Os rancheiros e «cow-boys», de várias povoações próximas vieram ao funeral de Alan, o qual, pelas suas bondades, se fizera credor da amizade e consideração de quantos o conheciam.
Bernard, cínico e hipócrita, ia à frente do acompanhamento, mostrando uma dor sem limites. Tinha já dominado o acesso de terror que lhe sobreviera e tratou de convencer-se que não fora ele o culpado do desenlace fatal. O pai estava gravemente doente e qualquer coisa, por insignificante que fosse, poderia ter ocasionado a sua morte. Assim fez calar as aguilhoadas terríveis da sua consciência. Que lhe importavam os olhares hostis que via em seu redor? A parte mais interessante da coisa é que era já o patrão do rancho; os seus «tormentos económicos tinham acabado; poderia já vender tudo, casar com Nell e ir morar para San Diego, entre gente da sua classe, livre da companhia de homens brutais e sem cultura.
Poucos foram os que lhe apresentaram os sentimentos pela morte de Alan. Em compensação nem uma só pessoa deixou de apertar a mão a Jerry, expressando o seu pesar.
— Façam o que quiserem! — disse para consigo o miserável — em breve não verei mais nenhum destes brutos!
De regresso ao rancho, Grunder dispunha-se a entrar quando Batterby lhe cerrou o passo.
— A tua missão está concluída. Podes procurar outro emprego.
Jerry olhou-o de alto a baixo:
— Preferia Morrer mil vezes a ter que servir-te! Mas ai de ti! que queiras evitar o meu trabalho nesta casa, durante as horas ou dias que eu queira estar nela. Já não existe a pessoa que a meus olhos te fazia sagrado. A Sua memória impede-me que te mate aqui, já; mas não me faças exaltar os nervos, afasta-te da minha frente, porque se me provocas não dirás nem mais uma palavra!
Bernard tremeu. Nas escuras pupilas do homem que ele odiava, leu uma decisão arrepiante e gélida que o aterrorizou. Stanley Kasbert aproximou-se, dirigindo-se a Grunder:
— Vou-me embora Jerry. Tu ficas ou...?
Antes que ele pudesse responder, Batterby exclamou:
— Afaste-se imediatamente, velho asqueroso, se não quer que eu o mande para o diabo!
Voltou-se o administrador, mas o ex-capataz do rancho «Branco» conteve-o dizendo:
— Não se rebaixe, respondendo a esta víbora —. Deixou atrás Stanley e avançou para Bernard —. Se dizes mais uma palavra que seja contra o homem a quem o teu pai quis como merecia, mato-te! Sai, sai dessa porta! Deixa que entrem as pessoas honradas!
O revólver de Grunder estava apontado ao canalha, que, cobardemente, recuou de costas.
— Entre comigo, Kasbert; entre e ajude-me a empacotar as minhas coisas.
Subiram ao segundo andar, onde Grunder tinha o seu quarto, pois Alan não permitira nunca que ele dormisse fora do edifício. Kasbert, enquanto ia ajudando o capataz a arrumar a bagagem, perguntou:
— Que pensas fazer?
—O mesmo de sempre. Trabalhar. Não creio que seja difícil encontrar emprego.
— Claro que não! És novo, forte, valoroso; conheces o teu ofício às mil maravilhas... Hão de sobrar-te as ofertas... Eu... é que já não digo o mesmo. Velho, sabendo apenas de números, ninguém há de querer-me. Mas... que importa! Tenho alguns dinheiros e até onde eles derem viverei. Depois... Deus o sabe!
— A nossa sorte está unida, Stanley. O que for dum será dos dois.
-- Obrigado, rapaz.
Outro silêncio e de novo a voz de Kasbert:
— E... Nell, deixa-la entregue à sua sorte? Grunder ficou nervoso. Já há muito que fazia a si próprio a mesma pergunta e parecia que o companheiro lha fora roubar ao cérebro. Mentiu ao responder:
— Não compreendo o que quer dizer...
— Deixa-te de fingimentos comigo. Até um cego veria que estás enamorado da rapariga e que ela te corresponde.
— Mas... como...
— Bom, bom, bom... Calamo-nos se é que te não agrada a questão. Acrescentarei apenas que me dói deixar a rapariga entregue nas garras de Batterby.
— Também eu tenho pena, mas... Nell é já uma mulher e conhece o noivo. Se, apesar disso, quiser ser sua esposa é porque o brilho do ouro a deslumbra mais do que seria conveniente.
Bateram à porta. Grunder mandou entrar e apareceu Marcus.
— Quê, vamo-nos já embora? — olharam-no os dois com estranheza e Whitted dirigiu-se a Jerry: — Disse-me você um dia que se chegasse a hora de abandonar o rancho, me elevaria consigo. Desgostava-me se tivesse que voltar a San Diego e ver-me novamente feito lacaio e bobo.
O ex-capataz do rancho «Branco» colocou a mão sobre o homem que lhe falava:
— Eu só tenho uma palavra, Whitted; fique comigo, se assim o deseja, mas aviso-o de que os meus recursos económicos são fracos e provavelmente teremos que passar maus bocados.
—E isso que importa? A sua amizade e companhia bastam-me.
— Está bem. Ajude-nos a arranjar as malas. Meia hora mais tarde, saíram os três, com tudo o que pertencia a Grunder. Cá fora, no terreiro, todas os vaqueiros, levando à cabeça Joe e Mike, aguardavam junto aos seus cavalos.
— Olá, Jerry — disse este último, interpretando o sentir de todos. — Estamos a espera para sairmos ao mesmo tempo que vocês.
— Que significa isto?
—A coisa é bem de ver. Não queremos servir a novo patrão.
Batterby, por detrás das vidraças seguia a cena, mordendo os lábios, raivoso e despeitado. Não o afetavam grandemente sob o aspeto económico, visto que pensava em vender a fazenda; mas o seu orgulho sofria.
Saiu correndo a governanta:
— Eh, seus ingratos! Com que então, eu ficava aqui, não?!
— Também você, Janis? Naturalmente! Então eu ia ficar às ordens de quem tanto fez sofrer o nosso infeliz amo?
— Viva Janis! — gritou Joe.
E o grito foi alegremente repetido em coro.
Uma nova surpresa as esperava a todos: Nell apareceu à porta, dizendo:
— Jerry, por favor; a mãe e eu decidimos ir também, mas são tantos os embrulhos e as malas que não podemos carregar com eles. Quer ajudar-nos?
— O quê?... Que diz?
— Vamos também, como é lógico, e gostaríamos de fazer a viagem com vocês.
Estalou urna ovação entusiástica. Grunder aproximou-se da jovem:
— Então... o seu compromisso com Bernard…
— Considero tudo acabado.
Uma alegria imensa fez brilhar os olhos de Grunder. Todo o seu ser tremia de satisfação. Tomou entre as suas, as mãos da rapariga e disse-lhe emocionado:
— Felicito-a, Nell.
Correram os vaqueiros para o edifício a fim de trazerem a bagagem das duas senhoras. Nell seguiu-os, acompanhada de Jerry. A meio do corredor, Batterby intercetou-lhes o passo:
—Nell, que quer dizer isto?
—Precisas que eu te explique? Acabou-se tudo entre nós.
—Mas… não posso consentir em tal loucura! Temos que falar.
Jerry interveio:
— Nell resolveu ir-se embora e não haverá ninguém que o impeça. Afasta-te... ou te afasto eu!
— Nada de lutas! — implorou a rapariga. Voltando-se para Grunder: — Deixe-nos sós, tenha a bondade
—É que...
—Peço-lhe. É questão de poucos minutos.
Jerry acedeu, retirando-se para junto dos vaqueiros que carregavam malas e embrulhos.
— Já nada nos obriga a ficar aqui, Bernard, visto que teu pai desapareceu para sempre.
—Perdeste o juízo? Se é agora que vai começar a nessa felicidade? Sou rico, muito rico; venderei tudo e iremos para San Diego viver. Não era o que tu querias? Não foi este o tema de tantas conversas nossas?
— Nessa altura, eu não conhecia o teu pai, não te conhecia a ti nem talvez me conhecesse a mim própria. Tudo mudou. Cheguei à conclusão de que não te amo. Não poderíamos ser felizes!
—Estás louca, completamente louca!
— Deixa-me com a minha loucura!
— Não, não posso resignar-me a perder-te. És minha, ouves? És minha!
Frenético agarrou-a pelos ombros. Nell olhou-o fixamente e exclamou com secura:
-- Larga-me!
— Não!
—Larga-me, repito!
—Larga-a, Bernard! — ordenou Jerry reaparecendo de revólver em punho.
Nas suas pupilas brilhava qualquer coisa de sinistro. Bernard sentiu o sopro da morte a rondá-lo e obedeceu com lentidão.
— Está bem! Fora daqui! Não necessito de ninguém, de ninguém.
Deu meia-volta e meteu-se num dos quartos, terrivelmente furioso e desnorteado.
Tudo estava a postos para a partida. Fanny suspirou, dirigindo-se a Jerry:
—Que pena! Eu adorava já esta vida... E o que me desgosta mais é que logo que chegarmos à povoação termos que nos separar.
Começou a marcha. Todos iam alegres e bem-dispostos. Formavam um grupo de gente otimista que não receava o futuro. A grande maioria eram homens fortes, corajosos e valentes, que em breve encontrariam trabalho e se ajudariam mutuamente.
Jerry adiantou o seu cavalo, formando par com a montada de Nell.
— Se eu não fosse um pobre vaqueiro, pedir-lhe-ia que casasse comigo; mas porque o sou não o faço. De qualquer maneira, saiba, Nell, que eu a amo como ninguém a amará sobre a terra e que a recordarei enquanto viver.
A rapariga abriu muito os olhos. Tremiam-lhe os lábios e a respiração tornou-se-lhe difícil.
— Jerry.
— Autorizo-a a que troce à sua vontade. Quando se encontrar na cidade, junto dos seus amigos, o que lhe disse agora, será motivo de distração. Um motivo para gargalharem. «Um vaqueiro atreveu-se a enamorar-se de mim e declarou-se-me!» — dirá você. Todos rirão. Mas... que é isso, Nell? Você está a chorar!?
— Choro de alegria — murmurou.
—O quê?
— De alegria por saber que me quer. Eu também o amo e quero ser sua mulher, Jerry!
—Nell!
— Dize: quando nos casamos?
Grunder julgou sonhar.
—É então verdade... o que oiço? Tu, a mulher dum pobre diabo, sem emprego sequer, que apenas poderá oferecer-te?...
Nell interrompeu-o:
— Sei perfeitamente o que me podes oferecer: a felicidade!
Grunder não se conteve. Encostou mais o cavalo, inclinou-se e rodeando-lhe a cintura, beijou-a na boca. Atrás ouviam-se murmúrios. A voz de Fanny soou nervosa:
— Que veem os meus olhos? Jackes, digo Jefferson... oh, digo Jimnine, beijando a minha filha!...
Grunder voltou a cabeça e sorriu alegremente:
—Cuidado, minha senhora, com os nomes daqui em diante! À sua filha apenas eu poderei beijar e... não me chamo de nenhuma dessas maneiras!
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