quarta-feira, 21 de setembro de 2022

CLF050.02 Nova fuga em perspetiva


Amy ainda experimentava um vivo sentimento de humilhação quando, seguindo o pai, saiu da cantina, depois de pegar nos «Colt» que tão destramente Parker lhe arrebatara. Não deu uma palavra ao pai até que se viu em casa, duma das janelas da qual se dominava a porta da cantina. 

— Se não fosse uma cobardia, esse jovem presumido não escaparia agora sem a cápsula de chumbo que merece. 

— Enlouqueceste? Fizeste o que devias e venceu quem merecia vencer. Salvaste-me e ele ficou no seu lugar. Não o podemos censurar. 

— Insultou-te diante de todos!... 

— Disse-me menos do que eu mereço. Sim, Amy. Ele tem toda a razão. Tem motivos até para me furar as tripas... 

— Ridicularizou-me — protestou ainda a rapariga. 

— Não penses assim. Defendeste o teu pai. Ninguém pode pensar que isso é uma ação ridícula. Ele venceu-te de forma limpa e não se enfureceu contigo. 

— Ainda o defendes! Que bonito! 

— Não o defendo, filha. Compreende-me bem. Assassinaram-lhe o pai e ele busca o assassino. Não tem razão? 

— Bem. Admitamos que sim. Foi muito duro contigo... 

— Tem razão de sobra, Amy, porque eu era muito amigo do pai. O pai de Cecil Parker e eu lutámos juntos, em jovens, contra os índios. Salvou-me a vida em mais de uma ocasião. 

— Também tu terás procedido de igual fortim com ele... 

— Não penses nisso. Era um homem extraordinário, desses que podem sozinhos vencer na vida... 

— E o filho é outro homem extraordinário, ao que parece!... — exclamou a rapariga em tom irónico. 

— Sim. Também é como o pai. 

A jovem cruzou os braços sem deixar de olhar pela janela na direção da porta da cantina. 

— Bem, pai. Tu é que decides. Ele não te vai deixar tranquilo e eu não estou disposta a tolerar que te incomode. Ou o mato ou lhe dirás quem é o assassino do pai, se na verdade é assunto do teu conhecimento. 

— Sim, sei quem é... 

— Nesse caso, porque é que não lhe disseste?... 

— Sabes o que isso significaria? Ter de voltar a andar de região em região, agora que encontrámos digo que vale a pena explorar... 

— E por que razão temos de fugir? — Porque o assassino não está sozinho e, embora ele o matasse, os seus cúmplices acabariam comigo. Não penses que tenho medo da morte por minha causa. A vida pouco me pode dar já, à exceção do teu carinho e dos teus cuidados. Mas não quero deixar-te abandonada e entregue a ti própria. 

— Temos de fazer alguma coisa. Eu mesma lhe posso dizer quem são os assassinos e pôr-me a seu lado para acabar com eles. 

— Nem ele aceitaria, nem pode ser... Deixa-me fazer a mim as coisas. 

— Ele está a sair agora. Chamo-o e dizes-lhe. Debruço-me da janela e basta um sinal para ele cá vir. 

— Não. Toda a gente está pendente dos nossos movimentos. E, na cantina, há alguns amigos de Tyrone, de Howard e de Pete... 

— Foram eles?... 

— Foi Pete, embora os outros lhe guardassem as costas. 

— E porque supunha ele que tinhas sido tu? 

— Eu encontrava-me perto e houve alguém que me viu, mas não aos outros. Foi um verdadeiro assassinato. E a pessoa que me viu, disse-o a ele. 

Amy estremeceu. 

— Pois tiveste muita sorte e tenho de reconhecer que se portou muito bem. 

— Parece-se com o pai e já te disse que o pai era um homem extraordinário. Não me matou, porque a pessoa que me viu não lhe deve ter dado a certeza de que fui eu... 

Amy sentiu-se um pouco envergonhada pela generosa atitude que Parker tivera com ela e com o pai. 

O jovem que tinha bebido um copo de «whisky» na cantina, acabava de sair e dispunha-se a montar a cavalo. 

— Tem um belo porte, não achas? — perguntou o pai. 

— Sim. É impressionante. Mas não me emocionou, não penses. Julga-se demasiado importante. Mas... temos de fazer alguma coisa. Que solução pensas dar ao assunto? 

— Não sei. Procurá-lo-ei mais tarde, tentarei vê-lo sem testemunhas e dir-lhe-ei quem são os que mataram o pai. Entretanto, terei de arranjar tudo para nos irmos embora daqui. Sairemos muito antes do amanhecer. 

— E para onde vamos? Outra vez transformados em vagabundos? Não me agrada essa vida, pai. 

— Não iremos para muito longe, prometo-te. Procuraremos um local afastado onde poderemos estar tranquilos. E talvez encontremos também ouro por lá... 

— Aos locais onde se descobre outro acorrem em seguida todos os aventureiros do género desses assassinos. 

— Se encontrarmos o que pretendo, mantê-lo-emos em segredo até termos o suficiente para viver, no território de Nevada, para além das Ely Ridge. O pai de Cecil e eu vimos lá qualquer coisa há anos, embora nessa altura não pudéssemos lá deter-nos. 

Amy compreendeu que tinha de resignar-se. Suspirou e disse: 

— Está bem. Vou preparando tudo. Mas não saias de casa. Serei eu quem o procurará para lhe dizer o que se passa. Não te preocupes. Ninguém me verá, ninguém saberá de nada. Sei fazer as coisas. 

— Prometes não discutir com ele? -- pediu o pai. 

— Está prometido. 

— Está bem. Nesse caso podes falar com ele. Como vais fazer para o encontrares? 

— Não existem muitos sítios na povoação onde se possa ter hospedado. Vou sair já e fingirei que vou comprar coisas até dar com ele. Tenho a certeza que me seguirá logo que me veja... 

— E se te enganares?... 

— Uma mulher, desde que seja medianamente atrativa, sempre arranja forma de um homem a seguir. E eu não sou feia de todo, pai... 

— Está bem. Está bem. Mas sem tolices nem coisas que se possam interpretar erradamente. Entendes? 

— Naturalmente. Não era preciso fazeres a recomendação. Não me conheces bem? 

— Tens razão, perdoa. E não te zangues com ele, nem com ninguém, naturalmente. Tens um carácter muito impulsivo. Sim, já sei que em determinadas ocasiões não há mais remédio do que uma pessoa ficar-se... 

— Por mim não te preocupes. Sei defender-me sozinha, já o sabes... 

— Apesar disso... 

Amy, que espreitava pela abertura formada pelas duas vidraças da janela, disse: 

— Lá vai o teu homem... É elegante, apesar da sua rusticidade. Mas não me agrada. Podia ter dado cabo dele — disse, num impulso. 

— Esquece-te disso. O rapaz fez o que devia. Não tínhamos já concordado a esse respeito? 

— Sim. 

— Oxalá lhe agradasses e casasses com ele... 

— Para isso era preciso que ele me agradasse a mim. Porque, agradar-lhe eu a ele!... Quando entrou na cantina, olhou-me de uma forma que não engana. Bastaria que eu quisesse, fica sabendo. 

— Por mim encantado. Seria o marido que te convém. 

— Não tens de te preocupar com o meu futuro. Cá me saberei arranjar... 

A jovem piscou um olho e disse em seguida, em tom trocista: 

— Não te deves preocupar. Se encontrarmos ouro em Nevada, teremos dinheiro e iremos para qualquer estado do Sul ou para a Califórnia e encontrarei aí um marido educado, alguém que seja um verdadeiro senhor. Não me agradam estes campónios. 

— Não julgues que Cecil seja um campónio. O pai enviou-o para bons colégios. O que acontece é que ele prefere a vida um pouco rude do Oeste, gosta de aventuras... 

— Evidentemente. A cabra puxa para o monte... 

— Não sejas mordaz — atalhou o pai. — Rapazes como esse é precisamente do que o Oeste necessita para chegar onde pode e deve chegar. 

— Se é assim, já me calo. Não quero que o Oeste se zangue comigo — replicou a rapariga com uma expressão travessa. 

— És um diabinho, Amy. Mas é bom que saibas que deves ao pai de Cecil teres estado em bons colégios. Foi ele quem me indicou a conveniência de te enviar a estudar quando a tua mãe morreu. E foi ele quem pagou o teu colégio nos primeiros anos. 

— Estamos realmente em dívida com eles. E pensar que estive a ponto de pagar com um tiro ao filho!... 

— Por minha vontade ainda estarias no colégio, embora eu tivesse que me sacrificar. Mas parece-me que também a ti te atrai um pouco a aventura... 

— De nenhuma maneira. Mas já estava farta do colégio e queria viver a teu lado. Advertia pelas tuas cartas que me necessitavas. 

— Não te Zangues, vá. 

— É melhor que não falemos nessas coisas. Podes principiar com os preparativos, enquanto eu vou atrás dele... 

— Vão ver-te sair os da cantina e... 

Amy atalhou vivamente: 

— Já contei com isso e não me verão. Sairei pela porta de trás e farei um rodeio. Estou farta de fazer isso para não ser seguida pelos idiotas e vadios que costumam estar nesse antro. 

Amy dispôs-se a sair. O pai, que a substituíra perto da janela, disse: 

— Dean e Sanders estão agora a sair. Esses dois teriam ficado contentes se Cecil me tivesse crivado de balas. 

— É de supor. E há outros que se teriam também alegrado. A única mina de ouro que dá o suficiente para valer a pena trabalhar é a nossa. 

— Antes de meia hora, Pete, os outros dois e até o próprio John Kraft estarão inteirados da chegada de Parker em busca do assassino do pai. 

— A sua vida correrá perigo. Temos que o avisar em seguida. 

— Minha filha. Nós somos pouca coisa para nos metermos com esses colossos. É quase certo que nos farão em pó aos dois... 

— Mas, pai. Ele não conhece os outros. Procurá-lo-ão e matá-lo-ão antes de ter tempo de saber alguma coisa. Se não vou depressa, nem sequer lhe poderei falar... 

— Já te disse que o devemos avisar, mas sem corrermos perigo, compreendes? Se os outros sabem que o avisámos, ou de que tentámos pormo-nos em contacto com ele, matar-nos-ão. 

— Tudo isso não interessa. Aprendi que, quando há um dever, tem de ser cumprido acima de tudo. Tu próprio mo disseste muitas vezes. Foi isso também que me ensinaram nos colégios para onde me mandaste. 

— Mas…

— Não há «mas», nem meio «mas», pai. Tenho de o avisar. E depois de saber o que o pai fez por ti e depois por mim, com muito maior motivo. Não quero ter de andar de cabeça baixa diante de ninguém, percebes? 

— Cecil não tem conhecimento algum do que te contei. 

— Mas sei eu e é bastante. Não me atreveria olhá-lo na cara, se me comportasse de uma forma tão cobarde. 

— Reconheço, absolutamente, que tens razão, mas... 

— Ainda bem. Se queres que nos vamos embora, prepara as coisas. Eu vou avisá-lo, informá-lo de quem são as pessoas que ele deve procurar. Irei com cuidado para que não me vejam. Mas se me virem, que hei-de fazer? E se for preciso lutarei a seu lado, ombro a ombro, costas com costas, como tu fizeste e o pai dele. 

— Deixa-te estar aqui e eu o avisarei... 

— Não, pai. 

— Desconfias de mim? 

— Não. Sei que cumpririas, mas começo a interessar-me por ele. Vou pensar seriamente no caso e, se chegar à conclusão de que me agrada, casarei com ele. 

— Claro que, se te decides a gostar dele, acabarás por te sair com a tua. 

— Podes ter a certeza. Bem, não quero perder nem mais um minuto. Esses tipos estão já a caminho e, agora, a vida dele acha-se certamente em perigo... 




Sem comentários:

Enviar um comentário