segunda-feira, 11 de outubro de 2021

CWB011.05 Planos para a convivência com os índios

Deadwood, de pequena aldeia da região aurífera de Dakota, transformou-se dum dia para o outro na mais importante cidade e centro da comarca formada por várias povoações em redor, em Black Hills. 

Diariamente ali chegavam três diligências vindas de diversos pontos. Acabava o ano de 1876. Naquele dia, na diligência vinda de Hot Sping, chegou Búfalo Bill, acolhido com várias opiniões; de alegria para uns, de apreensão para a maioria. 

— É preciso muito cuidado, Lytton — dizia Kurt Groves, dono do principal «saloon» de Deadwood e um dos mais audazes aventureiros da região, — Esse maldito coronel Cody vem fiscalizar como compramos as terras aos índios, e não é possível enganá-lo. 

— Tudo depende de si, chefe — fanfarronou Lytton, levado pelo seu temperamento de hábil pistoleiro. — Uns gramas de chumbo bastam para arredar esse coronel do caminho. Eu mesmo posso encarregar-me... 

— Deliras, Lytton, se julgas que é tão fácil como supões. Não quero essa solução. Continua a convencer «Olho Negro» a vender-nos as terras e não te preocupes com o coronel Cody. E agora vai-te embora. Não quero que alguém suspeite de que trabalhas para mim. 

Melvin Lytton saiu de «A Mina de Ouro» pouco satisfeito com o chefe. Como pistoleiro preferia a atuação violenta à diplomacia. De repente, esqueceu todas as preocupações ao receber na rua um encontrão casual duma linda rapariga, que se limitou a pedir desculpa e seguir o seu caminho. Movido por uma força estranha, seguiu-a de perto até ao único hotel da cidade, onde a ouviu perguntar ao gerente: 

— Faz-me o favor de avisar o senhor Cody que Clara Bruning deseja falar-lhe. 

Pouco tempo depois regressava um empregado do hotel seguido pela figura inconfundível de Búfalo Bill, com os seus trinta e dois anos, figura arrogante e longa cabeleira. 

— Clara! És tu realmente, rapariga? Como diabo vieste parar a Deadwood? Quem te disse que eu me hospedava aqui? — perguntou, correndo contente a apertar-lhe as mãos. 

— Sempre que nos encontramos perguntas o mesmo, Bill! Sabes bem que não podes passar despercebido. Toda a gente já sabe que chegou Búfalo Bill! 

Melvin Lytton colocara-se num sítio onde podia ouvir a conversa. Naquele momento, Clara dizia: 

— Venho procurar-te porque só tu podes solucionar o que está a passar-se. Trata-se das terras dos índios. Alguém distribuiu grandes quantidades de «whisky» pelas tribos. Assim, ninguém consegue comprar legalmente uma parcela de terreno, porque eles só vendem contra armas, munições e álcool. Resumindo: se não se acabar com os que envenenam os índios, não passará muito tempo que não estejamos em guerra com os «sioux». Meu pai, o atual juiz, tentou convencer os chefes de tribo. Porém, com exceção dum tal «Águia Guerreira», ninguém o ouviu. É um grande caudilho que domina a zona mais prometedora das Colinas Negras. Ele e outro chefe de tribo, «Olho Negro», açambarcaram a melhor região mineira. Graças a isso ainda não aconteceu o irremediável. 

— Irei visitar esse «Águia Guerreira». Sei que é inteligente e talvez possa chegar a um acordo com ele. Essa é a missão que aqui me trouxe, vou acompanhar-te a casa, pois já está escuro. Não te preocupes mais com esse assunto. O que devias fazer era casar-te. Ainda não encontraste o teu «príncipe azul»? 

— Porque me perguntas isso, Bill? — disse a jovem, estremecendo. — Sabes que já encontrei esse «príncipe azul» há muito tempo. Mas é ele quem passa sempre de largo por mim. 

Embora já o suspeitasse, Búfalo Bill adquiria agora a certeza de que Clara estava apaixonada por ele. 

— Bem, Clara; já é tarde. Vou acompanhar-te a casa e aproveito para pedir a teu pai um guia que me leve amanhã ao acampamento de «Águia Guerreira». 

Nenhum deles reparou que eram seguidos por Melvin Lytton. O pistoleiro decidira averiguar onde morava a jovem que tanto o impressionara. Com mais razão agora, sabendo que ela se interessava pelas terras dos índios, e era antiga conhecida de Búfalo Bill. Continuou seguindo-os, embora sem ouvir o que diziam: 

— Não, Bill, prefiro que não fales hoje a meu pai. Ele não sabe que fui procurar-te. Quanto ao guia, tenho a pessoa que precisas. Amanhã to enviarei. 

— Ótimo, Clara! Mas sendo possível, preferia falar com ele ainda esta noite. Quero partir de manhã cedo. 

— Está bem. Vou mandar-te imediatamente o Stead. Boas noites, Bill. Tem cuidado e boa sorte. 

Búfalo Bill despediu-se de Clara. Ia tão pensativo que não deu importância ao facto de cruzar com um homem parado à esquina. Nem por sombras lhe passou pela imaginação que Melvin Lytton o seguira desde que saiu do hotel com Clara Bruning. 

Ia já adiantada a noite quando Búfalo Bill e o seu guia Stead, homem bom conhecedor da região, chegaram às primeiras sentinelas do acampamento do grande chefe «sioux» «Águia Guerreira», que os receberam de espingardas aperradas. 

Búfalo Bill ao dar o seu nome, notou que o guerreiro índio estremecia ao ouvir pronunciar «Pahaska». A sentinela acompanhou-os até uma ladeira e dali lhes indicou o acampamento do grande chefe. 

Dez minutos depois, o batedor e companheiro chegaram junto doutra sentinela que os conduziu à tenda de «Águia Guerreira». Este, direito e arrogante recebeu os dois brancos, com a mesma dignidade que um rei receberia os seus súbditos. Cintilavam-lhe os olhos ao cravá-los na ondulada cabeleira do famoso e terrível «Pahaska». Saíram da tenda para a tradicional cerimónia de fumarem o cachimbo da paz. No final, «Águia Guerreira» e Búfalo Bill voltaram a entrar na tenda. Stead desta vez ficou cá fora. 

— «Pahaska» é um grande guerreiro, valente e ousado — começou o caudilho «sioux», — «Águia Guerreira> sabe que foi graças a ele que os soldados venceram os meus irmãos, os «sioux». Que pena «Pahaska» ser um homem branco! Sente-se orgulhoso de ter na sua tenda o grande Pahaska» e tem curiosidade em saber o que pretende do povo «sioux» o grande guerreiro branco? 

— «Pahaska» sabe que «Águia Guerreira» é um grande caudilho e temível guerreiro. Se perdeu a guerra, não foi por falta de valentia nem saber, mas por que teve de lutar contra maior número de inimigos e melhor armados. «Pahaska, lamenta também que «Águia Guerreira» não seja um grande chefe dos brancos! Por isso venho falar-te, ó grande caudilho dos «sioux»! Venho para ajudar o teu povo. É esse o meu maior desejo, embora precise para isso da tua colaboração. 

O caudilho «sioux» não se alterou; mas o seu silêncio era um convite para Búfalo Bill prosseguir. 

— O Grande Pai Branco — continuou este — não quer que os seus actos sejam interpretados pelo povo índio como um abuso da sua força. Enviou-me para fazer saber o seu desejo de contar com o povo «sioux», a quem reconhece verdadeiro dono deste território, para proceder à sua colonização pelo homem branco. Para isso está disposto a pagar as vossas terras por um valor justo e a combinar... «Pahaska» sabe também que há homens brancos com o coração enegrecido pela ambição. Deles a culpa que frequentemente haja guerras entre os povos. Mas não é por estes que aqui estou, mas sim pelos que respeitam a Lei e a Justiça; e pela amizade que todos desejamos, «Pahaska» vem pedir a «Águia Guerreira» que não faça contratos com nenhum branco que lhe ofereça como moeda o que é apenas veneno para os corpos. Refiro-me à «água de fogo». Sei quem vende as terras em troca desse produto infernal e até quem exija armas e munições. Pois bem: os que usam esses processos são os inimigos de ambos os povos. Contra eles vem lutar «Pahaska» e para essa luta precisa do auxílio de «Águia Guerreira». O grande chefe «sioux» pode agora prestar o melhor serviço da sua vida à raça que tanto ama. Se assim fizer, será recordado pelos vindouros como um verdadeiro caudilho, sábio, bravo e inteligente. De contrário será amaldiçoado pelos filhos dos seus filhos por não aproveitar a oportunidade oferecida. «Pahaska» falou. 

— «Pahaska» é um grande guerreiro branco, nobre e sem língua de serpente — respondeu o índio, com voz pausada, — Porém, para o caudilho «sioux» se convencer de que há mais brancos como tu, estás disposto a levar-me contigo e mostrares-me o teu povo? «Águia Guerreira» promete em troca ajudar-te a combater contra esses homens maus que entregam «água de fogo» aos «sioux». Que decides? 

— O que me pedes é muito arriscado para ti, «Águia Guerreira». Mas se estás decidido, Pahaska» leva-te com ele para que conheças os da sua raça. Só tens que dizer quando partimos. 

No rosto do índio, pela primeira vez desde que falava com Búfalo Bill, refletiu-se uma expressão de complacência. Considerava-o como a única pessoa ante a qual não dissimulava as suas impressões. 

— Partiremos logo que dê várias instruções —declarou, muito sério. 

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