Quando chegaram ao local onde os bandidos tinham tentado linchar Lodge, este, que desmaiara quando se iniciara o tiroteio, voltava a si. Cuidavam dele Grass e outros agricultores, os quais o tinham desembaraçado da corda que lhe apertava o pescoço. Esta ao ser puxada pelos homens de Kraft tinha deixado um profundo vinco encarnado no pescoço do negociante desonesto Parker voltou-se para ele:
— Vamos, Lodge. Pode dizer-se que hoje você nasceu de novo. De boa o livrámos!
— De boa me livraram? Vocês é que lançaram aqueles homens contra mim!...
— Nada disso, Se eles eram seus amigos...
— Já lhe disse que não eram amigos meus. Que nada tinha a ver com eles.
O homem olhou em volta, tentando descobrir Kraft entre os que estavam caídos por terra. Parker compreendeu a intenção de Lodge e disse-lhe:
— Não procure Kraft por aí. Conseguiu fugir com Sanders. Contraria-o, não é verdade?
— Depois do que pretenderam fazer comigo, não me parece caso de lhes desejar uma longa vida.
— Compreendo perfeitamente e bastante me custou ter de permitir que eles se escapassem.
— Tenho a certeza de que fugiu gritando como uma mulher quando viu que as coisas corriam mal para ele.
— Deixemos isso e vamos a sua casa, Lodge. Informaram-me de que você procurava fugir de San Martin para evitar de pagar as suas dívidas.
— Quem lhe disse que eu procurava escapar-me? Sou capaz de arrancar a língua a quem disse uma mentira dessas.
— Não se ponha assim, porque há mais de uma pessoa que tem vontade de lhe partir os ossos e existem sobrados motivos para isso. Você é um patife, Lodge, e se evitei que o linchassem é porque não queria que os outros se saíssem com a deles... Está disposto a pagar?
— É impossível. Não tenho dinheiro para todos.
— Você tem dinheiro de sobra. Não voltemos a começar o jogo de ontem à noite, porque lhe arrancaremos a pele às tiras, se tanto for necessário. Mas você há-de pagar...
Entraram todos em casa de Lodge.
— E Rogers? Por onde é que ele anda?
— Esse velhaco também me vendeu. Desapareceu ontem à noite de casa e, quando lhe quis deitar a mão... Gente mal-agradecida.
— Você está a colher aquilo que semeou, Sailor Lodge...
Tinham chegado ao gabinete do negociante. Hoocke apontou para uma volumosa maleta de cabedal.
— Fugia com isso e, quando nos viu chegar, tratou de o esconder aqui.
— Quer dizer que se trata de dinheiro...
Lodge empalidecera, embora o seu rosto mostrasse uma expressão de resignação. E repetiu mais uma vez:
— Não há que chegue para todos. E se ficam com ele todo, isso significa a minha ruína.
— Pensou alguma vez que arruinava vários homens que vivem do seu trabalho e têm família a sustentar?
Lodge teve de baixar a cabeça. Parker ordenou-lhe:
— Principie a fazer os pagamentos.
— Já lhe disse que não chegará para todos. Terei de descontar aí uns vinte e cinco por cento a cada um, que pagarei mais tarde.
— Não insista mais no assunto. É inútil. Você vai pagar até ao último dólar. Pode começar já. Se não chegar o dinheiro, venda a sua casa, faça o que entender, peça, inclusivamente, a McCarthy. Mas isto vai ficar solucionado imediatamente.
Lodge teve que se resignar e, puxando do caderno onde tinha a lista de credores, foi pagando a um e um. Quando terminou ficaram sobre a mesa algumas centenas de dólares.
— Vê como havia bastante? -- comentou Parker, ironicamente. — E ainda sobra...
Um dos agricultores propôs:
— Ele devia pagar-lhe o seu cavalo. No fim de contas, ficou sem ele para lhe salvar a pele.
— De tipos como Lodge não quero nada — replicou o jovem. — Bem... sempre quero alguma coisa.
Lodge, que já estava tranquilo, mostrou-se alarmado.
— Que sucede agora? Não foi bastante o que paguei? Não paguei a todos? Pretendem tirar-me o sangue?
— Podes guardar o teu asqueroso sangue, Lodge. Interessa-me saber uma coisa que tu vais dizer-me.
— Não tenho nada a dizer...
— Não fales precipitadamente porque te arrependerás.
Alguns dos agricultores dispunham-se a ir embora, mas detiveram-se ao compreenderem que se tratava de qualquer coisa importante.
— Que pretende, Parker? — perguntou Lodge com voz trémula. — Pretendo que me digas os motivos que tinham esses tipos para tentarem linchar-te.
— A eles é que lhes deve fazer a pergunta. Acusaram-me de que queria fugir sem lhes pagar e eles apegaram-se a essa ideia para procurarem acabar comigo.
— Não sejas estúpido, Lodge. Estás a procurar encobrir alguém, depois de te ter tentado matar. Porquê?
— Eu não pretendo...
— Esses tipos queriam evitar que falasses... Porquê, Lodge?
— Não sei do que está a falar. Já paguei e acho que é altura de me deixarem em paz.
— Pagaste aos teus credores comerciais, digamos assim. Mas a mim não me pagaste e estás em divida para comigo. Recorda-te do assassinato do meu pai.
— Já disse muitas que nada tenha a ver com esse assunto.
— E eu acredito-te. Mas alguém tem que ver e tu sabes de quem se trata.
— Não sei nada.
— Não te empenhes em encobrir um tipo que te vendeu. É preferível que fales...
— Já disse que não sei nada. Não sei nada...
— Vou ajudar-te e assim evitaremos que tenha de furar-te as tripas. Ontem à noite, depois de me ler ido embora, tu foste encontrar-te com alguém...
— Não é verdade.
Parker estendeu o braço esquerdo e agarrou Lodge pelo pescoço.
— Não me obrigues a tratar-te mal. Deitaste em cara a esse alguém que te tinha atraiçoado e que, por sua culpa, te havias visto acusado do assassinato de meu pai, da tentativa contra Pat Wind e contra Hoocke...
— Não fui eu.
— É precisamente o que te estou a dizer. Foi outro que o fez porque, assim, se manteria o terror em San Martin e as pessoas não se atreveriam a revoltar-se. De tal estado de terror tiravas proveito tu e essa tal pessoa. Mas, com a sua forma de agir, fez recair as culpas sobre ti no caso de se descobrir.
Lodge olhou para Parker com uma expressão que refletia medo e admiração, ao mesmo tempo. O jovem prosseguiu:
— Vá. Diz lá quem é esse tipo. Di-lo diante de todos.
Lodge negou com a cabeça obstinadamente, enquanto dizia:
— Não sei nada... Não sei nada...
-- Tanto medo lhe tens, estúpido? Preferes que te esmague? De uma forma ou de outra, ele não tem solução. Mas quero que sejas tu, seu cúmplice, que o aponte. Falas?
Ante a obstinação de que Lodge dava mostra Parker sacudiu-o vigorosamente, fazendo recear a malvado comerciante pela integridade da sua espinha vertebral.
— Falarás de uma vez, maldito imundo?
— Está bem. Falarei. Mas será a minha ruína total e tu, terás a culpa...
— Vamos, fala.
— Sim. É esse maldito usurário do McCarthy. Ele não quis confessar ontem à noite, mas empalideceu e ameaçou-me quando eu o acusei. Foi por isso que enviou toda essa gente para me fazerem calar para sempre.
— E apesar de tudo isso, nada querias contar?
— Não compreendes que ele tem todo o meu dinheiro? Ele guarda o meu dinheiro e como sabe que não o posso perseguir legalmente, abusa de mim. Foi ele quem me meteu em todos estes sujos assuntos. Eu principiei a trabalhar decentemente. Eles que o digam.
Apontou para os agricultores, dando-os como testemunhas das suas palavras. Um deles afirmou:
— É verdade. Ao princípio portava-se bem. Pagava por preço baixo, mas não nos fazia velha-carias.
Mais alguns agricultores confirmaram a afirmação e Lodge prosseguiu:
— Foi ele que me sugeriu que não pagasse aos agricultores ou atrasasse os pagamentos e que lhes tirasse tudo o que pudesse. Assim, punha-os nas suas mãos e, com o tempo, passariam a trabalhar por nossa conta, uma vez que nós nos apoderaríamos de todas as suas propriedades...
— Que patife! Não sei como o não esmago com os pés...
Ante a ameaçadora atitude de Parker, Lodge gritou:
— A ideia foi dele.
— Mas tu escudaste-o, facínora.
Virando-se para os agricultores, Parker propôs:
— Vamos à procura desse bandido?
— Vamos a ele. Temos de fazer uma limpeza geral quanto antes — exclamou Hamilton.
Grass perguntou, apontando para Lodge:
— E que fazemos com este?
— Será melhor para ele que se una a nós.
— Eu não quero saber nada de tudo isso. Já paguei, estou quite com todos e quero ir-me embora.
— Virás connosco. Monta a cavalo e cala-te, se não queres apanhar uma sova.
Parker abriu a marcha, seguindo-se os restantes. Grass encarregou-se de Lodge, dizendo:
— Vamos, amigo. E pensa que, ao menor sinal de traição, te esmago como a uma barata.
O homenzarrão brandiu o seu enorme punho direito sobre a cabeça de Lodge que, instintivamente, se agachou.
— Bem — disse Grass, satisfeito. — Parece que me compreendeste.
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