O criado voltou ao seu trabalho do bote e Eva subiu as escadas do alpendre. Do interior do estabelecimento saía o som do piano, muito maltratado, tentando levar o compasso a uns improvisados cantores.
— Uma noite movimentada, eh, pequena?
Eva levantou a vista, abafando um grito. Ray Went estava na sua frente, com o rosto suado e o cabelo em desalinho, e os olhos que pareciam querer saltar das órbitas. Na mão tinha um revólver que tremia ao compasso da sua agitada respiração.
— Você também estava com os assassinos?
— Exato. Mas fui mais esperto.
— Ou mais cobarde...
Zás! A bofetada fez a cabeça da rapariga ir para trás, fazendo-lhe saltar o sangue pelos lábios.
— Tu és a causadora disto tudo — rugiu, com ódio.
Eva olhou em volta, procurando a salvação em alguém, mas a rua estava deserta e no «saloon» havia demasiado bulício para que ouvissem os seus gritos.
— Vais matar-me?
Went olhou para as suas costas: o «saloon». E pensou que um tiro ali poderia ser perigoso.
— Vens comigo.
— Um rapto? — Aquilo deu uma ideia ao ex-xerife. — Foi uma acertada lembrança, pequena. Começa já a andar.
— Para onde?
— Conheço um sítio em que me prestarás um bom serviço.
O seu rosto contraiu-se num sorriso deveras sinistro. Went arranjou um par de cavalos e obrigou Eva a subir para um. Depois saltou para o outro e lançou ambos num desenfreado galope que os afastou em poucos minutos da cidade.
Pelo caminho, Eva verificou que o ex-xerife a levava para a cabana de Joe, onde tinha encontrado as cartas de Percy Craig. Não pronunciou uma só palavra em todo o trajeto, embora tentasse encontrar alguma oportunidade de escapar. Mas Went devia esperar algo nesse sentido e vigiava-a atentamente, não permitindo afastar-se mais do que a conta. Quando chegaram à cabana, um par de sombras saíram-lhe ao caminho, apontando os rifles. Went deteve a sua montada e Eva fez o mesmo.
— Onde estão os rapazes, Ray? — perguntou um dos pistoleiros.
— No inferno, imagino.
Tomou o braço da rapariga e empurrou-a para junto dos outros bandidos.
— Aqui está a culpada.
— Culpada? Será que morreram?
— Matou-os o juiz, mas estavam os dois juntinhos.
— E para que a trouxeste? Não podias tê-la morto lá?
O outro deu um estalo com a língua.
— Não imaginas o que podemos fazer com ela? Foi uma boa ideia trazê-la, Went. Mas conta-nos, o que se passou com o juiz?
O ex-xerife tossiu.
— Bom, não tivemos sorte.
— Isso quer dizer que ele está vivo ainda?
— Exatamente.
— Maldito seja. Quando o chefe souber que lhe desobedecemos e para mais que não conseguimos nada positivo, esfola-nos vivos.
— Esquece o chefe agora, Red.
— Não posso fazê-lo, maldito sejas. Isto foi uma ideia tua, Went. Disseste que se lhe levássemos a notícia da sua morte nos cobriria de ouro, e já viste o que conseguimos: fazer-nos credores de uma boa ração de chumbo.
— Queres calar-te de uma vez, Red? Ou terei de partir-te os dentes. Não vês que tenho aqui esta pomba? Para que julgas que eu a trouxe. Para vo-la oferecer?
O companheiro de Red deu-lhe uma cotovelada.
— Deixa de protestar contra a mulher e escutemos o Ray. Talvez tenha alguma coisa importante para nos dizer.
— Claro que sim! Mas entremos na cabana.
Assim o fizeram e Went fechou a porta com um pontapé, encostando-se nela.
— Pois como esse porco do Juiz não está morto, faremos vi-lo aqui e acabaremos com ele, como um porco que é.
Eva revoltou-se ao ouvir aquilo, mas o miserável fê-la sentar-se com um brutal empurrão.
— Não te mexas, encanto, ou sentirás as minhas mãos.
Red coçou o queixo.
— Vomita o que seja, Went. Ardo em desejos de o pôr em prática, antes que o chefe apareça por aqui e saiba do sucedido. Lembra-te que disse que viria ao amanhecer para organizar ele próprio o ataque a Tombstone.
— Deixa de pensar no chefe de uma vez! —gritou Went. — Vocês vão ver a minha ideia. — E depois mais calmo: — Esta boneca escreverá uma mensagem ao seu noivo, um de vós irá levá-la e o pássaro meter-se-á na boca do lobo.
— Se lhe dissermos que está em nosso poder, virá com uma legião de cavaleiros e...
— Sou mais esperto do que isso, rapaz. Ela dirá que venha aqui, porque encontrou novas provas contra o chefe. Lembra-te de que foi aqui que encontraram as cartas de Percy Craig. Os miseráveis olharam-se com interesse.
— Não soa mal de todo, isso.
Eva mexeu-se na cadeira.
— Não escreverei essa nota! Went cuspiu nas mãos. — Bem, querida. Terei de convencer-te.
Estendeu as mãos e agarrou-a pelos cabelos, puxando-os. Eva gritou e a outra mão esbofeteou-a repetidas vezes. A jovem gritava e chorava de dor, caindo no chão com os cabelos e o vestido em desalinho. As enormes botas do ex-xerife aproximaram-se do rosto da jovem, que repousava no chão, e a voz crispada replicou:
— Escreves?
Eva compreendeu que nada conseguia com uma negativa prolongada, salvo uma brutal tareia. Sacudiu a cabeça dizendo que sim. Os dois companheiros de Went levantaram-na com rudeza, sentando-a na cadeira em frente da mesa. Puseram-lhe um papel na frente, e uma tosca caneta foi-lhe colocada entre os dedos.
— Escreve! — gritou Went.
Lentamente, Eva foi escrevendo sobre o, papel, enquanto as lágrimas lhe corriam em abundância pelo rosto. Quando terminou, Went arrancou-lhe o papel e leu.
— Uma terna missiva, rapazes. Ora oiçam:
«Querido Ken
«Vem o mais depressa possível à cabana do Joe. Encontrei novas provas que nos interessa.
«Espero-te,
Eva.»
— Que lhes parece? — riu Went.
— Perfeito, se serve para atrair aqui esse fulano.
— Virá, não tenhas a menor dúvida.
Pegou no papel e entregou-o ao companheiro de Red.
— Leva-o a Tombstone e entrega-o pessoalmente ao juiz. E atenção aos erros, rapaz. Lembra-te que esse tipo é perigoso.
O aludido guardou o papel e saiu com um grunhido.
— Lembrar-me-ei do teu conselho... Mas estejam com o olho no ponto de mira.
Quando saiu, Went voltou-se para Eva.
— Temos uma hora à nossa frente.
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