quinta-feira, 28 de maio de 2015

PAS474. Fuga ao vale da morte

À frente seguia Crumy, levando atrás do seu cavalo, segura pelas rédeas, uma mula nova e forte, muito carregada. Depois ia a jovem e Mike, e por fim outra mula. Durante toda a manhã tinham caminhado, afastando-se do vale da morte — como o chamou Alice — pelo caminho da montanha. Por último, quando já não havia caminho, continuaram, guiando-se pelo sol.
Ao meio-dia pararam para comer.
— Conservas... — disse Mike, fazendo uma careta, Bem, pior seria não as ter. Mas estou desejoso de um bom guisado de carne, com cebolas e temperos.
— Quando chegarmos... Prometo-lhe para quando, chegarmos... — respondeu a jovem, subitamente.
Mike olhou para ela, mas nada disse. Quando acabaram de comer, puseram-se novamente a caminho.
— Onde vamos?... — perguntou Alice, a certa altura — Pode dizer-mo?
— Com certeza. Vamos a Las Vegas. Quando lá chegarmos... bem, isso já não sei. Mas suponho que lá haverá alguém que possa ajudá-la a voltar a Taos. Eu... eu lhe darei dinheiro para isso, caso contrário.
— Oh, lá há-de haver alguém que possa ajudar-me... — respondeu ela. — Por isso não tem que preocupar-se. Além disso... além disso eu não tocaria num só dólar desse dinheiro.
— Compreendo... — respondeu Mike.
Houve um silêncio.
— E você?... — continuou ela. — Que pensa fazer? Ou não devo perguntar-lhe isto?
— Pode perguntar, mas... Nem eu mesmo sei. Aqui há bastante dinheiro para que Crumy e eu não tenhamos que lutar por ele. Além do mais, não creio que lutemos, depois de tudo o que passámos juntos. Coisas dessas aproximam os homens.
— E o ouro separa-os.
— Também.
— Escute... — disse ela. — Se me levarem a Taos, prometo que ninguém saberá que foram vocês os assaltantes do Banco.
— Mas não pode ir desde Las Vegas?
— Sim, mas... Preferiria ir a Taos.
Mike voltou-se, para fitar os olhos cinzentos da rapariga. Ela ia despenteada pelo vento, mas isso em nada diminuía a sua beleza. As linhas do seu corpo, a silhueta sobre o cavalo, revelavam-se fortes e suaves ao mesmo tempo. Tinha a saia em farrapos, por onde assomava a roupa de baixo, rota também. Por instantes os dois rasgões sobrepuseram-se, e Mike pôde ver umas quantas polegadas de carne branca e suave como seda. Ela notou o olhar dele, mas não se cobriu. Teria sido um gesto absurdo, diante de um homem que a vira correr com as saias quase à altura das ancas, por entre as rochas, fugindo para salvar a vida.
— Tenho pena, mas seria um perigo que eu não gostaria de correr. Haveria a possibilidade de alguém nos reconhecer. E, além disso, talvez tivesse de explicar a presença do dinheiro em meu poder.
— E isso tem grande importância para si?
— Já lhe disse que sim.
Naquela noite acamparam num lugar abrigado, sob uma grande rocha. Crumy acendeu uma fogueira e os três aqueceram-se ao lume, depois de comerem e tratarem dos animais. Mas não tardou que Crumy se embrulhasse na sua manta. Os dois jovens ficaram sós, sob a luz fria das estrelas.
— Por que motivo queria ir a Taos em vez de Las Vegas?... — perguntou subitamente Mike.
— Oh, tem razão. Na verdade não tinha nenhum propósito, mas se pensa que o que desejo é denunciá-los…
— Não. Não pensava isso. Nunca julgaria isso, de si. — Mike espevitou o lume, com a ponta de um ramo.— Se não tem outra razão mais forte, iremos para onde eu tinha pensado primeiramente.
A luz da fogueira iluminou por um instante a cara da jovem. Ela estava voltada para ele, tão próxima que Mike só teria de estender um braço para lhe tocar. Es-tendeu a mão e poisou-a sobre a de Alice. Alice retirou a sua.
— Desculpe... — disse Mike. — Não quis ofendê-la. Foi... foi esta noite com tantas estrelas, e a luz da fogueira, e...
— Você é um homem solitário, não é?
— Sim... Sou-o, talvez, porque meu pai também n era quando veio da Irlanda e minha mãe morreu. Foi ele, talvez, quem me ensinou a ser solitário. Mas, que tem isso a ver com...?
— Nada.
Houve um novo silêncio. Foi ela quem o quebrou:
— Ainda não lhe agradeci.
— Não tem de quê. Bem, creio que devemos dormir. Eu farei a primeira guarda.
— Sim, talvez seja o melhor.
Mas não se moveu. Continuava sentada, e a fogueira iluminava-lhe as feições delicadas.
— Você o disse... — murmurou, por fim. Eu nunca os denunciaria, depois do que você e o seu companheiro fizeram por mim. Além de tudo, morto o assassino de meu pai, não haveria razão, nem propósito.
Levantou-se e inclinou-se para ele, que estava a acender um cigarro, com uma brasa.
— Boa noite... — disse, suavemente.
Mike atirou o cigarro para o lume, pôs-se em pé e tomou-a nos braços. Se ela tivesse esboçado o menor gesto de resistência, tê-la-ia soltado. Mas Alice não resistiu. Por um instante as faces de ambos ficaram coladas, e logo os lábios de Mike procuraram os dela. Eram suaves, doces, e devolveram o beijo com a mesma intensidade com que ele o dava.

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