Desde a morte de seu irmão, a aventura tornou-se incansável companheira de Tony, e adquiria as formas mais estranhas para lhe saltar ao encontro.
Em Moaga, onde se deteve para passar a noite após uma esgotante jornada, depois de tratar dos cavalos, saiu à procura de uma bebida e de um pouco de distração.
Ali não faltavam tabernas e o jovem entrou numa delas e pediu um «whisky». Era a hora de maior animação de tais lugares e o estabelecimento estava cheio de fumo, cheiro de bebidas fortes, esterco e suor, que unidos às risadas vozes roucas tornavam o ambiente entontecedor.
Mills só esteve um momento e após tomar um copo de mau «whisky» dispunha-se a abandonar a taberna, incomodado por aquele ambiente, quando umas palavras pronunciadas ao seu lado o deixaram cravado no seu sítio.
— Quanto tarda o Bloody!
— Ora! — resmungou outra voz áspera e desagradável. — Espera-te alguma raposa?
— Não, mas...
Tony voltou-se, fazendo-se distraído e pôde ver três indivíduos de má catadura, que com os cotovelos apoiados no sujo balcão, bebiam «whisky».
Tinham o aspeto da classe de indivíduos com quem acompanhava o imundo pistoleiro e Anthony convenceu-se de que estavam a falar do assassino de seu irmão. A alcunha não era corrente, embora ficasse bem a qualquer assassino de profissão.
Desentendendo-se daquela gente, com a qual nada tinha a ver, abarcou numa rápida olhadela o interior do estabelecimento. Era sujo, pequeno e mal iluminado, além de estar cheio de gente. Desde logo, mau lugar para um duelo.
O jovem não o pensou nem um momento e, atirando umas moedas sobre o balcão, abandonou o estabelecimento com uma atitude indiferente que estava muito longe de sentir.
Nesta ocasião poderia surpreender o assassino e obrigá-lo a lutar em igualdade de circunstâncias. Claro que talvez chegasse acompanhado de alguém, mas isso não o preocupava grande coisa.
Sentia-se dominado pela excitação, apesar do férreo domínio que habitualmente exercia sobre os seus nervos, e ao sair para a rua respirou profundamente, lutando por se dominar.
Mas não tinha tempo a perder e no mesmo instante olhou um e outro lado da rua para se certificar da situação e procurar o lugar mais apropriado para se colocar.
Como qualquer outra povoação da fronteira, Moaga estava muito mal iluminada, para não dizer que carecia totalmente de luz, o que seria mais exato.
Na rua não havia mais luz que aquela que escapava pelas portas e janelas, mas afortunadamente para Tony, a lua estava alta e no plenilúnio, pelo que havia suficiente claridade, sem mais inconveniente que os baixos alpendres do passeio onde se encontrava, que projetavam sobre ela uma faixa de densa sombra, quebrada apenas pelo amarelento jorro de luz que saia através da porta de outra taberna situada umas vinte jardas à direita.
Mills conteve uma imprecação, porque Bloody era pouco, amante da luz, e ainda desconhecendo a sua presença na povoação, aproximar-se-ia o mais dissimuladamente possível. Era o tributo que devia pagar à sua duvidosa fama, pois muitos da sua mesma ralé só esperavam uma oportunidade para lha arrebatarem juntamente com a vida.
Por um momento assaltou ao jovem a ideia para o interior da taberna, mas imediatamente a pôs de lado. Havia ali demasiada gente e pelo menos três dos clientes pôr-se-iam da parte do foragido, sem contar que podia não vir só, e nesse caso a sua situação seria ainda mais crítica.
Não tinha de pensar mais; necessitava esperar o seu inimigo na rua e tomar medidas para que não pudesse escapar-lhe. A rua e o passeio em frente estavam claramente iluminados pela lua, de modo que a aproximação do «gun-man» não lhe passaria inadvertida, fosse qual fosse a direção em que chegasse, com a única exceção do passeio onde se encontrava, sombreado pelos alpendres.
Na realidade só o lado esquerdo oferecia dificuldades, pois do outro a franja de luz que escapava da taberna, descobriria e permitiria reconhecer alguém que se aproximasse naquela direção.
Vendo as coisas daquele modo, Tony afastou-se da porta, deslocando-se umas quinze jardas para a esquerda. Ali estava escuro, mas não tanto que o impedisse de reconhecer qualquer pessoa que passasse a dois passos dele, com o que tinha a garantia de que Bloody não poderia passar-lhe despercebido, qualquer que fosse o seu caminho para acorrer ao encontro, e isso com tempo suficiente para o impedir de se refugiar na taberna onde se encontravam os seus amigos.
Colocado no vão de uma porta, Tony viu passar vários homens, alguns dos quais tinham características tão parecidas com o pistoleiro assassino, que sofreu mais de um sobressalto.
Uns passos aproximavam-se rápidos e Mills aguçou os sentidos para captar o mais rapidamente possível os traços do indivíduo que chegava, só e tão apressado. Seria Bloody? Passaria por ele, quase roçando-o, de um momento par o outro.
No entanto, era um falso alarme. Quando sujeito se encontrava quase à altura de Tony, saltou para a rua, atravessando-a completamente iluminado pelo luar e não se tratava do pistoleiro.
Um momento antes o jovem tinha ouvido perfeitamente o ruído produzido pelas portas da taberna próxima ao abrirem-se, mas não prestara atenção alguma porque não lhe importava quem pudesse sair dali. Ou, pelo menos assim o pensava, embora prontamente tivesse de lamentar o seu erro.
— Depressa, vamos buscar os cavalos e a todo o galope para «El Palomar». Depressa que eu não gosto de esperar.
Aquela voz! Tony voltou-se no mesmo instante vendo um vulto forte e baixo que saía naquele momento da faixa de luz que deixavam escapar as portas baixas da taberna onde tinha estado minutos antes, perdendo-se na escuridão, para a direita.
Atrás daquele homem iam outros três, que por se terem atrasado um pouco, pôde reconhecer como sendo os indivíduos que esperavam o assassino de seu irmão. A surpresa fez com que Tony se precipitasse.
— Bloody! — gritou, abandonando de um salto o seu esconderijo.
Um dos homens que se recortava debilmente contra a seguinte faixa de luz, saltou vivamente para um lado protegendo-se atrás do mais próximo dos pilares que sustentavam os alpendres, imitado pelos outros três, após uns instantes de indecisão.
Aquilo fez com que Mills compreendesse o seu erro, mas já era demasiado tarde para o retificar, e não lhe restou mais que os imitar, ocultando-se no vão de escada mais perto.
— Quem me chama? -- gritou o pistoleiro.
— Anthony Mills, maldito assassino. Sai para o meio da rua, se ainda te resta alguma coisa de homem.
Um jorro de injuriosas imprecações foi toda a resposta que obteve ao desafio.
— Temos que caçar esse cão! — ouviu dizer.
Tony empunhou imediatamente os revólveres, pronto para o combate. Quase no mesmo instante um vulto abandonou o poste atrás do qual se ocultava, à beira do passeio, cruzando a rua em dois saltos.
Por um segundo a silhueta do pistoleiro recortou-se contra o fundo de luz, e Tony disparou, sem tempo para apontar e com excessiva precipitação, pois não teve tempo para outra coisa.
Aquele disparo não serviu para mais do que denunciar a posição do rapaz, o que aproveitaram os seus inimigos, desencadeando no mesmo instante uma tempestade de fogo.
Apertando-se o mais possível contra a porta em cujo vão se protegia, Mills compreendeu que não estava fazendo mais que disparates. Deveria serenar-se, se não queria acabar crivado de tiros.
As balas chegavam zumbindo raivosamente e golpeavam contra as paredes de troncos, mordiam no próprio umbral em que se protegia, arrancando estilhas que algumas vezes sentiu chocar contra a sua roupa, afastando-se uivando ao longo da rua. Com tudo isto, nem sequer se podia assomar ao ouvir os passos dos homens que deviam vir aproximando-se para acabar com ele. Uma situação insustentável, que Tony decidiu terminar quanto antes, embora o intento pudesse custar-lhe a vida.
Afortunadamente, estava escuro e não havia atrás deles nenhuma luz que o pudesse denunciar, pelo que quando o jovem saltou para a rua, correndo, não temia realmente que alguém lhe pudesse acertar com um tiro, pois o verdadeiro perigo estava em intercetar o caminho de alguma das balas que os pistoleiros enviavam de qualquer maneira na sua direção. Teve sorte, no entanto, e chegou incólume ao pilar mais imediato, embora tivesse sido visto, porque uma bala zumbiu muito próximo quando ali chegou.
— Cuidado! — gritou a voz rouca de Bloody. — O maldito escapou-se e está atrás daquela coluna.
Tony supôs que aquilo conteria por pouco tempo os pistoleiros, que esperariam localizá-lo exatamente para tomarem posições, e decidiu aproveitá-lo.
Quatro assassinos dando-lhe caça ocultos na escuridão, distantes apenas entre quinze a vinte jardas, eram demasiados para os enfrentar com razoáveis probabilidades de êxito. Pelo menos, enquanto não os conseguisse dividir.
O poste atrás do qual se ocultava encontrava-se cravado mesmo à beira do passeio, enquanto a sombra dos alpendres se prolongava quase meia jarda mais além, deixando também na sombra uma estreita franja de rua. Aquilo deu-lhe uma ideia.
A escuridão do passeio era densa, mas não impenetrável, e resultava sumamente perigoso mostrar-se perante os canos apontados por quatro pistoleiros profissionais. Era, pois, necessário retirar-se sem ser advertido, e colocar-se onde pudesse caçar o primeiro dos seus inimigos q se descuidasse.
Era uma caça de morte, implacável e desleal, em que todos se mantinham agachados entre as sombras, esperando poder dar um disparo e ocultar-se novamente, até acabar com o contrário.
Deitando-se de bruços sobre o passeio, a amparo do poste, baixou cuidadosamente, afastou-se arrastando-se como um índio, protegido pela valeta.
Duas casas mais além, abria-se uma ruela, cuja esquina ganhou Mills, sempre arrastando-se e quando se pôde erguer, completamente protegido, tinha a segurança de que ninguém tinha advertido a sua manobra.
— Onde diabos está esse condenado? — perguntou subitamente uma voz rouca e mal hum rada.
— Vi-o esconder-se atrás daquele poste, do terceiro. Mas não voltou a dar sinais de vida — respondeu a voz de Bloody. — Mas tem cuidado, porque esse porco atira como um diabo
— Temos de o tirar daí. Vamos a ver como vocês sabem dar o gosto ao dedo.
O homem devia ter pressa, porque enquanto os seus companheiros baleavam teimosamente o tronco onde supunham estar a sua vítima, correu a peito descoberto atravessando o passeio até desaparecer como se se tivesse infiltrado na parede.
Imediatamente emudeceram as armas dos demais e estalidos metálicos demonstraram que os pistoleiros aproveitavam a pausa para recarregarem os seus revólveres.
— Está aí? — perguntou Bloody, dois minutos mais tarde.
— Não o vês tu? — inquiriu o outro por sua vez. — Deve ter-se pegado ao poste do outro lado...
— Não!
— O maldito fugiu!
Bloody lançou um jorro de impropérios.
— Mas como diabo é possível que desse o salto sem que o víssemos? — resmungou o outro.
O homem que falara era muito mais valente e deve ter pensado que nada conseguiria averiguar fazendo perguntas tolas, porque acabou por sair a peito descoberto. Tinha-se aproximado bastante e em metade do passeio recortava-se claramente contra a luz que saía da porta da taberna, pelo que Tony poderia ter-lhe desfechado um tiro com toda a tranquilidade, mas não tinha estômago para isso e saiu também a descoberto.
— Procuravam-me? — perguntou.
O «pistoleiro» empunhava o revólver e usou-o imediatamente, mas Mills não se recortava contra nenhum fundo claro, era apenas uma sombra algo mais densa que o resto, situada talvez vinte jardas de distância, e em tais condições apenas a casualidade poderia fazer que a bala alcançasse o seu objetivo.
O resplendor do ineficaz disparo iluminou plenamente o «pistoleiro», e, no mesmo instante, Tony apertou os dois gatilhos das suas armas, que cuspiram mortífero chumbo entre um jorro de fumo e fogo e o estalar das detonações.
Sem esperar para comprovar o efeito daqueles tiros, o «cow-boy» saltou de costas, refugiando-se novamente atrás da esquina.
Tinha aprendido a lição e desta vez os disparos de Bloody e dos seus satélites resultaram totalmente ineficazes, pois Anthony não os esperou, como no seu primeiro encontro com o criminoso.
— Liquidou o Mat! — guinchou uma voz, sobressaindo por sobre as detonações.
— Cala-te, imbecil! — uivou Bloody.
— Vem buscar-me, cobarde! — gritou Mills, disparando na direção em que chegava a voz do assassino.
Aquilo provocou uma violenta reação da parte dos bandidos, que gastaram em salvas as cargas dos revólveres.
— Vamos, todos! Temos de liquidar esse condenado! — vociferou Bloody fora de si.
O rapaz ouviu aquilo enquanto corria silenciosamente ao longo da rua, e sorriu duramente, porque era isso precisamente o que esperava. A sua inferioridade frente aos proscritos era excessiva, mas pensava que com um pouco de sorte e escolhendo a seu gosto o cenário para um novo duelo, poderia nivelar as forças e saldar contas com o assassino do seu irmão.
No entanto, algo com que não contava veia frustrar os seus planos, embora não se tivesse inteirado, porque estava demasiado longe para escutar a chamada que surgiu da escuridão, nas. costas dos pistoleiros.
— Bloody!
O aludido sofreu uma sacudidela, imobilizou-se uns instantes, para depois se voltar lentamente. Tinha reconhecido perfeitamente a VOZ...
— Que quer? — perguntou, de má vontade.
— Não lhe pago para isto replicou duramente a voz.
— É que... — começou Bloody, refilão, mas foi prontamente interrompido.
— Não há mas que valha. Ocupe-se imediatamente do que deve, ou procurarei quem o substitua.
O «pistoleiro» soltou um grunhido, mas obedeceu.
— Vamos, rapazes — resmungou. — Ajustaremos contas com esse tipo noutra ocasião.
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