domingo, 31 de outubro de 2021

ARZ133.05 A mulher fascinante que assistia ao «rodeo»

O'Farrell foi assistir ao «rodeo» porque, caso estranho, tomava parte nele Driver, conhecido jogador da quadrilha de Douglas, mas desconhecido na sua nova versão de vaqueiro. Dava-se, além disso, a circunstância, muito tentadora para O'Farrell, de Piky Laura também assistir, entre os bandidos do «saloon» flutuante. 

Driver acabava de se apresentar montado num potro baio, com manchas cor de cinza. Dominou-o com magnifica mestria; nem uma só vez abandonou a sela, apesar de serem muitos os esforços do cavalo. Fê-lo galopar velozmente, saltou por um lado, voltou a subir e atirou-se pelo outro lado. Parecia ter asas nos pés. Fazia verdadeiras diabruras a cavalo; mudava constantemente de posição, saltava por um flanco e aparecia por outro. Mas ainda não estava plenamente satisfeito com o seu trabalho. 

— Agora vão ver! — exclamou. 

Pôs-se em pé em cima do potro. Foi como se cravasse os pés na garupa do animal. Esteve assim mais de três minutos, a pleno galope. Quando o cavalo se rebelou e o sacudiu, Driver esticou as rédeas e abriu as pernas para cair escarranchado. Rapidamente, esporeou o animal com força, apoiou-se nas mãos e deixou-se cair para trás. Segurou o potro pela cauda, correu uns instantes atrás dele e de um salto prodigioso subiu de novo para a sela. Atuara como um maravilhoso acrobata, com tanta sincronização e mestria como um artista de circo. Todavia, não devia ter convencido por completo a multidão, porque apenas obteve fracos e isolados aplausos. 

— Que é isto? — indignou-se Perry Douglas. — Que deseja essa gente? Não percebo porque não o aplaudem como merece. 

— É verdade — concordou Mackley. — Driver tem de ganhar o prémio custe o que custar. Temos de salvar o nosso prestígio. 

O cavaleiro rival de Driver fez uma extraordinária doma do seu animal. Dominou-o por completo e repetiu os mesmos exercícios do seu competidor. Isto é, pôs-se em pé em cima do animal, atirou-se ao solo agarrado às crinas, volteou rapidamente e fez a mesma coisa do outro lado, sem falhar nenhuma vez. Claro que recebeu uma estrondosa ovação. Toda a gente gritava, entusiasmada, e o público era o juiz. Os mil dólares de prémio seriam para o cavaleiro preferido pelos espectadores. 

— Não posso mais — gritou Perry. — Esta maldita gente está vendida.

 — Cala a boca, jogador! Kariway deu os saltos com maior rapidez e limpeza. Não há cavaleiro que o iguale — replicou um vaqueiro. 

Esta frase foi repetida por muitos espectadores, de tal maneira que conseguiram encolerizar o chefe de jogadores. 

— Driver ganhou! Se não lhe concedem o prémio, sou capaz de abrir a cabeça a todos. 

Driver deitou água na fervura. 

—Cala-te, Perry! Farei outra exibição mais difícil. Se não levar o dinheiro, encobriremos as árvores de enforcados. 

Soltaram um novo corcel. Driver segurou o laço uns segundos, correu atrás do cavalo e laçou-o com maravilhosa facilidade. Encurtou a distância até o ter à mão. Saltou. Puxou o laço, que lhe servia ao mesmo tempo de rédea. Com a outra ponta laçou o segundo potro e obrigou-o a juntar-se ao primeiro. Depois de vários minutos de doma e de trabalho, levantou-se e pós um pé em cima de cada um dos animais. Deu assim várias voltas, seguindo um terceiro alazão. Quando viu que se punha junto de um deles, saltou--lhe para cima, segurou-se às crinas e cavalgou o animal sem afrouxar a corrida. Mais tarde, atirou-se ao solo, sacudiu o pó do fato e olhou com ar de desafio para o público. 

— És genial, Driver! — gritou Piky Laura, que aplaudia raivosamente. 

O xerife aproximou-se da mulher, abrindo caminho por entre a multidão. Olhou-a fixamente durante algum tempo. «Miss» Laura estava entusiasmada com o «rodeo» e não prestava atenção ao que se passava fora da pista, e muito menos naquele momento, em que o ídolo de S. Luis, Kariway, recomeçava o seu trabalho. Fez-lhe sinal de que lhe queria falar, mas encontrou--se com uns olhos que não eram os de Piky. 

— Procura complicações, xerife? — perguntou-lhe, com voz áspera, Perry Douglas. — É evidente que sim. Mas sair-se-á mal se tentar caçar em terreno coutado. 

Piky virou-se para O'Farrell e sorriu-lhe com simpatia. 

— Oh, xerife! Vi-o antes de entrar. Estou a divertir--me muito. Vai esta noite ao «saloon»? Recebê-lo-emos com a mesma simpatia de sempre. 

Perry resmungou qualquer coisa. 

— Você está transtornado, Douglas. Este não é o seu lugar. Você é um jogador, homem de «saloon» e não de pradarias — observou, enquanto com um lenço limpava a estrela. — O «rodeo» sem apostas combinadas é um contrassenso para si, visto ser conhecida a sua velha preferência pela batota. 

Perry avançou um passo. 

— Tome muito cuidado com o que diz, xerife. Sou tão honesto e cavalheiro como você, para não dizer mais. Reconheço que o meu temperamento é demasiado explosivo, mas confesso que é útil para tratar com valentões como você. 

Perry estava mais agressivo do que nunca. Fez um gesto suspeito, mas O'Farrell agarrou-o pelo pulso. 

— Você tem sangue de pistoleiro. Atrai-o o revólver, mas comigo isso não lhe servirá de nada. Não terei inconveniente em meter-lhe uma bala na barriga quando tiver a certeza de que é quem suponho. 

«Miss» Laura fez uma careta de aborrecimento. 

— Outra vez? Deixem-se de discussões. Kariway está no «rodeo» a fazer diabruras. Era verdade. 

Kariway corria atrás dos dois cavalos, montado noutro. Enlaçou os três com duas cordas. Galopou montado no primeiro, que conduzia os outros. Desceu rapidamente, subiu para o segundo. Repetiu a operação com o restante. Mas este rebelou-se e ergueu-se nos quartos traseiros durante breves segundos. Kariway caiu no chão. Irritado, suando copiosamente, correu atrás do potro e subiu para ele. O laço serviu-lhe de chicote, com o qual o castigou severamente. 

De repente, dominou de novo a situação e o entusiasmo dos espectadores. Efetuou uma sensacional cavalgada, direito e firme no cavalo. Atirou uma moeda ao ar e disparou duas vezes seguidas. Um vaqueiro entusiasta de Kariway saltou para a pista e pegou na moeda. Deu um salto de alvoroço. 

— Tem dois buracos! — gritou, mostrando ao público, que rompeu numa estrondosa ovação. 

Atravessara-a ao centro, com dois círculos enlaçados. Os homens do «saloon» flutuante entreolharam-se, atónitos. Alex, com a sua mão ligada, parecia o mais turbulento. 

— É falso! Essa moeda já estava furada! — gritou, fora de si. 

O'Farrell bocejou, aborrecido. 

— Falso — repetiu Mackley. — Driver ganhou o «rodeo». 

— Exato! — gritou Alex. — Exigimos o prémio que ganhámos em luta leal. 

Um vaqueiro que se encontrava perto do xerife riu sarcasticamente. 

— Vão para o «saloon» flutuante, que é o covil que lhes pertence! Assim que saem dele, são como peixes fora de água. Hoje o «rodeo» não cheira a podre, como sucedia dantes. Fora com os pistoleiros que assassinaram Cassidy! 

Alex respondeu de acordo com o seu temperamento zaragateiro. Tirou o revólver, com um gesto brusco e nervoso e disparou rapidamente contra o vaqueiro, que acusou o tiro, fazendo uma careta de dor. Deixou cair a moeda, mas teve forças para tirar a arma e responder à agressão. Imediatamente se generalizou a contenda. Apesar de Douglas se esforçar por conter os seus, foi-lhe impossível evitar os acontecimentos. Apareceram numerosos revólveres e trovejaram os disparos, entre gritos e correrias. 

O único homem que não interveio na luta foi o xerife. Viu que os jogadores fugiam depois de saltarem a paliçada. Mas «miss» Laura ficara para trás. Dirigiu-se para ela, temendo que fosse esmagada pelos espectadores furiosos. 

— Está ferida, «miss» Laura? Venha comigo, por favor. 

Piky passou a mão pela cabeça. 

— Não esperava isto do público. Driver demonstrou que é um cavaleiro excecional. 

— Perdeu. Reconheça que se modificaram as coisas desde que decidi perseguir Douglas e os que o favorecem. A morte de West é o caso dos jogadores. 

— Sim, nota-se alguma diferença. Não percebo por que Motivo Perry se meteu nisto — disse, indicando o recinto de provas. — Perry é um grande senhor que aspira a coisas maiores. 

—Considera grande matar West e Cassidy? 

— Oh, não! Ele está inocente. Surpreendeu-o muito a morte violenta de Roy — desculpou-o, sorrindo tão dengosa como sempre. 

Naquele momento os espectadores rodearam o par. Alguns levantaram os braços, pedindo a cabeça de Piky. uma mulher má! 

— Deixe-a, xerife. E tão culpada como os seus amigos. 

O'Farrell conteve os furiosos. 

— Acalmem-se, rapazes. Estão a cometer um lamentável erro. «Miss» Laura trabalha no «saloon» de Perry Douglas como poderia trabalhar noutro lado. Parece-me lógico que defenda os seus amigos. 

— Ora, é da mesma espécie! — exclamou um vaqueiro grisalho. — Foram eles que perverteram a nossa cidade. Que interessa que sejam homens ou mulheres? 

— Gosta dela. Não o veem nos seus olhos? 

O'Farrell respirou fundo e fitou-os com ar de desafio. 

—E se fosse assim, que aconteceria? Porventura não sou um homem como vocês? 

— Mas também é xerife, «mister» O'Farrell. 

— Que insinuam? Por usar uma insígnia não posso admirar as coisas belas? Julgas que sou um ermitão? 

O velho afagou a barba comprida. 

— Mau negócio, xerife. Essa mulher pode ser a sua perdição. 

Piky Laura deixou escapar um prolongado suspiro. Olhou o xerife nos olhos, agradecida pela forma como a defendera. 

--- Estou-lhe muito grata, Philips — murmurou. 

O xerife sentiu uma indescritível impressão. «Miss» Laura fora amável com ele, como se desejasse entusiasmá-lo e fazer-lhe crer que a poderia conquistar. 

— Eh! Que é isto? -- surpreendeu-se alguém. 

— Demónio, Perry Douglas volta ao «rodeo»! Que mosca terá mordido a esse patife? Voltava sozinho, a cavalo, muito arrogante, mas com o rosto franzido, os lábios apertados, visível o coldre de couro lavrado debaixo das abas bem cortadas da sobrecasaca escura. O xerife virou-se, eletrizado. Com os maxilares fortemente apertados, foi ao encontro do chefe da quadrilha do embarcadouro. 

— Que deseja daqui? — perguntou, desabrido. 

Douglas não lhe ligou importância. Desceu do cavalo e, sem proferir palavra, sem temer a reação dos espectadores que antes pediam a sua cabeça, aproximou-se de Piky Laura e beijou-a. 

— Vamos para o «saloon», Piky. verdade que este não é o nosso lugar. Perdemos o «rodeo», mas mais nada. 

Piky não se mexeu e olhou de Douglas para o xerife. Este permanecia silencioso e grave, à espera da reação da mulher. 

— Não posso ficar aqui a conversar com estes senhores? — perguntou a rapariga, com timidez, como se lhe tivesse medo. 

— Não! Não quero que estejas ao lado do xerife. Vamo-nos embora imediatamente. 

Foi uma chicotada, esta voz. Tão forte e autoritária, que fez estremecer a artista. Seguiu-o uns passos, como se estivesse hipnotizada. Quando chegou junto do cavalo, parou e virou a cabeça timidamente. Fez um gesto de resignação. Douglas pô-la na garupa do animal e montou em seguida. Ficou de esporas e assim desapareceu entre a poeira que levantavam. 

O'Farrell afagou o queixo, pensativo. Não sabia se estava indignado ou se compreendia a reação de Piky. Não sabia como pensar. Mas o velho Turlow tirou-o da sua indecisão, dizendo-lhe 

— Xerife, aquela mulher pode perdê-lo. Recomendo--lhe que não se deixe enganar por um fantasma com saias. Compreendeu? 

Voltou a coçar o queixo. Acontecia-lhe qualquer coisa com «miss» Laura, qualquer coisa simples e bela: fascinara-o e sentia incontível vontade de a abraçar com força, como podia fazer Douglas sempre que quisesse. Por isso o invejava.


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