domingo, 4 de fevereiro de 2018

PAS840. Ovelhas para a morte

— Ouviste, Miguel?
Ao mesmo tempo que pronunciava estas palavras, Alberto Sánchez pousou a mascarrada cafeteira numa pedra da lareira, erguendo-se. Embora estivesse muito longe de ser alto, mesmo assim tocava com a cabeça na ramagem que cobria a pequena cabana, fazendo de telhado.
— Ouvi, sim — respondeu o irmão. — Talvez seja algum coiote.
Um dos seus cães, que se havia introduzido sub-repticiamente na casa, espetou as orelhas ao mesmo tempo que arreganhava os dentes, rosnando ameaçadoramente. Vendo que Miguel empunhava o revólver, acompanhou-o, colado às suas pernas.
Alberto, depois de atirar mais uns ramos para o lume, seguiu-os.
Os outros três cães, atados a um toco de árvore, latiam furiosamente. Um deles deu um violento esticão na corda que o prendia, sem, no entanto, conseguir libertar-se.
Os dois mexicanos entreolharam-se no meio da escuridão.
— Não será um puma? — alvitrou Miguel, pouco tranquilo.
— Vamos ver. Vem cá, Cholo!
O único cão que estava solto começara a afastar-se, mas acorreu obedientemente ao chamamento, embora sem deixar de rosnar ameaçadoramente. Não podia haver a menor dúvida de que algo de anormal se estava a passar um pouco mais abaixo, no local onde tinham reunido os seus dois rebanhos.
— Solta os outros cães, Alberto. Eu vou andando.
O mais novo dos dois irmãos começou a avançar, enquanto Alberto voltava para trás a fim de fazer o que lhe tinha sido pedido. Porém, mal pusera as mãos no pescoço do primeiro cão, ficou imóvel como uma estátua. Nas suas costas acabava de fazer-se ouvir a inconfundível voz de um gringo:
— É melhor que não te mexas, Alberto. A minha arma está apontada para ti.
— Senhor Fred! — exclamou o mexicano ao reconhecer-lhe a voz. E com' esse reconhecimento acabava de assinar a sua sentença de morte, ainda que as anteriores intenções do assaltante pudessem ter sido outras.
Mas não para já... Ainda havia o outro que se afastara e, portanto, não podia descobrir imediatamente o jogo.
— Afasta-te dos cães... e com as mãos no ar. Se fores bom rapaz, não te acontecerá nada.
Os irmãos Sánchez eram ladrões, e talvez pior do que isso. Mas o que ninguém podia negar era que manifestavam uma fidelidade canina em relação a Jeff Withers que, num dos seus raros momentos de bondade, os havia a salvado de perecerem sob as patas de uma tresloucada manada de gado... que ele mesmo acabara de roubar.
Desde aí, pouco faltava para que beijassem o sítio onde ele punha os pés.
Não era, pois, de admirar que Alberto Sánchez estivesse mais disposto a deixar-se matar do que a permitir que alguém tocasse numa só ovelha do patrão. E ele estava certo de que Fred, despeitado por ter sido expulso, procurava fazer algo de prejudicial para os animais.
Aproveitando a escuridão, ergueu-se rapidamente. Tinha o revólver no cinto, onde o colocara para soltar os cães, mas era mau atirador, facto que não ignorava. Por isso, deitou a mão à afiada faca.
O seu braço recuou, preparando-se para lançar a cintilante lâmina. Mas Fred, que o conhecia perfeitamente, vendo o seu gesto e divisando o brilho do aço iluminado pelas estrelas, atirou imediatamente. Apenas uma vez.
Alberto nem chegou a aperceber-se do que lhe acontecera. A bala perfurou-lhe o crânio, impedindo o cérebro de emitir as ordens necessárias para que a faca se fosse cravar no coração de Fred.
O estampido do tiro cortou o silêncio da noite, ouvindo-se ao longe, embora não tanto que atingisse o rancho de Withers. Miguel, pelo contrário, ouvira perfeitamente a detonação. Regressara a correr, preparando-se Cholo para se lançar temerariamente contra o assassino do seu dono.
Porém, Fred não estava só. Ocultando-se com a noite, estavam emboscados Smiley e mais quatro indivíduos. Cão e pastor caíram crivados de balas antes de chegarem a constituir qualquer perigo para o malfeitor.
— Despachem-se, rapazes! — apressou Fred. — Fizemos muito barulho e passaríamos um mau quarto de hora se nos apanhassem aqui. Smiley! Prega um tiro em cada um desses cães!
— Para quê? — perguntou o outro.
— Imbecil! Trata de fazer o que te digo! Ou preferes que amanhã sigam o teu rasto e vão dar contigo na cama? Tu, Red! Vai buscar os cavalos e espera-nos ali em baixo.
Quando Red voltou com os cavalos, já os outros, sob a direção de Fred que era quem melhor conhecia os animais com que estavam lidando, os estava empurrando eu, determinada direção. Uma vez a cavalo, deitaram fogo a uma bolas de resina que pendiam de cordas e, fazendo-as revolutear, espalharam o pânico entre as ovelhas que fugiam.
A perseguição prolongou-se durante cerca de cinco minutos. Alguns animais conseguiram escapulir-se, mas a maior parte continuava a correr sempre em frente, procurando afastar-se daqueles monstros de fogo que os acossavam por todos os lados.
Loucas de terror, as ovelhas que iam à cabeça não repararam que, de repente, o solo desaparecia na sua frente. Um concerto de aflitivos balidos rasgou o ar quando os animais se precipitaram no abismo. As poucas que se aperceberam do perigo, empurradas pelas de trás, não o conseguiram evitar. Em poucos segundos, cerca de mil ovinos desapareceram no precipício.
— Pronto, rapazes — comandou Fred, exibindo os dentes num sorriso de satisfação. — Voltemos para casa.
Algumas das bolas de resina incendiadas haviam-se soltado quando as cordas que as prendiam se tinham queimado. Num ou noutro ponto das matas começava a irromper o fogo, originando pequenos incêndios. Os cavaleiros, porém, não se preocuparam nada com este facto., o rancho deles não corria o menor perigo.
Cinco minutos mais tarde, apenas se ouviam no local os lamentosos balidos das ovelhas que não tinham perecido na terrível queda. Os cadáveres de dois homens e quatro cães jaziam no solo, ilustrando um exemplo de lealdade recompensada a tiro.
O fogo, que primeiro se estendera lentamente para depois alastrar com crescente rapidez, completava este cenário macabro...

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