terça-feira, 6 de setembro de 2022

CLF036.10 Finalmente, o encontro

— Senhora Murray! Onde está?

A dama levantou a cabeça da costura em que estava entretida e olhou para a porta do pequeno quarto de estar onde se encontrava.

— Estou aqui, Eanny — disse, erguendo ligeiramente a voz para ser ouvida.

A rapariga apareceu quase no mesmo instante, visivelmente agitada.

— Que se passa? — perguntou a esposa Murray.

— Alguém esteve ontem no hotel perguntando pelas senhoras.

— Como?

— Oh ! E a maldita constipação que me fez faltar precisamente ontem!

— Mas que se passa? Estás agitadíssima — interveio naquele momento a mãe da rapariga, vindo da cozinha.

— Oh, mãezinha! É que finalmente aconteceu aquilo que esperei durante tanto tempo, e quando sucedeu, eu não estava.

— Por favor, filha sossega e fala de forma coerente, pois eu, pelo menos, não compreendo uma palavra.

— Acabaram com o canalha do Butte!

— Morto!

— Não, mãe. Melhor ainda. Desacreditado, em ridículo. Totalmente perdido o seu prestígio. E tudo isto o devo a si, senhora Murray !

— A mim? — perguntou a senhora, no cúmulo do assombro.

— Sim. Eoi o homem que chegou perguntando por si.

— Creio que a tua mãe tem razão. Se não te tranquilizas e contas as coisas de uma maneira mais compreensível, ninguém conseguirá seguir as tuas explicações.

— Estou tão contente! Quase não sei o que digo!

— Mas porque não começas pelo princípio?

— Se o princípio é este! Hoje não se fala noutra coisa em Las Vegas, e toda a gente parece estar louca. Não sei o montão de coisas que ouvi pelo caminho, de modo que quando cheguei ao hotel estava tonta e quase não tinha ideia do que tinha acontecido.

— E foi ali que o soubeste? — perguntou a mãe.

— Ali? Aquilo é um manicómio. Havia muita gente que odiava o Butte e, ao sabê-lo vencido, vingaram-se. O «Merry» está a arder e o hotel também estava completamente desmantelado. Por todas as partes pululam credores que não se atreviam a reclamar o que lhes pertencia, mas, agora, apareceram como abutres, arrancando cada qual a maior talhada que pôde.

— Vejamos se é possível ver claro em tudo isto — interveio Ellen Murray, já impaciente. — Sabes quem é esse homem que esteve a perguntar por nós?

— Claro que sei! Não parei até o saber.

— E então?

— Chama-se Anthony Mills e trata-se de um rapaz muito bem parecido, de cabelos louros ondulados e grandes olhos cinzentos. Oh, deve ser encantador e já estou louca por ele!

— Filha! — Protestou a mãe, escandalizada

— É estranho — murmurou a senhora Murray. — Não o conheço, nem consigo compreender porque nos pode procurar. Trazia um montão de ouro que deixou depositado no Central Bank em nome da senhora e no dele.

— O quê?

A dama estava imensamente pálida.

— Mas, que tem ? — alarmou-se a rapariga. — Não creio que estas sejam más notícias.

A boa mulher levou as mãos ao rosto, aba-nando a cabeça.

— Não o compreendes? — perguntou, com a voz alterada pela agitação. — Quem me pode enviar todo esse ouro?

— O seu marido, naturalmente.

— Mas ele está doente em Bunkerville e deve supor-me a caminho para nos reunirmos e, assim é, pràticamente, pois já sabes que tenho o bilhete para a próxima diligência. Para que ia mandar-me esse ouro? De resto, sabe perfeitamente que já não estamos no hotel, pois a Nel não lho ia ocultar.

Fanny olhou-a perplexa.

— É verdade! — disse com os olhos muito abertos pelo assombro e nos quais assomava já uma certa inquietação.

— Que receia ? — perguntou a mãe da rapa-riga, compreendendo melhor a agitação da sua hóspede.

— A minha filha! — sussurrou a senhora Murray, com um grito de alma.

Seguiu-se um silêncio opressivo, carregado de negros presságios.

— Mas, porquê ? — perguntou Fanny, com um fio de voz, pois ela própria começava a compreender.

— Conta-me tudo o que sabes — pediu a atribulada mãe, sem responder à pergunta.

— Não sei exactamente como começou — disse Fanny, após ligeira pausa, — mas o que primeiro chamou a atenção de algumas pessoas foi ver como um jovem e atlético forasteiro abanava o matreiro do empregado da recepção. Aos gritos dele acudiu imediatamente Joe, o porteiro, que bruto como é, foi ao chão com o primeiro soco do desconhecido, que depois de se livrar dele, obrigou o empregado a contar-lhe parte da verdade. Então, dirigiu-se ao «Merry» e depois de matar com um tiro o guarda-costas de Butte, arremeteu contra este, deixando-o feito num farrapo.

— Mas antes ou depois deixou o ouro no Banco em meu nome, não é isso?

— Antes — respondeu a rapariga.

A senhora Murray retorceu as mãos deses-perada.

— Vês ? — disse. — Esse rapaz vinha trazer-me dinheiro e sabia perfeitamente onde me encontrar. O empregado do hotel deve ter-lhe contado a mesma história que ao outro, mas ele não se deixou enganar e arrancou-lhe a verdade, indo depois dar uma lição ao canalha do Butte. Foi assim, não?

— Sim...

— E porquê? Porque sabia perfeitamente onde devíamos estar. Que é um homem de bem, demonstra-o o facto de se sentir ofendido pelo que nos fizeram. Oh, meu Deus! Este era o verdadeiro emissário do meu marido e o outro um impostor !

— Mas... — começou Fanny.

— Não temos tempo a perder — interrompeu-a a senhora Murray. — Sabes de alguém que tenha carros para alugar e que me possa conduzir a Bunkerville?

— Sim, e a minha filha acompanha-a na via-gem — interveio a dona da casa, com uma energia insuspeitada naquele corpo miúdo. — Corra a preparar-se e a buscar dinheiro enquanto a Fanny se ocupa do carro.

— Queres ir? — perguntou Ellen Murray, olhando para a rapariga.

— Claro que sim! — gritou Fanny.

— Gostarias de viver para sempre num bonito rancho? Ali há «cow-boys» bem parecidos que ficarão loucos por ti assim que te vejam.

— Seria maravilhoso! — murmurou a jovem, com a voz afogada pela emoção.

— Pois então, diz à tua mãe que vá preparando as tuas coisas. Voltaremos a buscá-la tão depressa encontremos a minha filha e o «Lucky» esteja novamente em nosso poder. E tenho a certeza de que será muito em breve. Sinto angustia pela sorte de Nelly, mas ao mesmo tempo pressinto que tudo se resolverá. Esse rapaz, Mills, demonstrou demasiado interesse por nós para que resulte lógico o seu rápido desaparecimento sem fazer mais tentativas para nos encontrar.

— Também eu acho estranho.

— Quem sabe? Talvez tenha conseguido algum indício sobre o paradeiro da Nelly e nesse caso será ele a trazê-la, sã e salva.

— Tenho a certeza que sim! — exclamou Fanny, com grande entusiasmo.— E se estivesse apaixonado pela menina? Fariam um par maravilhoso!

— Dizes cada disparate! — sorriu a dama, dèbilmente.

— Deu uma tal tareia ao Butte que ele ainda não está refeito. Tem todos os dentes e uma costela partida e tiveram de lhe cortar um pedaço do lábio, de modo que já não enganará mais nenhuma tonta como eu, com o seu sorriso de anjo mau. E quando lhe bateu, ouviram-no dizer : «Um recado da senhora Murray». Será que isso na significa nada?

— Bem, deixa correr a fantasia se quiseres, mas não perdamos mais tempo. Devemos partir imediatamente, para amanhã mesmo estarmos em Bunkerville.

 

*

 

— Este homem é um canalha ladrão e assassi-no — disse Mills, friamente.

— Você seria pior do que ele, se o matasse assim, a sangue frio — respondeu a rapariga com veemência.

Tony estava ressentido pela fuga dela sem uma explicação, e, além disso, o sentimento que o dominava naqueles momentos era o ódio. Por isso se mostrou duro.

— Sou já bastante crescido para dirigir os meus próprios actos, não acha? E, em todo o caso, não vejo em que lhe possa importar nada disto.

As faces de Nelly ruborizaram-se vivamente perante a repulsa, mas manteve valentemente o olhar dele.

— Se não me importasse, não interviria — disse decidida, de um modo que muitas vezes depois, ao recordá-lo, a faria novamente ruborizar-se.

Anthony sentiu um baque no coração, mas foi só um momento.

— Curioso modo de se interessar por mim, esse de fugir sem sequer se despedir — replicou com amarga ironia. — Mas isso não importa agora. Vou pendurar este animal infecto, de modo que se não quer ver é melhor que se vá embora. Todos os caminhos estão à sua disposição. Não serei eu quem a retenha.

Nelly baixou a cabeça, envergonhada, compreendendo que merecia aquele tratamento, mas, ràpidamente se refez, visto que, equivocadamente ou não, procedera do modo que lhe parecia mais leal, embora contra os ditâmes do seu coração. E não mudaria de maneira de proceder.

— Muito bem — assentiu com decisão, embora tivesse os olhos marejados de cadentes lágrimas.. — Partirei tão depressa prometa respeitar a vida desse homem.

Mills encolheu os ombros e colocou-se de lado para passar pela rapariga e dirigir-se para o desgraçado «gun-man», sempre com a corda empunhada, mas ela embargou-lhe o passo apon-tando-lhe o revólver.

— Não lhe permitirei que o faça — disse com voz apagada e ar resoluto.

O jovem olhou primeiro a arma e depois oa seus olhos cinzentos fitaram-na.

— Que pretende ? — perguntou, com os músculos faciais contraídos até parecerem de pedra..

— Impedi-lo de cometer um assassínio.

— Quem lhe manda meter-se nos meus assuntos?

A rapariga vacilou sem encontrar resposta. Como dizer-lhe que lhe queria demasiado para lhe permitir manchar as mãos de sangue? Como fazê-lo compreender que não era nobre descarregar a sua vingança no vencido? Estava ofuscado pelo ódio e não seria fácil convencê-lo de que matar deliberadamente e a sangue frio era exercer d verdugo e muito pouco para depois se vangloriar de ter morto aquele ser abjecto, sem princípio nem moral, que jazia gemendo no solo, mais derrotado pelo medo que pela tareia recebida.

E então, Bloody revolveu-se sobre a erva voltando-se para a rapariga e estendendo-lhe um das mãos suplicante.

— Por Deus, menina Murray ! — murmurou — Não deixe que ele me mate! Eu nunca lhe quis fazer mal e se a tirei de sua casa foi por esse maldito Donovan. Necessitava de dinheiro e ele prometeu-me uma boa quantia. Mas não lhe queria fazer nada de mau. Juro-lhe ! Ele só pretendia assegurar-se de que o «Lucky» seria para ele. Está louco por esse rancho...

Falava entrecortadamente e de forma quase ininteligível, mas suficientemente claro para que Anthony compreendesse que tinha perante si a filha de Michael Murray.

— Nelly ! — exclamou, no cúmulo do seu assombro.

Tinha falado tanto com Mike sobre a rapariga que agora a nomeava daquele modo familiar se o notar e como a coisa mais natural deste mundo. Foi agora a vez dela se surpreender.

— Conhece-me — perguntou.

— Estive a procurá-la em Las Vegas. Onde está a sua mãe ?

— Em Las Vegas...

— Mas não no hotel onde a deixou o seu pai.

— Não tive...

Nel deteve-se, deixando escapar uma excla-mação.

— O meu pai ! Conhece-o ?

— Tenho motivos — sorriu Tony. — Salvou-me a vida.

— E onde está ele? Porque não vem?

— Não tardará. Vinhamos juntos, mas sofreu um pequeno acidente e então obrigou-se a seguir sozinho, receando que um atraso o fizesse perder o «Lucky».

Um movimento de Bloody, que procurava escapar-se aproveitando a distração dos dois jovens, atraiu a atenção de Tony.

Afastou suavemente a rapariga e foi até ao bandido, obrigando-o a cair com um violento pontapé.

— Escuta, víbora — disse marcando bem as palavras — não sei exactamente qual é o teu jogo e o desse Donovan, mas ouvi o suficiente para compreender que sois da mesma qualidade. Desa-parece e diz-lhe que esta mesma tarde irei vê-lo para lhe dar o que merece. E quanto a ti, convem--te ficar a seu lado para ver se entre os dois fazem um homem, porque te procurarei até no próprio inferno no caso de que te vás esconder ali. Fora!

Bloody ergueu-se com uma agilidade incrível após a tareia recebida, e correu para o seu cavalo, que montou em pelo, afastando-se seguidamente por entre as árvores, com tanta rapidez quanto lhe era possível. Pouco depois ouvia-se o rápido galopar de uns cascos ferrados que batiam o caril anho a um galope desesperado.

— Por favor, senhor Mills — suplicou Nelly. — Quer falar-me do meu pai? Compreenda... Cheguei a pensar que estivesse morto e agora... agora...

Rompeu em entrecortados soluços que a esta meteram convulsivamente. E antes de se dar conta, Tony tinha-a entre seus braços consolando-a carinhosamente.

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