segunda-feira, 4 de maio de 2015

PAS459. Dois homens maus perseguem uma jovem índia

A jornada já durava quatro dias e James deixara de conhecer o caminho que nunca trilhara. A região era quase desértica e montanhosa. Boa para a caça, porém. A única preocupação era o aprovisionamento água, pois tivera de desviar-se dos cursos de rio mais importantes.
Com o intuito de inspecionar o horizonte, obrigou o cavalo a subir a escarpa da montanha e, de um promontório, pôde lançar as vistas em redor. Foi então que, com os olhos resguardados pela mão aberta, a servir de pala, divisou os vultos de três cavaleiros: lançados velozmente para o ponto em que se encontrava. Era fácil de perceber que o mais adiantada fugia aos demais.
James observou que a diferença de meia milha diminuía em cada instante. O cavalo do fugitivo era menos veloz ou estava mais fatigado. Não tardou a ficar ao alcance de tiro, mas os perseguidores, não obstante empunharem revólveres, não os disparavam. Um deles guardou, mesmo, a arma, e muniu-se do laço.
James Carson, firmando melhor a vista sobre o fugitivo, reparou que montava um cavalo sem sela e que os longos cabelos esvoaçavam ao vento.
— É um índio... ou talvez uma índia! — murmurou, admirado.
Manteve-se no seu posto de observação, dominando a montada inquieta. Viu o laço voltear sobre a cabeça do perseguidor, preso, por uma ponta, e depois voar ao encontro da fugitiva. Sim, James não tinha já dúvidas de que se tratava de uma mulher. A corda enlaçara-a brutalmente pelo busto e o nó corredio apertara-se imediatamente, imobilizando-a. Bastaria que o perseguidor parasse ou puxasse a corda para que ela se estatelasse no solo pedregoso.
Vendo-se presa, a fugitiva pulou para o chão, sem que conseguisse equilibrar-se. Caiu, mas a queda foi minorada pelo próprio impulso.
Por um curto instante, o laço alargou-se um pouco ela tentou furtar-se-lhe. O perseguidor, já bastante perto dela, puxou imediatamente a corda, arrastando-a durante alguns metros pelo solo poeirento.
James Carson impeliu o cavalo para a frente, a galope. Não gostava de ver laçar pessoas como se fossem reses. Para mais, uma mulher indefesa. Ainda que fosse índia, como de facto se tratava.
Momentos depois, o «cow-boy» acercava-se do grupo. Os homens tinham desmontado e seguravam a rapariga, que se esforçava por lhes escapar, soltando. frases em que misturava o seu dialecto e o inglês. Pressentiram a aproximação do cavaleiro e aguardaram — a rapariga com uma expressão ansiosa, os seus captores com ar desconfiado e as mãos pousadas nas coronhas dos revólveres.
James Carson aproximou-se, aparentemente sem cuidar da sua própria defesa. Na realidade, ele teria empunhado um revólver mortífero ao menor sintoma de ataque dos desconhecidos.
— Ora, então, muito boa tarde! — saudou, com um sorriso indefinível.
Os dois californianos grunhiram urna saudação. James não gostava de que lhe falassem por entre dentes. Parou o cavalo diante do estranho grupo formado pela índia e seus captores.
— Então, o que temos? — perguntou-lhes, como um polícia benévolo que encontra um ébrio abraçado a um candeeiro.
O do laço dignou-se a falar mais claramente:
— É novo aqui, não?
— Novíssimo. Não estranhe que me admire dos processos aqui. Na minha terra usa-se o laço para apanhar reses... ou criminosos.
James Carson falava candidamente, mas os seus olhos não desfitavam os coldres dos interlocutores. O companheiro do laçador — um homenzarrão mal barbeado — que segurava a índia com a manápula ferrada no pulso frágil, resmungou:
— Terá, então, muito que estranhar, forasteiro. Siga o seu caminho...
James não fez a menor tenção de lhe seguir o conselho. Calmamente, puxando o chapéu para trás, como se quisesse quedar-se a conversar longamente, perguntou:
— Se não é indiscrição, porque «caçaram» essa índia?
O do laço rosnou:
— Ora aí está uma coisa que não é da sua conta ! Siga o seu caminho., se não quiser complicações...
James notou que os grandes olhos negras da índia imploravam socorro. De qualquer forma estava disposto a fazê-lo, ou, pelo menos, a esclarecer o caso.
— Que fez essa índia?
A calma do jovem não podia deixar de impressionar os dois homens, que se entreolharam, hesitantes.
Nesse momenta, a rapariga ferrou os dentes na mão do captor, que saltou um gemido de dor, libertando-a. Mas, rápida e brutal, a outra manápula do homenzarrão abateu-se sobre um ombro da jovem, sustendo-lhe a fuga. Acto continuo, a outra mão, da qual tinham brotado gotas de sangue provocadas pelos dentes afiados da jovem, esbofeteou-a, no rosto, com brutalidade.
— Larga-a! — bradou James Carson, num impulso irreprimível do seu coração generoso..
O outro segurou-a mais fortemente, vendo que o intruso não empunhava o longo revólver que lhe pendia sobre a anca direita. O companheiro segurou nervosamente a coronha da sua arma., e intimou o cavaleiro:
— Pela última vez, forasteiro, siga o seu caminho se não quiser ficar aqui para sempre!
James impeliu o cavalo para junto da índia, que continuava a fitá-lo numa muda súplica. O tamanhão recuou levando a mão ao coldre. Era a mão que gotejava sangue, pela dentada que lhe aplicara a índia. Ficou em misero estado, depois que James disparou. O projétil furara-a, causando-lhe uma dor dilacerante.
O companheiro foi mais lesto. Ainda conseguiu tirar a arma do coldre e apontá-la ao jovem. Só não teve tempo de disparar.
Com uma rapidez incrível, o cano do revólver de James voltara-se para ele e dardejara chumbo. O homem sentiu-o na barriga e curvou-se numa reverência involuntária.
— Obrigaram-me a isto, imbecis! — rugiu a «cow-:boy». — Querem ou não dizer-me porque perseguiam a rapariga?
O quo apanhara bala no ventre não estava em estado de responder. E o outro ficara suficientemente apalermado para lhe dar explicações cabais. Que eram, aliás, inconfessáveis. Insensivelmente, largou a índia, que por sua vez se libertou da corda que a manietava.
— Nada fiz de mal, «cara pálida»! — asseverou a nativa, exprimindo-se num inglês bastante compreensivel.
 O cavalo de James, obedecendo â pressão do dono, aproximou-se do homenzarrão que olhava a mão furada com a dor e o desgosto estampados na face patibular. O cano do revólver, empunhado por Carson, empurrou-o.
 — Não ouve, idiota? Porque perseguiam esta índia?
O californiano volveu paira James o olhar assustado. Tartamudeou uma resposta:
— Ela fugiu quando nos viu. Desconfiámos de que tratava de uma ladra...
— Uma quê? — indagou a índia, que não percebera o termo que o perseguidor empregara.
— Diz que desconfiou que tivesses roubado alguma coisa — proferiu James, fitando-a penetrantemente.
— Eu, roubar? ! Não! — protestou a rapariga com veemência.
James Carson voltou-se para o homenzarrão mal-encarado e observou:
— A tua explicação é tola e não justifica a desenfreada perseguição à pobre rapariga. Meieceram bem os chumbos que lhes atirei!
— E tu mereces este!
A voz foi abafada pela detonação. O homem no chão, atingido na barriga, aproveitara-se da momentânea distração do intruso para reaver o revólver e James deu por tal no último instante. Baixou-se repentinamente. A copa do chapéu surgiu com dois orifícios perpendiculares, e uma segunda bala raspou-lhe um ombro.
O «cow-boy» não lhe deu tempo para continuar a exibir a pontaria. Desfechou, quase sem visar. Dois tiros, mas um, o primeiro, bastava para aquietar o opositor. Atingido dessa vez no peito, -expirou, a praguejar.
— Que morte tão estúpida! — lamentou James, desmontando para observar mais de perto o efeito dos seus disparos. — Mas porque diabo me provocaram?
O sobrevivente limitou-se a lançar-lhe um olhar de ódio. James desarmou-o enquanto lhe dizia:
— Lastimo o que se passou. Trata de enterrar ou levar para onde quiseres o cadáver do teu amigo. E para outra vez não sejas tão bruto nem mal-educado... nem tão tardio a disparar.
Depois voltou a montar, vendo que a índia fazia o mesmo. O cavalo da rapariga não se afastara multo e acorrera ao primeiro silvo. Ela, montada no dorso sem sela, como todos os indivíduos da sua raça, impeliu o equídeo até junto do rapaz que a salvara.
Nos seus olhos brilhava uma luz estranha. A luz da gratidão. James só então reparou que era excecionalmente formosa. Jamais tinha contemplado nativa mais linda. Era ainda muito nova. Não teria talvez vinte anos. Não usava pintura alguma nem atavios. Toda ela se mostrava com exuberância da sua beleza selvagem, envergando, todavia, vestuário mais próprio de um homem da sua raça) do que de uma índia. A voz era menos gutural do que a normalmente exprimida pelos pele-vermelhas.
— Obrigada, «cara pálida» — disse, devagar. — Nunca esquecerei o que fizeste por mim. Vejo que nem todos os brancos são perversos. Adeus!

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