domingo, 25 de dezembro de 2016

PAS693. Fuzilamento só com ordem escrita

Contexto da passagem:  As tropas nortistas do major Harper estavam estacionadas no rancho de Clampton um simpatizante da causa do Sul. Numa noite, quando Harper com muitos soldados saiu do rancho para se dirigir a outro forte, as tropas restantes foram atacadas pela guerrilha sendo dizimadas. Os inúmeros feridos, apoiantes de um e outro lado, foram deixados ao cuidado da jovem Terry. Esta passagem capta o regresso de Harper e o seu contacto com os factos recentes.
 
 
Um tropel de cavalos entrou no pátio e um pelotão de homens entrou ruidosamente em casa. A frente, o major, o capitão Price, o tenente Fergusson e dois soldados que ficaram de guarda à porta. Terry desceu as escadas, sem pressa e falou em tom sereno.
—Há mais de vinte feridos a descansar nesta casa, senhores. Por favor, não façam barulho.
A cara do major ficou congestionada.
—Quem é você para me dar ordens? Onde está o seu pai?
— No quarto dele. Acertaram-lhe com um tiro quando saia atrás dos seus oficiais, para averiguar o que se passava.
—Pena que o não tenham morto! Mas descanse, que eu encarrego-me disso. Venha aqui!
Serena e altiva, Terry obedeceu.
—Com que então, levaram a sua avante, você e o seu pai? — exclamou o major.
—Não sei a que se refere, major Harper.
— Sabe-o muito bem! Você andou a «fazer-se» aos meus oficiais, com os seus modos de gata com cio e...
Veloz como um felino, Terry esbofeteou-o.
Foi tão inesperada a sua reação, que o major não a conseguir evitar. E ficou uns instantes desconcertado, enquanto os seus subalternos trocavam olhares entre si.
Dando um passo atrás, com as faces afogueadas e os olhos cintilantes, Terry falou:
— Estive vinte e quatro horas a tratar de feridos, sem olhar à cor dos seus uniformes. Fui tratada cavalheirescamente por oficiais de ambos os lados. E foi preciso vir um estúpido cobarde, para ser insultada em minha própria casa, quando o meu pai está agonizante e não tenho um homem para m'e defender. Nem os índios selvagens procederiam assim!
Aquela bofetada e aqueles insultos fizeram explodir o major.
—Demónio! Sargento, conduza essa mulher ao acampamento.
O soldado visado, obedeceu contrafeito.
— Sim, senhor... tenha a bondade de me seguir, miss Hampton.
— Que cerimónias são essas, sargento? Trata-se duma inimiga!
— Com a sua licença, os meus modos, nada têm que ver com a minha disciplina e comportamento militar. Não há nada que proíba um soldado de ser cortês para com os seus inimigos, especialmente as mulheres.
Harper limitou-se a resmungar:
—Leve-a daqui!
E depois voltando-se para os seus oficiais:
— Não me agradam as suas expressões, senhores. Estarão por acaso solidários, como o sargento Miller? Respondam!
— Preferia não o fazer, senhor — disse Price.
—E eu também — acrescentou o outro tenente. Fergusson não disse nada.
Harper parecia que rebentava.
— Muito bem — disse —. Muito interessante...
Depois voltou-lhe as costas e dirigiu-se para o salão.
Harper passeou por entre os feridos, na sua maioria inconsciente ou queixando-se. De repente parou junto dum deles.
—Este também é um dos meus soldados?
Era um dos vaqueiros do rancho. Foi ele mesmo quem respondeu:
—Não tenho nada a ver consigo... pertenço ao Primeiro Regimento de cavalaria do Colorado.
—Primeiro...! Maldito bandido! Fergusson!
— Senhor?
— Tirem daqui todos os rebeldes e façam-nos alinhar no pátio.
Os oficiais voltaram a trocar olhares entre si. Fergusson perguntou:
—Mas são feridos, major...
— Com um demónio! Isso é uma insubordinação, tenente Fergusson! Cumpra as minhas ordens!
O vaqueiro ferido interveio, com a voz rouca:
—Faça-o, tenente! Meus camaradas e eu, mal nos podemos sustentar em pé, mas não nos assusta morrer...
Fergusson respirou forte.
— Muito bem, senhor
— Um momento, tenente. Traga também o dono desta casa. Se não sente rebates de consciência...
Desta vez, Fergusson não se conteve.
— A minha consciência está tranquila. Combati por duas vezes o inimigo e saí com honra, dos dois combates.
—O que é que quer dizer com isso?
— Nada, senhor: respondi às suas palavras.
— Cumpra as minhas ordens e fica sob prisão!
— Muito bem, senhor.
Harper berrou, fora de si:
— Tenho que mostrar quem manda aqui!
E afastou-se.
Terry estava muito preocupada com a sorte de seu pai. Harper estava sedento de vingança. Era capaz de cometer as piores baixezas, no cego impulso da sua ira...
Entretanto, o sargento contava aos oficiais a maneira como tinham sido tratados, não só por Terry Hampton como pelos próprios rebeldes.
Terry ficou numa barraca de campanha, sob custódia. Uma hora mais tarde, Harper regressou ao acampamento.
— Onde está essa mulher? — perguntou.
Um cabo ordenou a Terry que o seguisse. A luz duma fogueira, viu o major sentado diante da sua tenda, rodeado pelos seus oficiais. Apercebeu-se da tensão reinante e preparou-se para o pior. Depois levantou altivamente a cabeça.
Harper fitou-a, com ódio.
— Vou mandá-la fuzilar!
— Como queira, major.
— Major do Exército dos Estados Unidos —rugiu Harper —. Vou mandá-la fuzilar por cumplicidade com o inimigo, espionagem e traição...
— Mentira!
— Como ousa...?
— Não traí ninguém, porque fui sempre sulista e nunca o neguei. E a minha colaboração com as tropas confederadas que atacaram e venceram os seus homens foi simplesmente, passar trinta e seis horas, sem dormir nem descansar, atendendo os feridos de ambos os lados. São os únicos crimes que me pode imputar, à parte a bofetada com que castiguei os seus insultos.
Harper levantou-se, mas conteve-se.
—Se julga que nos engana com a sua pretensa caridade, para com os nossos feridos...
— Não o pretendo. Sei muito bem o que posso esperar de si.
—Você fez com que os oficiais descurassem o seu serviço, a pretexto de os convidar para jantar.
— Outra mentira. Não era a primeira vez que os seu oficiais jantavam aqui.
— Insisto em que vocês conheciam os planos do chefe da guerrilha. A propósito, quem é ele?
— Ignoro-o.
— Está a mentir!
— Não tirava a mascarilha enquanto esteve aqui. Não sei quem seja.
— Pense bem. Está nas suas mãos a vida dos bandidos que encontrei em sua casa.
—É digna de você, essa ação. Os guerrilheiros recolheram e trataram os seus homens feridos.
—Basta! Limite-se a responder às minhas perguntas. Esses homens vão ser fuzilados. E o seu pai também.
—Não!
—Julgava que ia acreditar nessa patranha, de ter sido ferido pelos guerrilheiros? Apesar disso, estou disposto a dar-lhe uma oportunidade de salvar a vida dele e a sua. Diga-me quem manda a guerrilha e para onde se dirigiram?
Terry esboçou um sorriso desdenhoso.
— Mesmo que o soubesse, não compraria a minha vida e a do meu pai, por tão baixo preço.
— Muito bem. Você assim o quis. Capitão Halloran!
— Senhor...?
— Forme um pelotão de execução. Fuzile esses bandidos e esta mulher.
— Bem; senhor. Terá que me dar essa ordem por escrito.
— Como disse, capitão?
— Necessito essa ordem por escrito, senhor.
— E pode saber-se por quê, capitão?
— Sim, senhor. Sou um oficial do Exército e não um assassino.
— Está a chamar-me assassino?
—Uma coisa é fuzilar um rebelde e outra muito diferente, é matar uma mulher e homens feridos deixados à nossa mercê por uma força que se comportou corretamente connosco.
— Quer dizer que se nega a cumprir as minhas ordens, capitão?
— Absolutamente, se não mas der por escrito.
— Considera-se preso! capitão!
—A suas ordens, major.
O capitão Price fez um gesto negativo com a cabeça, ao ver incidir sobre si, o olhar do seu chefe.
—Lamento, major, mas sou da mesma opinião que o capitão Halloran.
— Ah sim? Mais alguém?
— Creio que todos, senhor — respondeu Johnson.
— Trata-se então duma insubordinação geral dos meus oficiais...
—Não, major. Achamos apenas que esse projetado fuzilamento seria uma mancha indelével para o nosso regimento.
Harper não sabia como sair daquele aperto.
Então aconteceu uma coisa totalmente inesperada, sobretudo para Terry Hampton. Um sargento e dois soldados aproximavam-se. Traziam entre eles um homem, vestido à maneira dos «cowboys».
— Capturámos este tipo, que diz querer falar com o senhor, major Harper.
Terry voltou-se. E ficou espantada ao ver Wade Holt.

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