domingo, 20 de fevereiro de 2022

RB074.06 A força do veneno de uma mulher

Ray estava estendido sobre a cama, com as mãos debaixo da nuca, na posição preferida do seu amigo Bart. 

Encontrava-se assim não sei há quantas horas. Talvez há uma tarde inteira; não sabia. Os pensamentos enchiam-lhe o cérebro e pareciam chocar entre si, produzindo uma espécie de vertigem. Uma sensação de fracasso, de dor que lhe enchia a alma. 

Devia ser muito tarde porque estava tudo envolto em sombras. Mas Roy tinha perdido a noção, das horas, a noção de tudo. 

Logo se abriu a porta das traseiras que dava diretamente para a rua. Bart entrou sem bater. Não trazia máscara. Tinha apenas o chapéu coberto de pó puxado para a cara. 

— Olá, Roy. — Roy baixou a cabeça. 

— Bart, alguém pode ter-te visto. 

— Ninguém me viu. Está tudo vazio como um cemitério.

 Sentou-se na beira da cama e sacudiu o chapéu. A partir de agora, até que o trabalho termine, não nos veremos mais. Mas queria que soubesses que já me encontro aqui e ao mesmo tempo trocar umas impressões contigo. 

Roy estendeu-lhe a garrafa de uísque. 

— Parece que adivinhava que vinhas, rapaz... 

— Aceitaste o encargo? Sim. Se bem que seja difícil. 

Bart assentiu depois de beber um trago. 

— Ouve-se falar gente durante a viagem e vamos sabendo mil detalhes. Aposto que te contrataram para lutar contra a «Amalgamated Trust». 

— Acertaste, rapaz. 

— Hummm... é um assunto perigoso. Tanto que pensava dizer-te que não te metesses nele. 

— Trabalharei só. 

Bart olhou-o surpreendido. 

— A que vem isso? Até agora, quando um as-sunto convinha aceitávamo-lo os dois; quando não convinha, mandávamo-lo ao diabo, mas sempre juntos. Se não te agrada, porque não o deixas tu também? 

— Trata-se de uma coisa pessoal. 

— Que é? 

— Bart; tu e eu trabalhámos juntos até há ano e meio. Nessa altura passava eu por urna crise muito profunda; não sei se te lembrarás. E era por causa de uma mulher. 

— Claro que me recordo. E falaste-me nela se bem que o assunto te fosse doloroso. Chamava-se Hada. 

— Pois Hada encontra-se aqui. 

Bart ficou boquiaberto. 

— O que dizes? O que acabas de ouvir. Queres saber o que sucedeu? 

E contou a Bart tudo o que se passara desde o momento em que encontrara Hada até ela lhe confessar que Flanagan era seu marido. 

— Podes calcular a minha surpresa — murmurou ao terminar. — A situação não me agradou absolutamente nada, porque não gosto de fazer figura de parvo. Desagradou-me sobretudo quando ele entrou em casa e me disse: — Olá, amigo, estou encantado por o conhecer!'—Fiquei sem saber se devia estender-lhe a mão ou não. Sentia-me confundido. 

— Naturalmente estavas envergonhado. 

— Envergonhado de quê? 

— De desejares a mulher dele. 

Roy fechou os olhos durante um momento. Sempre tinha sido sincero com o amigo e queria continuar a sê-lo. 

— Não sinto vergonha. Talvez seja mais ódio. Ódio por ele porque pode possuir Hada sempre que o queira; ódio a Hada porque me abandonou sem uma palavra, sem uma explicação, simplesmente porque me julgava um aventureiro. Ódio a mim próprio, porque apesar de tudo a desejo com toda a minha alma. Juro-te que nunca vivi numa confusão semelhante. 

Bart fez um gesto com o braço, como quem espanta uma mosca. 

— Então este assunto não te convém, amigo. Esquece os sete mil e quinhentos dólares e vamo-nos embora daqui. Outra vez longe dela conseguirás esquecê-la. 

— Agora já não posso ir. Agora já a tenho metida no sangue. 

— É como um veneno, hem? 

— Como um veneno maldito. 

— E pensas cumprir a tua ameaça? 

— Sim. 

— Isso significa que terás de enfrentar Flanagan. E o duelo será de morte. 

Roy encolheu os ombros. 

— Se queres que te diga a verdade não me importo. Flanagan não é mau tipo, por sinal. Mas eu só penso naquela mulher. 

— Mau caso, rapaz. Nunca te vi tão obcecado por uma coisa. Insisto em que nos vamos. 

— Agora já não posso fazê-lo, Bart. 

— Porquê? 

— Ela julgaria q6 A força do veneno de uma mulher

Ray estava estendido sobre a cama, com as mãos debaixo da nuca, na posição preferida do seu amigo Bart. 

Encontrava-se assim não sei há quantas horas. Talvez há uma tarde inteira; não sabia. Os pensa-mentos enchiam-lhe o cérebro e pareciam chocar entre si, produzindo uma espécie de vertigem. Uma sensação de fracasso, de dor que lhe enchia a alma. 

Devia ser muito tarde porque estava tudo envolto em sombras. Mas Roy tinha perdido a noção, das horas, a noção de tudo. 

Logo se abriu a porta das traseiras que dava diretamente para a rua. Bart entrou sem bater. Não trazia máscara. Tinha apenas o chapéu coberto de pó puxado para a cara. 

— Olá, Roy. — Roy baixou a cabeça. 

— Bart, alguém pode ter-te visto. 

— Ninguém me viu. Está tudo vazio como um cemitério. Sentou-se na beira da cama e sacudiu o chapéu. A partir de agora, até que o trabalho termine, não nos veremos mais. Mas queria que soubesses que já me encontro aqui e ao mesmo tempo trocar umas impressões contigo. 

Roy estendeu-lhe a garrafa de uísque. 

— Parece que adivinhava que vinhas, rapaz... 

— Aceitaste o encargo? Sim. Se bem que seja difícil. 

Bart assentiu depois de beber um trago. 

— Ouve-se falar gente durante a viagem e vamos sabendo mil detalhes. Aposto que te contrataram para lutar contra a «Amalgamated Trust». 

— Acertaste, rapaz. 

— Hummm... é um assunto perigoso. Tanto que pensava dizer-te que não te metesses nele. 

— Trabalharei só. 

Bart olhou-o surpreendido. 

— A que vem isso? Até agora, quando um as-sunto convinha aceitávamo-lo os dois; quando não convinha, mandávamo-lo ao diabo, mas sempre juntos. Se não te agrada, porque não o deixas tu também? 

— Trata-se de uma coisa pessoal. 

— Que é? 

— Bart; tu e eu trabalhámos juntos até há ano e meio. Nessa altura passava eu por urna crise muito profunda; não sei se te lembrarás. E era por causa de uma mulher. 

— Claro que me recordo. E falaste-me nela se bem que o assunto te fosse doloroso. Chamava-se Hada. 

— Pois Hada encontra-se aqui. 

Bart ficou boquiaberto. 

— O que dizes? O que acabas de ouvir. Queres saber o que sucedeu? 

E contou a Bart tudo o que se passara desde o momento em que encontrara Hada até ela lhe confessar que Flanagan era seu marido. 

— Podes calcular a minha surpresa — murmurou ao terminar. — A situação não me agradou absolutamente nada, porque não gosto de fazer figura de parvo. Desagradou-me sobretudo quando ele entrou em casa e me disse: — Olá, amigo, estou encantado por o conhecer!'—Fiquei sem saber se devia estender-lhe a mão ou não. Sentia-me confundido. 

— Naturalmente estavas envergonhado. 

— Envergonhado de quê? 

— De desejares a mulher dele. 

Roy fechou os olhos durante um momento. Sempre tinha sido sincero com o amigo e queria continuar a sê-lo. 

— Não sinto vergonha. Talvez seja mais ódio. Ódio por ele porque pode possuir Hada sempre que o queira; ódio a Hada porque me abandonou sem uma palavra, sem uma explicação, simplesmente porque me julgava um aventureiro. Ódio a mim próprio, porque apesar de tudo a desejo com toda a minha alma. Juro-te que nunca vivi numa confusão semelhante. 

Bart fez um gesto com o braço, como quem espanta uma mosca. 

— Então este assunto não te convém, amigo. Esquece os sete mil e quinhentos dólares e vamo-nos embora daqui. Outra vez longe dela conseguirás esquecê-la. 

— Agora já não posso ir. Agora já a tenho metida no sangue. 

— É como um veneno, hem? 

— Como um veneno maldito. 

— E pensas cumprir a tua ameaça? 

— Sim. 

— Isso significa que terás de enfrentar Flanagan. E o duelo será de morte. 

Roy encolheu os ombros. 

— Se queres que te diga a verdade não me importo. Flanagan não é mau tipo, por sinal. Mas eu só penso naquela mulher. 

— Mau caso, rapaz. Nunca te vi tão obcecado por uma coisa. Insisto em que nos vamos. 

— Agora já não posso fazê-lo, Bart. 

— Porquê? 

— Ela julgaria que sou um cobarde. 

— Deixa-te de disparates e... 

— Não posso, Bart. Juro-te que não posso. Isso queria eu, pobre de mim. 

Bart compreendeu que não havia nada a fazer. Que era verdade que ele tinha o veneno metido na alma, no sangue. 

— Nunca te vi assim — confessou. 

— Tu deves pensar que este assunto não te diz respeito... mas poderás agir como sempre. Vigias-me e quando vires que é altura podes entrar em ação. Uma vez que consiga reunir os meus principais inimigos tratarei de os levar para um sítio deserto para os tratarmos como de costume. Leva a garrafa quando te fores embora, Bart. E vai-te animando porque as complicações não devem tardar a começar... 


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