escutar aquele ruído e, com uma lentidão desesperante, começou a levantar o percutor do revólver.
— Já sei onde se esconde o rapaz — disse alegremente.
Apertou o gatilho três vezes consecutivas e os projéteis uivaram como lobos esfomeados ao, perderem-se no ar, depois de terem feito ricochete nas paredes da fenda. Dieter deixara-se cair de joelhos no preciso instante em que o assassino fez fogo. Mas, ao fazê-lo, descobriu o seu ombro esquerdo e Holker apertou o gatilho pela quarta vez. Dieter sentiu o brutal impacto do chumbo e deixou escapar um grito de dor. Desesperadamente, tentou ocultar-se melhor, mas a fenda era demasiado estreita e ele mal podia mover-se.
— Acaba com ele! — exclamou Siedel, que havia já colocado toda a carga da mula morta sobre o lombo da outra.
— Não tenhas pressa, Joe. O rapaz pode ter uma arma e se nos colocamos diante da fenda é capaz de nos furar a cabeça — aconselhou Collins, que era bastante prudente.
— Nunca pensei que tivesses medo de um miúdo ranhoso — grunhiu Siedel.
Antes que Collins pudesse responder, Trevor Walter deu um salto, como se tivesse sido mordido por uma serpente, e com voz rouca gritou:
— «Apaches»!
Os assassinos esqueceram-se de Dieter ao ouvirem aquele grito e as suas mãos procuraram as armas velozmente. Um encontro com os «apaches» naquele desfiladeiro significava a morte.
— Malditos selvagens! — gritou Holker.
Foi o único que conservou a serenidade. Meteu o revólver no coldre e colheu as rédeas do seu cavalo. Com grande rapidez, amarrou a corda que prendia a mula na sela do seu cavalo, e conduziu os dois animais para detrás de umas rochas.
Meia dúzia de «apaches», montando em pelo sobre os seus pequenos e resistentes cavalos, haviam surgido a pouca distância dos assassinos, como se tivessem saído da própria terra. Um deles, o que parecia ser o chefe, empunhava uma longa lança adornada com penas. Os outros iam armados com carabinas idênticas às utilizadas pelo Exército dos Estados Unidos. Gritando como verdadeiros possessos, lançaram-se contra os brancos.
O grito de aviso que Trevor Walter lançara evitou que a matança fosse completa. Mike Collins, com um salto ágil, procurou proteção atrás de uma grande pedra e Walter reuniu-se-lhe. Dobson correu para uma das paredes do desfiladeiro e entrincheirou-se por detrás de uma saliência.
Joe Siedel foi o primeiro a disparar e os seus projéteis abateram um dos «apaches». O pele-vermelha abriu os braços desesperadamente e oscilou sobre o dorso do seu cavalo, mas um segundo balázio no centro da testa arrancou-o da sua montada como se tivesse sido varrido por uma mão gigantesca. Siedel disparava com os dois revólveres, traçando uma mortífera cortina de chumbo, e, graças a ela, os seus cúmplices puderam chegar a lugares relativamente seguros. Siedel derrubou um dos cavalos dos seus inimigos e quando o «apache» que o montava se preparava para se levantar alojou-lhe um balázio em pleno rosto.
Mike Collins levantou o cano do seu revólver e apontou cuidadosamente. Apertou o gatilho e o projétil enterrou--se no ventre de um terceiro «apache». O pele-vermelha dobrou-se para a frente e, em seguida, foi deslizando lentamente até que ficou estendido de bruços sobre o solo poeirento.
Siedel, que já dera cabo de dois «apaches», foi o primeiro dos brancos a morrer. Encontrava-se a recarregar os seus revólveres quando encaixou um pesado projétil de carabina. O chumbo projetou-o para um lado... e outros dois balázios destroçaram-lhe completamente a cabeça. Havia sido o primeiro a disparar e fora também o primeiro a morrer.
O segundo a abandonar este mundo foi Mike Collins. Um projétil furou-lhe a cabeça de lado a lado quando se dispunha a fazer fogo. O impacto foi tão brutal que o sangue salpicou Walter, que se achava a seu lado.
Ao ver cair o seu cúmplice, Walter perdeu o controlo dos seus nervos e começou a disparar, gritando como um louco. Derrubou um cavalo, mas o «apache» que o montava fez fogo com a sua arma e o pesado chumbo de calibre «44» golpeou o assassino em pleno rosto. Caiu para trás e a sua cabeça chocou com uma pedra, produzindo um estranho ruído. Trevor Walter já não assassinaria mais ninguém. A sua carreira de crimes tinha sido cortada bruscamente por aquele balázio que lhe havia destroçado o rosto. O «apache» que lhe dera a morte arrancou-lhe a cabeleira e, em seguida, fez o mesmo com a de Collins. Nenhum dos dois sentiu a menor dor, pois ambos estavam mortos.
Restavam apenas Holker e Jo Dobson. O primeiro compreendeu que a única salvação estava na fuga e, sem se preocupar com o seu cúmplice, montou de um salto e fundiu as esporas nos flancos da sua montada. A todo o galope, lançou-se para a saída do desfiladeiro, pelo lado Sul. Atrás do seu cavalo, seguia a mula carregada, e vários projéteis foram fundir-se nos sacos que acondicionavam a prata.
Nenhum dos três «apaches» tentou segui-lo. Talvez pensassem que tinham tempo de o fazer quando acabassem com Dobson. Este lançou uma selvagem maldição ao ver a cobardia do que havia sido seu chefe. Mas decidiu vender caro a vida.
Um dos «apaches» havia desmontado e lançou-se sobre o assassino, soltando um grito de guerra. Dobson não se precipitou; deixou que o seu inimigo se aproximasse, e quando o teve a dez jardas apertou o gatilho. O «apache» cambaleou ao receber o chumbo no peito e a sua pele avermelhada tingiu-se de vermelho ainda mais vivo; o vermelho do seu sangue. No entanto, continuou em frente.
Um segundo balázio empurrou-o para trás e um terceiro acabou com ele quando já viajava ao encontro do solo. Dobson não descobriu a presença do chefe dos «apaches» até o ter materialmente em cima. O pele-vermelha lançou o seu cavalo contra o assassino e este, desesperadamente, fez fogo duas vezes consecutivas. Estava demasiado nervoso e falhou o alvo.
Quando apertou o gatilho pela terceira vez não se produziu nenhum disparo. Jo Dobson tinha descarregado os seus dois revólveres. Estava ã mercê do seu inimigo. O «apache» galopava muito inclinado sobre o pescoço do seu cavalo, levando a lança firmemente empunhada e com a afiada ponta dirigida ao peito de Dobson. Este observou que as penas ondeavam ao vento, como vermelhas bandeiras de combate.
Saltou para a direita no mesmo instante em que a ponta da lança procurava o seu coração e, em seguida, correu como um gamo para os cadáveres de Collins e Walter para se apoderar das suas armas. Dez jardas era a distância que o separava dos corpos e o assassino percorreu-a dando grandes saltos.
O chefe dos «apaches» fez girar a sua montada e novamente se lançou contra Dobson. O pânico apoderou-se deste quando sentiu o rítmico galopar do cavalo do «apache», que se aproximava pela sua retaguarda. Só lhe faltavam quatro jardas para alcançar as armas de Mike Collins. Três... dois... um; lançou um grito de triunfo quando a sua mão direita se fechou sobre a coronha de um dos revólveres. Ao erguer-se, descobriu outro dos «apaches» que lhe apontava com a sua carabina do exército. Instintivamente, Dobson apertou o gatilho e soltou um grito de alegria, ao ver como o rosto do seu inimigo se transformava numa massa sangrenta. Só ele e o chefe índio restavam com vida.
Voltou-se com grande agilidade, para acabar com o seu último inimigo. Se o conseguisse, Ira Holker iria passar um mau bocado quando ele regressasse a Desolação. Mas antes que o seu dedo indicador pudesse premir o gatilho, algo muito frio rasgou-lhe o peito e empurrou-o para trás. Sentiu como as suas costas batiam na rocha que tinha protegido Collins e Walter.
Quando levantou os olhos, viu o contraído rosto do «apache» e julgou descobrir um sorriso de sádico prazer nos seus lábios. A cabeça do cavalo roçava pelo seu peito ensanguentado e a espuma quente do animal salpicava-lhe o rosto. A lança penetrou mais profundamente no seu peito, saiu--lhe pelas costas e a ponta cruelmente afiada introduziu--se numa fenda da rocha.
O golpe com a lança havia sido tão selvagem que os pés de Dobson mal tocavam o solo. Ficou retesado, como um arco pronto a projetar uma seta gigantesca. A sua mão direita continuava a apertar a coronha do revólver de Collins e, quando o «apache» desmontou para lhe arrancar a cabeleira, fez um esforço sobre--humano e levantou o braço armado. O pânico deu forças a Dobson. O primeiro disparo fez o «apache» dar uma volta sobre si mesmo. Um segundo balázio atingiu-o no ventre e um terceiro pós fim à sua vida. Tombou aos pés de Jo Dobson e o sangue traçou no solo pequeninos regatos.
Rapidamente, o pó e a areia apoderaram-se dele, como se estivessem sedentos de sangue humano. As mãos de Dobson tentaram inutilmente arrancar aquele enorme alfinete que o mantinha cravado como uma peça de coleção, mas nem sequer conseguiu movê-lo.
— Maldito... cobarde! — exclamou, pensando em Holker.
Do fundo do seu esconderijo, Dieter Ritter tinha contemplado a selvagem matança, e os seus olhos olhavam aterrados para os cadáveres estendidos no solo do desfiladeiro. O rapaz abandonou a fenda e, em seguida, tombou de bruços, enquanto violentas náuseas lhe contraíam o estômago. O seu próprio sangue causava-lhe asco é acabou por vomitar.
Arrastou-se até junto do cadáver de seu pai e, silenciosamente, começou a acariciar-lhe o rosto ensanguentado. Por fim, rebentou em soluços. Estava sozinho no desfiladeiro. Os mortos eram a sua única companhia. Um espetáculo demasiado brutal para um rapaz que ainda não tinha feito doze anos.
Um gemido fê-lo voltar à realidade. Levantou-se lentamente, enquanto o sangue continuava a brotar da ferida do seu ombro. Felizmente, o projétil de Holker não lhe havia contundido nenhum osso e não lhe ficara no corpo.
— Rapaz... por favor... — suplicou Jo Dobson.
Deliberadamente, voltou-lhe as costas e deu alguns passos com o intuito de se afastar. Mas Dieter era demasiado jovem para odiar com intensidade. Os gemidos de Dobson obrigaram-no a acudir em seu socorro.

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