sábado, 10 de fevereiro de 2018

PAS845. A história de Mae

— Nasci em Atlanta onde vivi com meus pais até à idade de seis anos. Veio a guerra e deve saber como ficou aquela cidade depois do ataque das tropas do general Sherman. Meus pais morreram vítimas do bombardeio, pelo que, meu tio Maxwell tomou conta de mim, levando-me a viver com ele para Dallas.
Mae fez uma nova pausa. No seu rosto havia uma sombra de tristeza. Decorreram alguns segundos e prosseguiu:
— Quando meu tio morreu fui eu a sua herdeira universal, visto que não havia mais parentes: um «rancho» e um negócio misto de «saloon» e de hotel. Fiquei à frente dos negócios, mas, naquela altura, Dallas estava em completo desassossego e uma rapariga tão nova como eu não era, certamente, a pessoa mais indicada para gerir um estabelecimento daquele género. Vendi todas as propriedades pela soma de cinquenta mil dólares e abandonei a cidade. Vim então para o Oeste, com o propósito de estabelecer-me em qualquer parte que fosse mais tranquila do que Dallas. Foi assim que fui dar com os ossos a Atwell Springs, onde adquiri um desorganizado «saloon», chamado «A Taça de Ouro». Deve recordar-se ainda dele, não?
— Naturalmente. Mas, chamar àquilo desorganizado, é favor. A última vez que ali estive, pareceu-me mais uma espelunca do que outra coisa.
— Pois afirmo-lhe que o adquiri por bom preço. E, mais ainda do que isso, me custou pô-lo em condições. Mandei-o decorar de harmonia com o estilo moderno. Construiu-se um cenário para os espetáculos de atracões, instalei uma casa de jogo e escrevi para uma casa de Prisco (1) que se encarregou de enviar-me um escolhido grupo de «girls» para alegrarem o ambiente.
— Que arrojo, Mae! Isso devia ter produzido em Atwell Springs o efeito de uma bomba. Segundo me parece aquela gente é bastante austera.
— Hipócritas! Hipócritas e fariseus é o que eles são.
Mae estava transfigurada. Tinha os dentes cerrados e os seus olhos despediam centelhas de ódio. Apesar disso, Sutton continuou a achá-la lindíssima.
— Pode continuar, Mae.
— Durante os primeiros meses tudo correu às mil maravilhas. O clima que se respirava na «Taça de Ouro» era qualquer coisa de novo para aquela gente. Dispunham de um sítio para beber e jogar em companhia de belas raparigas. Para as poucas mulheres que ali havia, o meu estabelecimento devia assemelhar-se à antecâmara do inferno.
Mae sorriu-se com certa maldade e acrescentou:
— Havia ali um grupo de fregueses assíduos, constituído pelos homens mais categorizados da povoação. Naturalmente, eram eles os preferidos. Não pelas suas lindas caras, é bem de ver, mas apenas porque me interessava contar com pessoas influentes que, ao mesmo tempo que serviam de muralha contra o falatório e contra as más línguas, contribuíam para manter o ambiente em certo nível de honestidade. Enchiam-me de atenções e eram os primeiros a propalar aos quatro ventos que a «Taça de Ouro» não era um antro de perdição como afirmavam as megeras daquele lugar. Isto, é claro, foi no princípio. Por fim tudo mudou.
Não era difícil a Sutton acompanhar a descrição da jovem. Mae fazia reviver todas as personagens e todas as situações de outro tempo, com as mais pitorescas frases.
Depois de uma breve pausa, continuou:
-- Eu devia ter previsto o que estava para vir. Mas fui uma autêntica idiota por não me ter apercebido de que alguns daqueles sujeitos começaram a mostrar demasiado interesse por mim. Olhares, frases, insinuações que, ainda que me não passassem desapercebidas, não me incomodavam porque não lhes ligava importância. Em resumo: começaram aqui os meus desgostos. Que era mais amável com este; que me havia sorrido para aquele: que fulano tinha dito; que sicrano tinha insinuado. Enfim... tudo aquilo se converteu num inferno de ciúmes e de paixões que me não foi possível dominar. Aquela corja de imbecis confundia a minha simpatia e confiança com sentimentos que eu estava bem longe de sentir e que também não desejava despertar fosse em quem fosse. Foi um pandemónio, uma confusão dos diabos. Começaram por se afastar uns dos outros; seguiram-se os olhares carrancudos e as frases de duplo sentido e, por fim, passaram a vias de facto. Não havia dia em que não houvesse uma altercação que acabava, geralmente, por uma zaragata... Quereria poder demonstrar--lhe que em todo este desagradável assunto me comportei sempre como uma mulher digna e que jamais consenti que algum se excedesse.
— Acredito-a, Mae. Conheço-a há bem pouco tempo e já tive ocasião de formar o meu juízo a seu respeito. Tenho-a por uma mulher honesta, com uma cabeça muito equilibrada.
Os olhos de Sutton ficaram presos aos olhos de Mae. Viu neles uma doçura infinita e um desejo imenso de ser compreendida.
— Não tinha outro remédio senão cortar a direito — continuou a jovem. — Uma noite fiz reunir todos aqueles pretendentes e, depois de fechar o estabelecimento, pus as cartas todas à vista. Reconheço que fui demasiado brusca para com eles, mas, disse-lhes tudo quanto entendi acerca do seu ignóbil procedimento para comigo. Ri-me nas suas próprias barbas e diverti-me a explicar-lhes que não pensara ainda em me unir a homem algum e que, quando isso viesse a acontecer, não seria certamente com um «parolo» como sucedia com a maioria deles. Foram-se dali sem adeus me dizerem. n claro que nunca mais puseram os pés na «Taça de Ouro». O negócio continuou no seu ritmo normal. Os vaqueiros das redondezas continuavam a frequentar o «saloon», gastando ali o seu. dinheiro. Nada fazia prever a tempestade que estava para se desencadear. Como lhe disse, todos os meus desiludidos admiradores desapareceram para sempre do estabelecimento. Não foi exatamente assim: houve uma exceção. Essa exceção chamava-se Michael Sutton. Era o seu pai.
Sutton não foi apanhado desprevenido. Pelo que já era do seu conhecimento, presumia que seu pai tivesse tomado parte ativa nos factos que Mae estava relatando.
(1) Prisco: Denominação abreviada de São Francisco da Califórnia, usada nos Estados Unidos.

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