quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

KNS049.06 Um alcaide na prisão

Eva apontou a cabana que ficava à vista do grupo, ao entrar no bosque próximo do rio, nos arredores de Tombstone.
— É este o lugar.
Ken examinou detalhadamente a tosca construção e ouviu o que a jovem informava:
— Construiu-a Joe e pensava que nela iniciaríamos a nossa vida em comum. Está fechada, mas sei onde está a chave.
Desmontou agilmente e Ken imitou-a, assim como Aceves. O resto dos cavaleiros, a um sinal do seu chefe, permaneceram a cavalo e dispersaram--se, examinando os arredores. Eva aproximou-se lentamente da cabana e procurou entre as pedras da entrada até dar com a chave. Abriu a cabana e a porta cedeu com um ranger. Ela entrou, decidida, perfeitamente orientada na escuridão, e abriu uma das janelas, permitindo que o sol inundasse a reduzida cabana.
Estava construída com solidez, e dentro havia tudo o que precisava um jovem par que se ama. Ao fundo havia um quarto de dormir cuja cama estava coberta com urna colcha índia de cores vivas.
Eva olhou em volta, com um estremeci mento de emoção. Era evidente que os pensamentos a assaltavam, fazendo-lhe recorda momentos passados ao lado de Joe Patton.
— Se Joe guardava alguma coisa, deve ter escolhido este lugar. Frequentemente vinha aqui e passava muitas horas só... Tinha um carácter um pouco... — calou-se, mordendo os lábios.
O silêncio era denso, e só chegava até eles o ruído de algum cavalo dando voltas à ca bana. Ken respirou ruidosamente.
— Não tens ideia do lugar exato?...
Ela não respondeu, mas começou a abrir gavetas. Nem Ken nem Aceves cometeram o atrevimento de revistar um lugar que devia guardar para a jovem dolorosas recordações. Ambos pensaram que fazer o contrário seria uma profanação.
Numa das gavetas da cómoda, as mãos femininas detiveram-se ao tocar uma caixa metálica. Ambos os homens se aproximaram e ela abriu-a. Uns papéis estavam cuidadosamente dobrados no fundo.
As mãos de Eva agarraram neles cuidadosamente e Ken soltou um suspiro. Ali estava o que procuravam.
Cartas de Percy Craig. Cartas dirigidas a Melvin Patton, e que sem dúvida, Joe as tinha encontrado em casa de seu tio e as tinha tirado.
Lentamente, Eva passou-as a Ken e este leu-as rapidamente, passando com velocidade os olhos pelas linhas escritas. Nelas, Craig dava uma série de detalhes a respeito das suas atividades do outro lado da fronteira.
O próprio Craig dava informações a respeito da situação de diversos ranchos, número de vaqueiros de cada um deles, possibilidades de roubo e número de rezes que poderiam obter em cada assalto. Eram informações completas, que colocavam em volta do pescoço do alcaide uma corda de cânhamo. Aceves, que tinha estado lendo aquelas cartas por cima do ombro de Ken, exclamou:
— Diabos, isso era mais do que podíamos esperar!
— Obrigado, Eva. Prestaste-nos uma grande ajuda.
— Fique com elas, Ken. Sei que estão em boas mãos e que você saberá castigar os assassinos de Joe.
— Fá-lo-ei. Prometo-te.
A Aceves brilharam-lhe os olhos.
— Hoje foi um dia de sorte para você, Ken!
O jovem olhou para Eva.
— Sim... Creio que sim.
A jovem estava pálida e parecia nervosa, como se a visita à cabana a tivesse afetado profundamente. Ken aproximou-se da formosa rapariga e acariciou-lhe as mãos frias.
— Sei o que significa isto para ti, Eva, e por isso te agradeço muito mais o que fizeste. Perdoa-me ter-te despertado estas recordações em ti, mas tudo é em benefício de quantos têm sido prejudicados por Melvin Patton.
Eva estremeceu àquela carícia.
— Sim, Ken... Tenha cuidado, Ken... Não... Não quero que lhe suceda o mesmo que a Joe.
— Ainda te recordas dele, não é verdade? Há homens que têm a sorte de reinar nos pensamentos de uma mulher toda uma eternidade — fechou os olhos, dominando-se. — Regressemos a Tombstone.
A notícia do assalto à diligência, não surpreendeu Tombstone tanto como a notícia de que os seus dois únicos viajantes se tinham salvo.
— São uns verdadeiros demónios! — diziam as pessoas. — Não parecem vulneráveis.
Não estavam na cidade nem o alcaide nem o xerife, nem muito menos Melvin Patton. Muito rápido, toda a gente soube que o Juiz tinha chegado da capital e decretado guerra
sem quartel contra os que até então tinham sido os amos de Tombstone, e os comentários não podiam ser mais excitados nem mais apaixonados.
Não faltou quem chegasse a propor ao Juiz uma batida que acabasse para sempre com os ranchos de Patton e de Craig, incluindo os seus donos e as suas equipas. Mas Ken era Juiz e desejava actuar com a máxima legalidade.
Caía a tarde quando Ken foi mudar de roupa, abandonando definitivamente as roupas da cidade por outras menos elegantes, mas mais eficazes na hora de luta naquelas terras. Com umas calças azuis e a camisa preta, que lhe cingia os músculos, parecia uma bela estátua que as mulheres não se cansavam de admirar.
Mabel foi ao hotel, que se tinha convertido em quartel general. Ken, ao atendê-la, ficou pensativo ao escutar dos lábios da dona do «saloon»:
— Que fez a Eva? Nunca a vi tão alterada, nem mesmo quando estava com Joe Patton.
Ken, pegando-lhe no braço, levou-a para um canto do amplo salão onde as pessoas não os pudessem ouvir.
— Que quer dizer isso de Joe?
— Ela não o amava demasiado, mas pensava que devia organizar a sua vida. Em troca, agora sim, está enamorada.
— De quem?
Mabel olhou-o com estranheza.
— Decididamente, você é um ingénuo.
Aceves chamava-o e Mabel esgueirou-se naquela confusão.
— Podemos reunir um bom grupo, Ken. Com eles estou seguro de que nem Patton nem os seus homens nos poderão fazer frente.
— Tudo se fará a seu tempo, Raul. Só tenho provas contra Craig... e ele será o primeiro a cair. Patton virá depois.
— As cartas eram dirigidas ao rancheiro.
— Sim, mas nenhuma delas faz alusão a Patton.
Aceves moveu a cabeça fatigado.
— Você é um poço de legalidades, Ken, nesta terra não se podem aplicar.
— Aplicam-se enquanto eu aqui estiver.
O mexicano suspirou.
— De acordo, Juiz. Quando saímos?
— Agora mesmo.
Colocou o cinturão, e as pessoas que aguardavam no «hall» do hotel seguiram-no. Havia quase uma dúzia de cavaleiros dispostos a tudo, e raivosos pela possibilidade de uma boa luta.
Os que se tinham unido ao grupo de Aceves não o tinham feito senão impulsionados por ressentimentos pessoais contra o alcaide. Ken sabia-o e não se importava servir-se deles, enquanto pudesse ter mão neles, claro.
Fora, estavam os cavalos. Atrás dele saíram todos, e uns minutos depois cavalgavam em direção da saída de Tombstone. A cavalgada fez-se em silêncio, só quebrada pelo eco dos cascos dos cavalos.
As últimas horas do entardecer tinham reflexos sinistros. Quando se detiveram diante do edifício principal, Ken viu vários homens empunhando espingardas, protegidos por diversos acidentes do terreno. Todos se observavam com atenção, tensos como arcos de flechas prontos a disparar, mas temendo qualquer deles iniciar a batalha.
Na porta do edifício, erguia-se a figura de Percy Craig, aparentemente desarmado. Ken manobrou a sua montada até aproximar-se do alcaide.
— Alegro-me vê-lo de novo, Juiz — disse Craig, com voz que pretendia ser serena.
Ken inclinou-se sobre o cavalo.
— Esteve quase a ponto de não me tornar a ver, Craig. Foi uma bonita cilada.
— A que se refere?
— Sabe muito a que me refiro e tem o coração batendo demasiado no peito. Lastima que os rapazes de Patton não cumprissem bem o serviço.
— Continuo a não compreendê-lo, Juiz.
— Sim? — e encolheu os ombros: — Será melhor que leia isto.
Estendeu um papel que Craig leu com dificuldade à luz que vinha do interior. Quando terminou a leitura, o papel escapou-se-lhe das mãos.
— É uma ordem de prisão contra você, Percy Craig.
— De que me acusa? Você não tem autoridade para...
— Abra bem os ouvidos, Craig. Posso falar-lhe de umas cartas que você escreveu. O destinatário era Melvin Patton, lembra-se?
Craig estremeceu ao ouvir aquelas palavras. O silêncio era espesso e agonizante. Os homens do alcaide escutavam atentos e impressionados e com receio do que ouviam. A voz metálica de Ken continuou:
— Entregue-se, Craig. Não tem outra solução. Será julgado com toda a legalidade, pois terminaram as suas atividades criminosas.
Um dos guarda-costas de Craig disse:
— Dê uma ordem, chefe, e eles irão para o inferno.
Aceves voltou-se na sela e os seus homens levaram as mãos às armas.
— Só complicará mais as coisas, Craig. Dê-se por vencido.
O alcaide desceu as escadas lentamente. Minutos mais tarde, sem necessidade de disparar um tiro, o grupo armado regressou a Tombstone. A primeira partida estava ganha.
*
Ken bateu com os dedos nas cartas.
— Reconhece a sua letra, eh, Craig?
— Não me prenda, Ken. Vi-me sempre obrigado a colaborar com Patton. Fui uma vítima dele, e não pode acusar-me de uma coisa que fiz contra vontade. — Suplicava e torcia as mãos. — Ponha-me à parte disto.
— Não é possível.
— Você é cruel e desapiedado.
— Sou justo, Craig. Cometeu um crime. Por sua culpa morreram muitos homens e eu próprio estive quase a ser vítima da sua cilada. Por sorte, adivinhei as suas intenções e dei-lhe corda suficiente para que se enforcasse. O alcaide estremeceu ante a alusão da corda.
— Peça o que quiser, Ken. Diga você a cifra e eu lha darei. Tenho muito dinheiro e posso empregá-lo como quiser. A você interessa-lhe Melvin Patton e a mim a liberdade. Eu irei para o México e nunca mais saberá de mim. Eu...
— Cale-se!
— Dar-lhe-ei...
— Cale a boca ou fecho-lha a murros.
Ken deu um murro na secretária que fez Craig saltar da cadeira. Encontravam-se no gabinete do xerife, e Keller não tinha aparecido ainda. Lá fora, de guarda, estava Aceves e os seus homens.
— Preciso de uma confissão completa de todas as suas atividades, Craig. Aqui tem papel e caneta. Escreva-a e assine e deixe a justiça seguir o seu curso. Não tem outra solução.
O alcaide baixou a cabeça e compreendeu que tudo estava perdido para ele. O rapaz levantou-se.
— Aproveite o tempo e não tente nenhuma artimanha. Estamos lá fora vigiando e ao menor movimento suspeito, dispararemos.
Ken saiu para a rua, onde Aceves e alguns voluntários estavam de guarda.
— Averiguou onde estão as minhas reses? — perguntou o mexicano.
— Não lhe perguntei, Raul, mas pode estar seguro de que se encontram no rancho de Patton.
— Elas é possível que sim, mas...
— Que quer dizer?
— Mandei um par de rapazes deitar uma olhadela por lã e encontraram aquilo deserto.
— Fugiram?
Sem se desconsertar, o Juiz perguntou:
— Parece que sim. Souberam, pelos vistos, o que se passou no rancho Craig e trataram de se afastar o mais possível.
— Abandonando tudo? Voltarão.
— Parece muito seguro.
— Sim.
— E até alegre. Sabe o que se passará se essa gente assoma o nariz? Tombstone será um inferno.
— Para converter-se no paraíso. Tenho desejos de limpar esta terra de todos os indesejáveis. Fizeram um cigarro e acenderam-no. A amarela chama do fósforo, Raul contemplou as feições de Ken.
102 —
— Você é um homem obstinado, Ken. Qualquer que não o conheça, julgará que a alcunha de «Juiz Tumba» lhe assenta bem, mas não passa de uma ironia. Você não gosta do seu ofício.
— Como o sabe?
— Notei. Atua apenas impulsionado pelo seu sentido do dever.
O jovem moveu a cabeça.
— É algo parecido. Mas sinto a responsabilidade, penso nas pessoas honradas que confiam em mim como freio para os desalmados que violentam os seus lares, e continuo. Embora tenha ganas de abandonar tudo e ir viver em contacto com a natureza.
— Só?
O rapaz estremeceu. Subitamente, recordou Eva.
— Sim.
Voltou a cabeça. Percy Craig terminava a sua confissão. Deitou fora o cigarro e pisou-o com a ponta da bota e entrou no gabinete. O que tinha sido até àquele momento o alcaide, levantou-se.
— Terminei.
O magistrado acabava de perder a sua categoria oficial. Ken apontou o corredor das celas.
— Você primeiro, Craig.
E não havia ironia. Percy Craig, visivelmente abatido, avançou pelo corredor. Ia expiar os seus erros.

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