segunda-feira, 20 de setembro de 2021

BIS020.10 O grande êxodo

 10. O grande êxodo

Os rancheiros e «cow-boys», de várias povoações próximas vieram ao funeral de Alan, o qual, pelas suas bondades, se fizera credor da amizade e consideração de quantos o conheciam. 

Bernard, cínico e hipócrita, ia à frente do acompanhamento, mostrando uma dor sem limites. Tinha já dominado o acesso de terror que lhe sobreviera e tratou de convencer-se que não fora ele o culpado do desenlace fatal. O pai estava gravemente doente e qualquer coisa, por insignificante que fosse, poderia ter ocasionado a sua morte. Assim fez calar as aguilhoadas terríveis da sua consciência. Que lhe importavam os olhares hostis que via em seu redor? A parte mais interessante da coisa é que era já o patrão do rancho; os seus «tormentos económicos tinham acabado; poderia já vender tudo, casar com Nell e ir morar para San Diego, entre gente da sua classe, livre da companhia de homens brutais e sem cultura. 

Poucos foram os que lhe apresentaram os sentimentos pela morte de Alan. Em compensação nem uma só pessoa deixou de apertar a mão a Jerry, expressando o seu pesar. 

— Façam o que quiserem! — disse para consigo o miserável — em breve não verei mais nenhum destes brutos! 

De regresso ao rancho, Grunder dispunha-se a entrar quando Batterby lhe cerrou o passo. 

— A tua missão está concluída. Podes procurar outro emprego. 

Jerry olhou-o de alto a baixo: 

— Preferia Morrer mil vezes a ter que servir-te! Mas ai de ti! que queiras evitar o meu trabalho nesta casa, durante as horas ou dias que eu queira estar nela. Já não existe a pessoa que a meus olhos te fazia sagrado. A Sua memória impede-me que te mate aqui, já; mas não me faças exaltar os nervos, afasta-te da minha frente, porque se me provocas não dirás nem mais uma palavra! 

Bernard tremeu. Nas escuras pupilas do homem que ele odiava, leu uma decisão arrepiante e gélida que o aterrorizou. Stanley Kasbert aproximou-se, dirigindo-se a Grunder: 

— Vou-me embora Jerry. Tu ficas ou...? 


Antes que ele pudesse responder, Batterby exclamou: 

— Afaste-se imediatamente, velho asqueroso, se não quer que eu o mande para o diabo! 

Voltou-se o administrador, mas o ex-capataz do rancho «Branco» conteve-o dizendo: 

— Não se rebaixe, respondendo a esta víbora —. Deixou atrás Stanley e avançou para Bernard —. Se dizes mais uma palavra que seja contra o homem a quem o teu pai quis como merecia, mato-te! Sai, sai dessa porta! Deixa que entrem as pessoas honradas! 

O revólver de Grunder estava apontado ao canalha, que, cobardemente, recuou de costas. 

— Entre comigo, Kasbert; entre e ajude-me a empacotar as minhas coisas. 

Subiram ao segundo andar, onde Grunder tinha o seu quarto, pois Alan não permitira nunca que ele dormisse fora do edifício. Kasbert, enquanto ia ajudando o capataz a arrumar a bagagem, perguntou: 

— Que pensas fazer? 

—O mesmo de sempre. Trabalhar. Não creio que seja difícil encontrar emprego. 

— Claro que não! És novo, forte, valoroso; conheces o teu ofício às mil maravilhas... Hão de sobrar-te as ofertas... Eu... é que já não digo o mesmo. Velho, sabendo apenas de números, ninguém há de querer-me. Mas... que importa! Tenho alguns dinheiros e até onde eles derem viverei. Depois... Deus o sabe! 

— A nossa sorte está unida, Stanley. O que for dum será dos dois. 

-- Obrigado, rapaz. 

Outro silêncio e de novo a voz de Kasbert: 


— E... Nell, deixa-la entregue à sua sorte? Grunder ficou nervoso. Já há muito que fazia a si próprio a mesma pergunta e parecia que o companheiro lha fora roubar ao cérebro. Mentiu ao responder: 

— Não compreendo o que quer dizer... 

— Deixa-te de fingimentos comigo. Até um cego veria que estás enamorado da rapariga e que ela te corresponde. 

— Mas... como... 

— Bom, bom, bom... Calamo-nos se é que te não agrada a questão. Acrescentarei apenas que me dói deixar a rapariga entregue nas garras de Batterby. 

— Também eu tenho pena, mas... Nell é já uma mulher e conhece o noivo. Se, apesar disso, quiser ser sua esposa é porque o brilho do ouro a deslumbra mais do que seria conveniente. 

Bateram à porta. Grunder mandou entrar e apareceu Marcus. 

— Quê, vamo-nos já embora? — olharam-no os dois com estranheza e Whitted dirigiu-se a Jerry: — Disse-me você um dia que se chegasse a hora de abandonar o rancho, me elevaria consigo. Desgostava-me se tivesse que voltar a San Diego e ver-me novamente feito lacaio e bobo. 

O ex-capataz do rancho «Branco» colocou a mão sobre o homem que lhe falava: 

— Eu só tenho uma palavra, Whitted; fique comigo, se assim o deseja, mas aviso-o de que os meus recursos económicos são fracos e provavelmente teremos que passar maus bocados.  

—E isso que importa? A sua amizade e companhia bastam-me. 

— Está bem. Ajude-nos a arranjar as malas. Meia hora mais tarde, saíram os três, com tudo o que pertencia a Grunder. Cá fora, no terreiro, todas os vaqueiros, levando à cabeça Joe e Mike, aguardavam junto aos seus cavalos. 

— Olá, Jerry — disse este último, interpretando o sentir de todos. — Estamos a espera para sairmos ao mesmo tempo que vocês. 

— Que significa isto? 

—A coisa é bem de ver. Não queremos servir a novo patrão. 

Batterby, por detrás das vidraças seguia a cena, mordendo os lábios, raivoso e despeitado. Não o afetavam grandemente sob o aspeto económico, visto que pensava em vender a fazenda; mas o seu orgulho sofria. 

Saiu correndo a governanta: 

— Eh, seus ingratos! Com que então, eu ficava aqui, não?! 

— Também você, Janis? Naturalmente! Então eu ia ficar às ordens de quem tanto fez sofrer o nosso infeliz amo? 

— Viva Janis! — gritou Joe. 

E o grito foi alegremente repetido em coro. 

Uma nova surpresa as esperava a todos: Nell apareceu à porta, dizendo: 

— Jerry, por favor; a mãe e eu decidimos ir também, mas são tantos os embrulhos e as malas que não podemos carregar com eles. Quer ajudar-nos? 

— O quê?... Que diz? 

— Vamos também, como é lógico, e gostaríamos de fazer a viagem com vocês. 

Estalou urna ovação entusiástica. Grunder aproximou-se da jovem: 

— Então... o seu compromisso com Bernard… 

— Considero tudo acabado. 

Uma alegria imensa fez brilhar os olhos de Grunder. Todo o seu ser tremia de satisfação. Tomou entre as suas, as mãos da rapariga e disse-lhe emocionado: 

— Felicito-a, Nell. 

Correram os vaqueiros para o edifício a fim de trazerem a bagagem das duas senhoras. Nell seguiu-os, acompanhada de Jerry. A meio do corredor, Batterby intercetou-lhes o passo: 

—Nell, que quer dizer isto? 

—Precisas que eu te explique? Acabou-se tudo entre nós. 

—Mas… não posso consentir em tal loucura! Temos que falar. 

Jerry interveio: 

— Nell resolveu ir-se embora e não haverá ninguém que o impeça. Afasta-te... ou te afasto eu! 

— Nada de lutas! — implorou a rapariga. Voltando-se para Grunder: — Deixe-nos sós, tenha a bondade 

—É que... 

—Peço-lhe. É questão de poucos minutos. 

Jerry acedeu, retirando-se para junto dos vaqueiros que carregavam malas e embrulhos. 

— Já nada nos obriga a ficar aqui, Bernard, visto que teu pai desapareceu para sempre. 

—Perdeste o juízo? Se é agora que vai começar a nessa felicidade? Sou rico, muito rico; venderei tudo e iremos para San Diego viver. Não era o que tu querias? Não foi este o tema de tantas conversas nossas? 

— Nessa altura, eu não conhecia o teu pai, não te conhecia a ti nem talvez me conhecesse a mim própria. Tudo mudou. Cheguei à conclusão de que não te amo. Não poderíamos ser felizes! 

—Estás louca, completamente louca! 

— Deixa-me com a minha loucura! 

— Não, não posso resignar-me a perder-te. És minha, ouves? És minha! 

Frenético agarrou-a pelos ombros. Nell olhou-o fixamente e exclamou com secura: 

-- Larga-me! 

— Não! 

—Larga-me, repito! 

—Larga-a, Bernard! — ordenou Jerry reaparecendo de revólver em punho. 

Nas suas pupilas brilhava qualquer coisa de sinistro. Bernard sentiu o sopro da morte a rondá-lo e obedeceu com lentidão. 

— Está bem! Fora daqui! Não necessito de ninguém, de ninguém. 

Deu meia-volta e meteu-se num dos quartos, terrivelmente furioso e desnorteado. 

Tudo estava a postos para a partida. Fanny suspirou, dirigindo-se a Jerry: 

—Que pena! Eu adorava já esta vida... E o que me desgosta mais é que logo que chegarmos à povoação termos que nos separar. 

Começou a marcha. Todos iam alegres e bem-dispostos. Formavam um grupo de gente otimista que não receava o futuro. A grande maioria eram homens fortes, corajosos e valentes, que em breve encontrariam trabalho e se ajudariam mutuamente. 

Jerry adiantou o seu cavalo, formando par com a montada de Nell. 

— Se eu não fosse um pobre vaqueiro, pedir-lhe-ia que casasse comigo; mas porque o sou não o faço. De qualquer maneira, saiba, Nell, que eu a amo como ninguém a amará sobre a terra e que a recordarei enquanto viver. 

A rapariga abriu muito os olhos. Tremiam-lhe os lábios e a respiração tornou-se-lhe difícil. 

— Jerry. 

— Autorizo-a a que troce à sua vontade. Quando se encontrar na cidade, junto dos seus amigos, o que lhe disse agora, será motivo de distração. Um motivo para gargalharem. «Um vaqueiro atreveu-se a enamorar-se de mim e declarou-se-me!» — dirá você. Todos rirão. Mas... que é isso, Nell? Você está a chorar!? 

— Choro de alegria — murmurou. 

—O quê? 

— De alegria por saber que me quer. Eu também o amo e quero ser sua mulher, Jerry! 

—Nell! 

— Dize: quando nos casamos? 

Grunder julgou sonhar. 

—É então verdade... o que oiço? Tu, a mulher dum pobre diabo, sem emprego sequer, que apenas poderá oferecer-te?... 

Nell interrompeu-o: 

— Sei perfeitamente o que me podes oferecer: a felicidade!

Grunder não se conteve. Encostou mais o cavalo, inclinou-se e rodeando-lhe a cintura, beijou-a na boca. Atrás ouviam-se murmúrios. A voz de Fanny soou nervosa: 

— Que veem os meus olhos? Jackes, digo Jefferson... oh, digo Jimnine, beijando a minha filha!... 

Grunder voltou a cabeça e sorriu alegremente: 

—Cuidado, minha senhora, com os nomes daqui em diante! À sua filha apenas eu poderei beijar e... não me chamo de nenhuma dessas maneiras! 


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