quarta-feira, 13 de outubro de 2021

CWB011.07 «Whiskey» e armas em troca das terras dos índios

Minutos depois, Búfalo Bill entrava no «saloon» «A Mina de Ouro». 

A clientela do «saloon» era constituída na sua maioria por soldados. Búfalo Bill, repelindo o assédio de algumas mulheres exuberantemente pintadas que pretenderam tolher-lhe a passagem dirigiu-se ao balcão. 

— Desejo falar com o dono da casa. É assunto importante e urgente. 

Perante a energia do pedido, a mulher que o atendeu saiu do balcão e bateu com os nós dos dedos numa porta ao lado. Passaram os minutos sem que aparecesse Groves nem a mulher. Não apareceram porque Kurt Groves espreitou por um pequeno ralo e, ao ver quem o procurava, estremeceu. Em seguida, ordenou rapidamente: 

— Depressa, June! Sai pelas traseiras e vai chamar Canning e Pearson. Que venham contigo! 

Dez minutos depois a criada regressava acompanhada por dois soldados do Exército dos Estados Unidos. 

— Podes ir June — ordenou Groves. — Diz ao forasteiro que o receberei a seguir. Justifica a demora com umas contas que eu estava a fazer. 

Ao ficar só com os dois soldados, dirigiu-se ao mais corpulento: 

— Esta tarde queixavas-te do pouco trabalho que tinhas. Ora vê lá como são as coisas, Canning! Esta noite podem ganhar quinhentos dólares. Que tal? 

— Gostamos da notícia. Que temos de fazer? 

— É muito simples para vocês, apenas liquidar um homem que sairá por essa porta — declarou, apontando aquela por onde os soldados entraram — depois de eu falar com ele. Mas desta vez não admito qualquer falha. Não receberão um centavo se o homem escapar com vida. Que respondem? 

— Pode avisar o coveiro. Faça-o sair por essa porta e prepare as cinco notas. Viremos buscá-las um minuto depois de ouvir os tiros. De acordo? 

Os soldados saíram pelas traseiras e Groves pela porta que comunicava com o «saloon». Viu imediatamente Búfalo Bill a conversar com a criada que fora dar-lhe o recado. 

— Mas é o coronel Cody! — exclamou, parando junto deles. — Se soubesse...! 

— Não procure disfarçar, Groves. Ou pretere que lhe chame Maxwell? Bom, visto que já saiu do covil, onde poderemos conversar a sós? 

— No meu escritório — respondeu Groves esforçando-se por dar às palavras a maior naturalidade, convencido de que aquela visita não lhe traria nada bom. 

Groves entrou no escritório seguido de Búfalo Bill, fechou a porta e convidou o visitante a sentar-se. De soslaio, verificou que estava bem dissimulado o revólver que metera entre um monte de papéis. 

— Sente-se, coronel Que tem para dizer-me? 

— Trago-lhe um recado que, por minha vontade, você ficaria sem sabê-lo. Trata-se dos «sioux» das Black Hills. Precisam mais armas e mais «Whisky», como as que lhe vendeu ultimamente. O caudilho «Olho Negro», particularmente, é quem mais pressa tem de recebê-las. 

Groves, ao ouvir o nome de «Olho Negro», fez esforços enormes para dar a impressão de não saber de quem lhe falavam. Declarou ser a primeira vez que ouvia falar em «Olho Negro» e que nunca vendera armas e «Whisky» em grandes quantidades. 

— Enganaram-no, coronel. Eu só vendo espingardas e revólveres isolados, e o mesmo acontece com a bebida. Só vendo a que os fregueses bebem na minha casa. 

— Isso não interessa; só quero saber onde posso obter mais armas e «Whisky» da espécie que você está a vender aos «sioux». 

Kurt Groves esteve prestes a cair na armadilha que Búfalo Bill lhe estendera. Não caiu porque... se lembrou a tempo das primeiras palavras do famoso batedor. Ao referir-se a «Olho Negro» dissera «como as que lhe vendeu ultimamente. Ali estava a falha de Búfalo Bill! Groves não vendera armas nem «Whisky» a «Olho Negro», mas dera-lhas; não a ele, mas a Melvin Lytton, para conseguir convencê-lo a vender-lhe as terras. Agora compreendia o jogo de Búfalo Bill, e felicitava-se intimamente pela ideia de ter encarregado os dois soldados de o liquidarem. O caso dependia agora somente de fazê-lo sair pelas traseiras, onde o esperava a emboscada. 

— Está bem, coronel. Visto que já sabe tudo, não vale a pena dissimular mais. O «Whisky» forneço-o eu, mas as armas são duma personagem importante cá da terra. Não posso dizer-lhe o nome, mas apresento-o ao seu homem de confiança. Isto, porém, só pode ser amanhã, por volta do meio-dia. Está bem? 

— Não podendo ser hoje, voltarei amanhã. 

Búfalo Bill levantou-se e apontou para a porta que dava para as traseiras. 

— Posso sair por ali? — perguntou. — Preferia, a ter que atravessar novamente o salão. 

Groves acedeu contente intimamente, pois aquilo representava a eliminação do perigoso Búfalo Bill. Quando este chegou à rua das traseiras do «saloon>, distinguiu, junto às colunas do alpendre fronteiro, dois soldados do exército. Embora fumassem tranquilamente, Búfalo Bill desconfiou das suas atitudes, e preparou-se para o pior. 

Avançou para atravessar a rua, pensando que os soldados não calculavam com quem teriam de entender-se no caso de... 

O caso verificou-se. Quando os dois quadrilheiros se dispuseram a agir, puxando pelos revólveres, Búfalo Bill deitou-se no chão e disparou. Os outros, surpreendidos por aquela reação, quase não tiveram tempo de apertar os gatilhos. Com as armas na mão, rolaram pelo solo. Búfalo Bill voltou para trás e, muito sereno, bateu discretamente na porta por onde saíra. 

— Como calculava... Bom trabalho, rapazes — dizia Groves, enquanto abria a porta. — Ouvi os tiros e... 

— Os teus rapazes fracassaram — interrompeu Búfalo, dando-lhe um empurrão. — Toda a vida foste um intrujão, Groves; ou melhor, Maxwell. Não era assim que te chamavas quando te expulsaram de Dodge City? Mas agora não terás tanta sorte, Sairás daqui para onde não possas prejudicar ninguém, mas antes... vais dizer tudo quanto sabes sobre armas e «Whisky», começando pelo nome dessa personagem importante que te protege... Vamos, desembucha! — insistiu, agarrando-o pelo pescoço. 

Kurt Groves, como todos os cobardes, tremia agora dos pés à cabeça. Aterrorizado pela atitude de Búfalo Bill, começou por dizer um nome que produziu neste o efeito duma descarga elétrica. 

— Não te admito gracejos, Groves! — rugiu. 

— Juro-lhe que é verdade, coronel. Posso provar-lho com documentos que tenho aqui. 


Kurt Graves abriu uma gaveta e tirou uma pasta. Búfalo Bill ao ler o primeiro documento reconheceu que o outro falava verdade. Estava assombrado com a revelação. Tão grande era o seu desconcerto que até descurou a vigilância do desesperado Groves. Este, recordando que debaixo dos papéis tinha um revólver, aproveitou o pequeno descuido de Búfalo para um acto de valentia impróprio nele. Precipitadamente, agarrou na arma e... apenas acelerou o seu final. 

Búfalo Bill segurara-lhe o pulso no momento em que apertava o gatilho, voltando a arma para ele. Groves recebeu o projétil no coração e caiu de bruços sobre a secretária, enquanto o famoso batedor pegava na pasta com os documentos e saía pela porta das traseiras. Podia agora esclarecer muita coisa sobre o negócio de armas e «Whisky» com os índios, 

Meia hora depois Búfalo Bill desmontava e batia á porta da casa onde residia Clara Bruning com o pai. Decorridos alguns minutos veio abrir um homem de certa idade, segundo parecia, acordado no melhor do sono, tal o mau modo como respondeu: 

— Não queria mais nada senão falar ao juiz? Pois outro tanto me acontece há dois dias. Porque julga que lhe abri a porta? Por supor ser ele. De contrário... 

— Há dois dias que não vê o juiz Bruning? — interrompeu-o Búfalo Bill, ao mesmo tempo que o empurrava suavemente para dentro de casa e fechava a porta atrás de si. 

— Exatamente; partiu anteontem e ainda não regressou. 

Búfalo Bill meditou uns segundos. Ele e o guia Stead saíram de Deadwood três dias antes. Portanto, se o juiz estava ausente há dois dias, concluíra-se que o magistrado saíra da cidade um dia depois deles. 

— Muito bem — disse para o homem. — Avise então a menina Clara. Diga-lhe que o seu amigo Búfalo Bill deseja falar-lhe. É muito urgente. 

— Diabos! — exclamou, assombrado. — É o famoso Búfalo Bill! Maldita vista a minha! Há uns anos tê-lo-ia reconhecido imediatamente! Entre, entre, coronel. Desculpe, mas a menina também não está em casa. Saiu pouco depois do juiz e não voltei a vê-la. Desapareceram, pai e filha, como se os engolisse a terra. O meu patrão, não admira, pois já tem estado ausente outras vezes. Mas a menina nunca ficou fora de casa. 

O velho pôs o candeeiro sobre a mesa e declarou: 

— Começo a recear que tenha acontecido alguma coisa à menina. Cheguei à conclusão de que o seu desaparecimento poderá estar ligado a certo indivíduo que vi a rondar na rua, na manhã em que ela saiu. 

— Conheceria esse indivíduo se voltasse a vê-lo? Pois claro! Em Deadwood toda a gente o conhece e tem má fama. É um hábil pistoleiro chamado Melvin Lytton... 

— Sabe por acaso se esse Melvin Lytton é amigo de Kurt Groves? 

— Que eu saiba, Kurt Groves não mantém relações com Lytton. Esse bandido do Groves prefere empregar os soldados. Fazem o mesmo e são mais baratos. 

— Voltou a ver esse Lytton depois do desaparecimento da menina Clara? 

— Não; mas isso não quer dizer nada. Há meses que Lytton está mais tempo fora do que aqui na cidade. Quando aqui vem faz umas visitas aos «saloons» e parte de novo. Deve trabalhar noutro sítio, pois os cinco ou seis amigos que aqui tinha, há tempo que partiram e não voltaram mais! 

Teria aquilo alguma relação com o assunto das armas e do «Whisky» que Kurt Groves vendia? E sendo assim, teria Lytton algo que ver com o desaparecimento de Clara Bruning? 

— Poderia dizer-me como é esse Melvin Lytton? 

— É alto, magro, rosto comprido e dedos que 'parecem garras. Quem o vê não o esquece mais. 

— Uma última pergunta: sabe se aqui veio alguma vez o general Wilkerson? 

— Várias vezes. Ele e o juiz são amigos desde muito novos. 

— Obrigado. Se, entretanto, regressar a menina Clara, diga-lhe que preciso falar-lhe. Que me espere em casa do comerciante Jens Macy. 

Quando saiu, encontrou «Águia Guerreira», que vinha ao seu encontro. 

— Não podemos perder um minuto. Temos que fazer nos arredores das tuas terras. Monta e segue-me! Porém, antes de saírem da cidade, Búfalo Bill foi a casa de Jens Macy, a quem deu algumas instruções. 

Galoparam durante algum tempo, calados. Só perto das Black Hills Búfalo Bill perguntou: 

— «Águia Guerreira» viu alguma vez o homem branco que lhes vende as armas e a «água de fogo»? 

— Sim. «Águia Guerreira» assistiu a uma entrevista de seu primo «Olho Negro» com esse homem. É alto, magro, rosto de serpente e mãos parecidas com garras de falcão. Parece um homem que gosta de matar. 

Búfalo Bill acertara no alvo. O homem era Melvin Lytton. Portanto... 

— Corramos, «Águia Guerreira»! Vamos desmascarar o homem branco que pretende provocar uma nova guerra entre as nossas raças! 

Só quando chegaram próximo do acampamento do grande guerreiro «sioux» Búfalo Bill voltou a falar: 

— Ouve, «Águia Guerreira»: se o teu povo promete não se opuser à colonização do homem branco, «Pahaska» promete dar aos peles-vermelhas boas armas para se defenderem. Não poderão usá-las contra a minha raça... senão para defender as suas vidas. Em todos os outros casos recorrerão à justiça do Grande Pai Branco. Que responde «Águia Guerreira»? 

— «Águia Guerreira» e o seu povo seguirão os conselhos de «Pahaska» — prometeu, solene. — Os homens brancos nada terão a recear de nós. 

— Então, escolhe vinte dos teus melhores guerreiros, para partirmos imediatamente para o acampamento militar. Temos de chegar antes do nascer do sol. Disso depende conseguirmos as armas prometidas e de prender o culpado de muitos «sioux» terem ficado sem as suas terras... Vamos! 

Era mais de meia-noite quando Búfalo Bill entrou na tenda do general Wilkerson, acompanhado por uma sentinela, que pouco depois se retirou, deixando-os sós. 

Entretanto, cá fora, umas vinte figuras silenciosas dominavam todas as sentinelas, deixando-as sem sentidos. Em seguida, os vinte guerreiros índios apreendiam todas as armas e munições do acampamento, enquanto os soldados dormiam confiados. O único que presenciou a operação foi o general, tendo Búfalo Bill atrás dele. 

— Agora é a sua vez, general — disse Búfalo Bill. — Cumpra a sua parte que eu cumprirei a minha. 

— Moore!  — chamou o general, lívido e com voz trémula, à porta da tenda dum oficial. 

— Pronto, meu general! — respondeu o tenente. — Vou partir com o coronel Cody para uma missão especial e confidencial. Tome este sobrescrito; nele eu explico tudo ao Comando Supremo. Não saia da sua tenda antes do render das sentinelas. Nada mais. 

Quando o tenente desapareceu no interior da tenda, o general disse: 

— Quando quiser, Cody. É a sua vez. 

— Por esse lado pode estar tranquilo. Eu cumpro sempre o que prometo. 

Pouco depois afastavam-se do acampamento em direção às próximas montanhas. Atrás deles ficavam duzentos soldados e oficiais a dormir tranquilamente. Só o tenente Moore sabia que o general já não estava junto deles. Mas o que nem o tenente Moore podia imaginar era que... 


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