6. Visita inesperada e indesejada
Não apresentou queixa alguma a Alan. Estava indignada consigo própria por aquela falta de decisão e de coragem, mas de cada vez que tentava queixar-se do agravo recebido, havia qualquer coisa que a obrigava calar-se. Quis convencer-se de que o fazia para não aborrecer o velho Batterby e nem exacerbar os nervos de Bernard, mas, no seu íntimo, havia algo que lhe dizia não ser essa a razão.
Jerry continuava a dominar, com uma segurança e uma calma espantosas. Fanny andava encantada com ele. Nell já reparara que na presença de alguém, Jerry mantinha para com ela a mais distinta correção, mas quando se encontravam a sós, mostrava-lhe a maior frieza e desprezo. Tal procedimento desesperava-a, porque o maior desejo de Nell consistia precisamente no contrário: quanto daria ela para o ver humilhado, rendido, mesmo enamorado, para ter a satisfação de o desprezar depois!?...
Odiava-o, odiava-o mil vezes... ou... pensava que o odiava!
Certa tarde apareceu no rancho um homem alto, de meia idade, alguns cabelos brancos semeados pela farta cabeleira negra, bem vestido e de aspeto duro, que perguntou por Bernard.
— Sim, está — respondeu o vaqueiro a quem ele se dirigira.
— Queira fazer o favor de o avisar que está aqui Gregory Wasnur; ele sabe quem sou.
O «cow-boy» encontrou Bernard junto de Nell transmitiu o recado. Batterby ficou nervoso.
— Disseste... Wasnur?
— Sim.
— Bem, que entre. E se não, espera. Irei recebê-lo.
— Quem é? — quis saber a rapariga, inquieta pele nervosismo que se apoderara do noivo.
— Um... amigo. Conheci-o em San Diego. Surpreende-me que tenha vindo até cá.
—Parece que não gostaste muito.
— Sim... não se trata de pessoa a quem estime muito. Mas eu despachá-lo-ei depressa. Perdoa-me por uns minutos.
Saiu ao encontro do tal Gregory e estendeu-lhe mão:
—Amigo Wasnur! Que surpresa!
—Cálculo — respondeu o visitante em tom irónico.
Próximo, passeavam alguns vaqueiros que lhes dirigiam de vez em quando olhares furtivos.
—Quer entrar?!
— Não. Hoje não. Será outro dia «se as circunstâncias o aconselharem». A tarde está boa, poderemos dar um pequeno passeio.
— Como queira.
Ainda não se haviam afastado muito, quando Gregory abordou a questão.
—Preferi falar consigo a sós, por calcular que a você não convinha que mais alguém ouvisse.
— Sim, claro... Vim aqui para lhe lembrar que me deve seis mil dólares. Você saiu de San Diego prometendo voltar imediatamente com esse dinheiro e bastante mais.
— Era essa a minha ideia, mas as coisas apresentaram-se de modo diferente.
—Acha que as suas dificuldades me interessam alguma coisa? Não seja ingénuo. Preciso de receber esse dinheiro. Se não o fizer, apresentarei ao senhor seu pai o recibo que você, me passou... com a garantia dele.
Aos olhos de Bernard subiu uma nuvem de angústia. Tremiam-lhe os lábios e com dificuldade conseguia respirar.
— Você não fará isso, amigo Wasnur!
— Fá-lo-ei se você não pagar. Seu pai calcula quo esse dinheiro seria para algum dos fantásticos negócios que você inventa, mas eu faço-lhe saber que o destino de tal empréstimo foi para a banca do jogo, como o foi todo o que ele lhe mandava. Tenho que recuperar o meu dinheiro, dê lá por onde der.
—Não!
— Sim! Dou-lhe um prazo de vinte e quatro horas.
— É a sua última palavra?
— Não o duvide.
Bernard calou-se e depois fez a seguinte observação:
— Oiça, Wasnur, meu pai não garantiu esse empréstimo. Eu falsifiquei a sua assinatura, visto que você não me dava o dinheiro sem ela.
Os olhos de Gregory refulgiram sinistros. Bernard, pelo sim pelo não, agarrou o revólver com a mão direita, e continuou:
— Se me descobrir, sucederão duas coisas, qual delas a pior: ou o velho se nega a pagar, perdendo você o seu dinheiro ou eu, posto fora de casa por meu pai, me vejo na impossibilidade de lhe pagar também.
— Batterby... Não respondo por mim se este desejo de o matar se vir realizado...
— Acredito, mas aconselho-o a que não tente. Embora você maneje bem o revólver, eu não sou parvo de todo, bem o sabe. Além disso, você era chamado à responsabilidade, pois viram-nos sair juntos e ninguém duvidaria de que o assassino era você. Esperava-o já sabe o quê... Se for eu a matar... bem se for eu não haverá mais explicações. De qualquer maneira você tem a «pele» em perigo, e esta sempre vale mais do que o dinheiro. Em compensação, se você for simpático, sensato e me der facilidades recuperará o seu dinheiro e conservará intacta a sua preciosa «pele».
Bernard tinha encontrado o seu ambiente próprio. Conseguira dominar-se, refrear os nervos e, embora a situação fosse difícil, gozava com a derrota do inimigo.
— Reconheço que você sabe enfrentar os problemas, —murmurou Wasnur — mas ignora uma coisa: é que eu não hesito nunca em arriscar o dinheiro e... a vida. O panorama que me descreveu não é nada bonito, mas talvez me agradasse acima de tudo vê-lo agonizante e retorcendo-se com dores ou, no melhor dos casos, condenado à miséria pelo seu progenitor.
Bernard teve um calafrio. Wasnur era temível, verdadeiramente temível. E não duvidava de que era certo o que ele dizia. O homem acrescentou ainda:
— Vou, no entanto, demonstrar-lhe que possuo também essa sensatez a que se referiu há pouco. Sempre é preferível resolver as coisas a bem. Amplio o prazo para oito dias. Durante este espaço de tempo, veja se arranja maneira de me pagar. Logo que expire o prazo, direi tudo a seu pai, suceda o que suceder.
Batterby respirou fundo. Não tinha conseguido muito, A ideia de roubar o dinheiro do cofre voltou ao seu espírito. A chegada de Nell tinha-o feita esquecer que precisava de dinheiro, mas agora tal necessidade redobrava de força.
— Está bem — disse. — Aviso-o duma coisa que lhe interessa, ou melhor vou contar-lhe o que se passa: o meu pai, infelizmente, não durará muito tempo e, por conseguinte, dentro em breve serei herdeiro único de todas as suas propriedades. E.., se não fosse um homem que constitui único obstáculo às minhas pretensões, não precisava de estar à espera que meu pai morresse para ter dinheiro às mãos cheias.
— A quem se refere você?
Bernard contou mais uma vez, a situação que o «intruso» lhe havia criado.
— Isso é muito interessante -- comentou Gregory.
— Acha que sim? Pois claro. Você diz então que se esse tal Grunder desaparecesse do número dos vivos, desapareceriam também as dificuldades?
— Estou certo disso!
— Bem. Vou pensar no assunto. De vez em quando dá-me para acabar com os estorvos que aparecem no caminho dos meus clientes.
Uma onda de excitação subiu ao rosto de Bernard. Pôs ambas as mãos nos ombros do seu companheiro e exclamou:
— Se você fizesse isso, Wasnur!... Se você fizesse o que diz, enquanto fosse eu o dono do rancho «Branco» teria sempre à sua disposição a minha bolsa.
— É possível. Não cai a oferta em saco roto. Tenho motivos para não me fiar muito nas suas promessas, mas você também sabe que não desisto de obter todos os direitos adquiridos. Medirei a questão como deve de ser. Posso quase assegurar-lhe que, com vistas ao futuro, farei desaparecer o indivíduo; mas isso nada tem que ver com o caso de agora. O primeiro é o primeiro. Oito dias, não esqueça. Se você cumprir, eu cumprirei também. Antes de tudo, pague-me. E logo que a conta esteja saldada, dedicarei a minha atenção a. esse segundo negócio. E agora, boas tardes. Procure por mim antes de terminarem os oito dias. De contrário virei eu à sua procura.
Dito isto afastou-se entrando no arvoredo próximo. Bernard, ao ficar só, rangeu os dentes. O rosto contraído tinha um não sei quê de terrível e de repugnante, espelho fiel do que ia na sua alma perversa e sem escrúpulos. Os olhos faiscavam de ódio e de maldade incontida. Assim permaneceu por uns momentos, imóvel e transfigurado, até que, um ligeiro quebrar de — e gritou:
—Marcus!
— Olá, Bernard — murmurou o vaqueiro, levantando-se.
— Que fazes aqui?
— Reconheci de longe o Wasnur e como sei que ele não é boa peça, decidi aproximar-me não fosses tu precisar da minha ajuda.
— Da tua ajuda? E... para quê, podes dizer-me?
— Homem... Todos nós podemos ser úteis uns aos outros.
— Não me venhas com mentiras, estúpida criatura. Estiveste a espiar-me.
Avançou terrível e ameaçador. Marcus cheio de medo estendeu as mãos suplicando:
Acredita que não ouvi nada, absolutamente nada do que vocês falaram. Que interesse podia eu ter nisso? Enganas-te, Bernard.
Mas este não o deixou concluir. Agarrou-o pelos braços e sacudiu-o brutalmente. Depois, como se isso fosse pouco, atirou-o ao chão co um soco o desatou aos pontapés em quem mal podia defender-se.
De súbito sentiu-se agarrado e atirado com força contra um monte de terra. Diante dele encontrava-se Jerry.
— Chamei-te cobarde ainda não há muito tempo e repito-o hoje. És o ser mais perverso que tenho conhecido até hoje.
Cego de raiva e espumando pela boca atirou-se a Jerry com fúria. Este recebeu bem o golpe e dum soco fê-lo sangrar abundantemente do sobrolho esquerdo. Ainda mais furioso o canalha redobrou de forças, mas Grunder, sempre calmo, resolveu castigar bem quem tanto o merecia e aceitou a luta a pé firme. O sangue cobria o rosto de Bernard, dando-lhe um aspeto impressionante.
— Animal! — gritou uma voz próximo deles.
Jerry reconheceu que era Nell e disse sem a olhar:
— Aconselhe ao seu bem-amado que se retire.
— Retirar-me, eu? — rugiu Batterby.
E empregou-se a fundo como nunca. Jerry resolveu então dar por findo o encontro e com um punho fortíssimo aplicado aos maxilares do antagonista, derrubou-o pesadamente no solo. Voltou-se para a rapariga:
— Ele assim o quis.
Os olhos de Nell brilhavam como pedras preciosas, demonstrando a sua ira e admiração ao mesmo tempo.
— Você é um monstro, um desagradecido! Atrever-se a tratar assim o seu patrão!
— Eu não tenho patrão, minha senhora.
—Rebelde! Bruto!
— Bom, bom, basta de insultos. Cale-se se não quer que lhe dê uns açoites.
— A mim? Uns açoites a mim?
Excitada e nervosa, a jovem não pensou no que ia fazer e deu uma bofetada em cheio na cara do capataz que, sem perder tempo, lhe respondeu de igual modo, tendo embora o cuidado de não a magoar. Nell estupefacta, recuou uns passos.
— Bateu-me! É verdade! Lá por ser mulher pensa que tem o direito de bater também? Isso talvez suceda com os da sua classe.
— Mas... eu sou um animal e os animais costumam responder de igual modo ao trato que lhes dão. Aprenda esta lição e não a esqueça nunca.
Procurou Marcus, mas este já se tinha afastado. Nell, de olhos muito abertos, olhava-o como se se tratasse de um ser inconcebível, irreal. Viu-o afastar-se a largos passos e perder-se ao longe. Acariciando a face dorida, repetiu para consigo:
— Bateu-me!
E as lágrimas saltaram, amargas e abundantes, lagrimas que ela não sabia explicar porque, se por um lado sentia fortes desejos de castigar o bruto, por outro receava que o sentimento que lhe despertava o coração fosse algo mais do que simpatia ou admiração pelo capataz.
Um suspiro de dor fê-la recordar Batterby que se encontrava por terra sem sentidos. Aproximou-se e limpou o sangue da cara de Bernard.
—Nell...
— Sim, sou eu. Sentes-te muito mal?
— Não, não...
— Deixa limpar-te o sangue. Oh, não para de sair!
— Isto não tem importância. Dá-me o lenço.
Levantou-se corajosamente. Tinha a sensação de que se encontrava com uma bebedeira grande.
— Vamos, eu ajudo-te.
— Sim... obrigado. Ouve, Nell, como é que te encontras aqui?
— Não me ouviste gritar? Fiquei inquieta com a tua demora e decidi procurar-te. Quando cheguei, lutavas tu com Grunder...
— Grunder!... Tenho, que matá-lo!
Nell estremeceu. Aquela afirmação surda e rancorosa, mostrando o ódio intenso que ele nutria por Jerry obrigou-a a não contar o procedimento grosseiro do capataz para com ela. Receou que Bernard ficasse mais furioso ainda e aumentasse a ideia de morte que lhe invadia o espírito.
— Põe de parte essa ideia. Lutaram e ele venceu, mas tu demonstraste força e coragem. Nada de mortes. Se o fizeres à traição, eu desprezar-te-ei; se o tentares cara a cara corres o risco de cair tu e eu não quero ficar sem ti.
— É possível, mas não é certo.
— Ouve-me, Bernard procura esquecer este incidente.
— Esquecer! Estás doida!
Nell inventou quantos argumentos achou adequado, até que obteve de Bernard a promessa — falsa claro está — de que renunciaria à violência.
Regressaram juntos ao rancho, mas ele achou por bem entrar pelas traseiras do edifício para que não dessem pelo seu estado. Nell entrou no quarto e de novo lhe vieram à ideia mil e um pensamentos que a estonteavam e quase a enlouqueciam. Perdeu a noção do tempo. De repente abriu-se a porta e entrou Fanny, apressada e resplandecendo satisfação e entusiasmo.
— Foi magnífico, magnífico e magnífico!
— Que dizes? A que te referes?
— Ora, não te faças de novas! A que me refiro? À luta desse... desse...! bom, não me lembro como se chama; sempre tenho uma embirração com o nome dele! do capataz com a teu noivo. Aí que homem, que homem e que homem! E.… não sabes o melhor? Pois o melhor é que socou o Bernard para defender o Billy, digo o Evans; não, não, o Monty; quer dizer... Entendes. mulher; refiro-me a esse muito esquisito. Sim; o teu futuro esposo andou aos pontapés a esse infeliz e James, digo Jerry, — oh, até que enfim dei com o nome —pois o Jerry deitou-se a ele e sacudiu-o com força. Oh, como eu gozei! Passeava por ali próximo, casualmente. Sou uma grande amazona. Claro que a montada que puseram ao meu serviço tem mais anos que o meu avô é terrivelmente estúpido. Se me apetece ir por um lado, afia logo pelo lado contrário. Mas... que dizia eu? Ah, sim, já me lembro. Apeteceu-me aplaudir. Chegaste tu e tudo mudou. Mudou? Não; parece-me que se tornou ainda mais interessante. Bateste-lhe, verdade que lhe bateste, não é? «Pobre Joe!», pensei. — Mas ele devolveu-te it bofetada. Mereceste-a, rapariga. Reparei que ele não te magoou, mas apenas te fez uma meiguice. De qualquer maneira, eu ainda quis acudir em teu auxílio. Sim, sim! A égua disse que o caminho não era aquele e levou-me sempre em frente. Até agora não consegui convencê-la a guiar-me até aqui. Falara sem deixar que a interrompessem, sentou-se, levantou-se, passeou pelo quarto.
— Dize-me, mãe — murmurou Nell aproximando-se da pitoresca senhora — é verdade que o homem que bate a uma mulher é um cobarde e um canalha?
— Sim... claro...; mas isso é referindo-se a qualquer outro e não ao simpático Jerry. Além disso... maior cobardia é a da mulher que, lá por pertencer ao sexo fraco, esbofeteia um homem.
— Então... achas que eu não devo odiar Jerry?
— Ai, filha! Tu que me fazes essa pergunta... Hum! Parece-me que esse capataz te parece tão interessante ou mais do que a mim... Tem cautela, rapariga, tem cautela. Pensa que quem herdará do pai Alan é o teu noivo e que esse pequeno pormenor tem mais importância do que todo o resto.
Nell protestou ainda:
— Que pensas tu? Crês que eu perdi o juízo?
— Não me surpreenderia. Eu não o tenho muito firme e de tal sorte... Enfim, mais vale que eu me engane.
A rapariga acabou por sorrir e beijar muitas vezes a que lhe havia dado o ser. Entretanto, Grunder já tinha contado a Alan o que sucedera e terminava dizendo:
— O padrinho compreenderá facilmente que tendo eu proibido as lutas, devo aplicar a mim próprio o castigo justo e merecido. Por isso, devo despedir-me imediatamente.
O velho passou a mão pela barba antes de responder:
— Em primeiro lugar, autorizei-te a que batesses em Bernard sempre que ele o merecesse; em segundo, creia que não se perdeu nada com essa lição que lhe deste; e em terceiro, a tua ordem não foi desobedecida, porquanto meu filho não faz parte do pessoal que está de baixo do teu mando e é a esse que afeta a proibição.
— Mas...
— Não se fala mais no assunto,
Deu uma palmada nas costas de Jerry e saiu levando aos lábios um dedo, como a impor-lhe silêncio.
Grunder encolheu os ombros, saiu para o terreiro e começou a afastar-se, todo entregue aos seus pensa-mentos. A noite caíra de todo e a lua, límpida e bonita, derramada sobre a terra o seu luar de prata. Um mexer de erva fez com que Jerry se detivesse a observar. Whitted estava na sua frente.
— Donde saiu, você? Anda de noite como se fosse um fantasma.
—Pode ser que o seja. As vezes chego a não ter dúvidas nenhumas. Pois eu andei a rondar por estes sítios à espera que você desse o seu passeio habitual.
— Não voltou ao rancho?
— Não. Estive a curar-me junto ao rio. Depois deitei-me um bocado para pensar melhor nisto tudo. É como se pensa melhor. Pelo menos comigo, sucede assim. Bem: quero agradecer o que fez comigo e corresponder ao seu gesto nobre e justiceiro.
—Não me agradeça. Cumpri um dever de humanidade.
— Mas eu considero-me seu devedor, e sempre lhe hei de dever este favor. Que coisa! Nunca senti em mim o sentimento de gratidão e apesar de tudo não sei o que se passa comigo. Bom... eu sei o que se passa. Passa-se que você é a única pessoa que me tem tratado como a um homem de verdade. Escute: Bernard bateu-me porque me surpreendeu a espiá-lo. Eu neguei, mas é verdade que o espiava. Entre os meus muitos defeitos figura o da curiosidade em demasia. Gosto de saber aquilo que não me interessa nem diz respeito.
— Pois a mim, não.
Jerry fez menção de se afastar, mas Marcus opôs-se:
— O que vou dizer-lhe interessa-lhe muito. Ouça-me, peço-lhe. Esta tarde chegou ao rancho Gregory Wasnur. Você não o conhece, mas eu já lhe digo quem é. Trata-se dum famoso pistoleiro de San Diego sobre cuja cabeça pesam já várias mortes. Afastou-se com Bernard e eu segui-os. Vinha ele reclamar ao «meu amigo» alguns milhares de dólares que este lhe deve, concedendo-lhe apenas oito dias para liquidar a dívida. Até aqui pode ser que não lhe interesse, mas...
Deteve-se para acender um cigarro. Jerry ouvia-o atento. Se lhe interessava a conversa! Marcus continuou:
— O que disseram depois tem mais importância: Gregory, atendendo a urna proposta de Bernard, comprometeu-se quase a matá-lo. Eis tudo. Assim, estando mais prevenido, será difícil que ele consiga o seu propósito.
Começou a andar. Grunder agarrou-o:
— Um momento, Whitted.
— Diga.
— Chegou a minha vez de lhe agradecer.
— Não merece a pena. Também eu cumpri apenas um dever de humanidade e de... gratidão.
— Diga-me outra coisa: depois do que se passou esta tarde, pensa continuar no rancho «Branco»?
— Sim, é esse o meu desejo. Gostaria de continuar o meu jogo com o pau de dois bicos....
--Porque não joga apenas COM um?
— Já estou acostumado a jogar assim!
— Você é um homem raro e estranho.
--- Bem sabe que não.
— Refere-se à minha fealdade?
Encaminharam-se para o edifício. Quando estavam próximo, Marcus propôs:
— Vou à frente. Ganharei mais facilmente a partida se não nos virem juntos.
Sem esperar autorização, alargou o passo. Ao chegar ao portão deu de caras com o jovem Batterby e retrocedeu.
— Que fazes por aqui, sevandija? Afasta-te para longe... ou queres que eu dê cabo de ti?
Humilde e manso, Marcus murmurou:
—Porque me tratas assim? Sabes que sou teu amigo acima de tudo: Hoje deste-me uma sova injusta e eu apesar disso não sinto rancor. Estou disposto a esquecê-la se não me tirares a tua amizade.
Bernard receando que ele tivesse ouvido qualquer coisa da conversa que tivera com Gregory resolveu mudar de tom:
— Deixa-te de palavras! Sai daqui, deixa o rancho o mais depressa possível, se não queres que te despeça.
Grunder acabara de aparecer:
— Sou eu quem despede ou admite pessoal no rancho «Branco». Não faça caso deste homem, Marcus, e vá jantar. Interessa-me o seu trabalho e, portanto, você fica.
Bernard ficara paralisado. A ira não o deixava falar. Viu aparecer à porta o velho Alan e dirigiu-se a ele:
—Pai, quero que despeças Marcus Whitted. A única razão que me levou a metê-lo cá foi a nossa amizade pessoal. Essa amizade acabou. Detesto-o! É um mentiroso, um caluniador, um inútil. Sabemos bem que não serve para nada.
Calmo, muito calmo, o velho perguntou:
— Se tem todos esses defeitos, porque o trouxeste então?
— Não o conhecia ainda bem. Voltou-se o ancião para Jerry.
— Que te parece?
— Considero Whitted um elemento útil e interessa-me que continue na fazenda.
— Ouviste filho!
—Mas, pai!
— A coisa não é da minha competência! O capataz acha que ele deve ficar e acabam-se as discussões.
Bernard, mordendo os lábios, deu meia-volta e afastou-se correndo, enquanto Marcus se dirigia para a cozinha. Alan a sós com Grunder, quis saber.
— Achas, efetivamente, que Whitted é útil ao rancho? Digo isto, porque se o não é, seria bom que aproveitasses a primeira ocasião para o despedir. No meio disto tudo, sempre temos que dar alguma satisfação a Bernard.
— Padrinho: presenciei o encontro entre o seu filho e Marcus e vi que o culpado de tudo foi Bernard. Marcus não dera motivos para que ele o maltratasse daquela maneira. Além disso, este rapaz está a demonstrar um interesse grande pela fazenda e merece só por isso o seu soldo. Chegou aqui feito um mesquinho e um sem-valor e está um homem. Conhece-me bem o padrinho para ver que não me anima o desejo de desgostar Bernard e muito menos de o humilhar. Estou muito acima dessas ninharias.
— Basta rapaz. Tu mandas.
Sem comentários:
Enviar um comentário