Quando Erik Kelly compreendeu que havia sido uma imprudência revelar a Dave o que se propunha fazer, era já demasiado tarde. Muito antes de chegar ao arvoredo da quinta teve a certeza de que o seguiam. Prestes a entrar no largo túnel formado pelas árvores da avenida central, teve medo e deu ordem ao cocheiro para que se detivesse.
Nos breves momentos em que esteve parado, teve a sensação de que uma infinidade de olhos o espiavam.
Deu ordem de voltar a fim de empreender a marcha por um caminho transversal, que, depois de um largo desvio à beira do bosque, também conduzia a casa. Se já não tivesse a convicção de que o seguiam, agora tê-lo-ia podido comprovar, pois, mal tomou o novo caminho, vários cavaleiros surgiram do meio dos rochedos e lançaram-se em grupo atrás do carro. Logo se ouviram tiros.
Subitamente, viu que o cocheiro desaparecia, num salto desastroso para o chão, e que os cavalos, à rédea solta, prosseguiam, cada vez a maior velocidade, fustigados pelos estampidos.
Havia já uns momentos que Erik Kelly sentia uma queimadura na espádua, ao mesmo tempo que a luz decrescia e a paisagem perdia os seus contornos. Mas foi questão de segundos. Tudo voltou a adquirir o seu aspeto normal, apenas ficou um fio quente a escorregar na espádua. Saltou à boleia, tomou as rédeas e tentou dominar os cavalos com a voz. Mas não saiu o menor som. A paisagem começou outra vez a esfumar-se. De chofre percebeu que alguém, cavalgando à beira do carro, lhe gritava:
— Deixe-se cair no fundo do carro!...
Entreviu a silhueta do cavaleiro, que de vez em quando se voltava a disparar para trás. Erik, oscilando no assento, como se estivesse embriagado, sustinha as rédeas e observava o cavaleiro que lhe tinha falado. Por um brevíssimo instante, conseguiu fixar a imagem daquele rosto.
— Dicky... — murmurou.
Nesse momento o cavaleiro saltava à boleia e empurrava Erik para o interior do caro. Era Dicky Root, efetivamente. Mal tomou as rédeas obrigou, os cavalos a saírem do caminho. O carro avançou aos tombos até que parou de repente.
Dicky saltou do veículo e trepou a uma das rochas que os rodeavam. Os três cavaleiros que perseguiam o carro detiveram-se, receosos. Aguardou, de revólver em punho, que eles se aproximassem. Só um se decidiu a avançar. Fê-lo com cautela, espiando o cume de todos os rochedos.
Dicky pôs-se de pé. O adversário apontou rapidamente o revólver naquela direção, e Dicky mal pôde ver-lhe a cara, pois quase no mesmo segundo em que apertava o gatilho o rosto do seu agressor cobriu-se de sangue.
Outro cavaleiro inclinara-se sobre a montada, muito ágil, disparando com as duas mãos. Root ouviu à sua volta uns silvos fugazes, mas não se mexeu, firmando a pontaria para não dar no cavalo. Quando se decidiu a premir o gatilho, o resultado foi instantâneo. O indivíduo, que se inclinara sobre o animal, defendendo-se com a cabeça do cavalo, ergueu-se de braços no ar, e, ao mesmo tempo que soltava um grito, dobrava--se de costas sobre a garupa, caía por terra.
O terceiro cavaleiro surgiu a distância, indeciso.
De súbito, outros cavaleiros irromperam ao longe pelo meio das árvores. O foragido voltou a olhar naquela direção. Longe de lhe agradar os que se aproximavam encheram-no de pavor, pois cravou brutalmente as esporas nas ilhargas do cavalo, que arrancou emitindo ferozes relinchos.
A frente dos que se aproximavam, vinha Grotto. Quando este chegou perto do carro, encontrou Dicky tentando deitar lá dentro o velho Kelly. Enquanto durou o alojamento do ferido, todos os cavaleiros, à exceção de Grotto, permaneceram um pouco afastados, vigiando todos os recantos daquela abrupta paragem.
Esta circunstância permitiu que somente Dicky e Grotto pudessem ouvir uma confidência, que transcendeu na verdade a missão que os ocupava. Petróleo! Esta palavra pronunciou-a várias vezes Erik Kelly. E o nome da sobrinha... E o de Dave. Era uma mistura absurda, mas bem depressa, pela insistência com que soou, uma só palavra ficou em primeiro plano, deslumbrante e dominando tudo...
— Está claro! — exclamou Grotto, quase sem voz, os olhos brilhantes de cobiça. — Petróleo! Aí está a explicação do mistério!...
— Sim... — balbuciou Dicky, sorrindo.
Sorria pela satisfação que lhe causava o poder verificar que as suas deduções haviam falhado apenas num mínimo. Durante o tempo que permaneceu na quinta, tinha pressentido que todos aqueles estranhos caminhos que conduziam ao cimo do monte, e os jardins no interior dos bosques serviam apenas para despistar. Ali se procedia a escavações para estudar o terreno. Naquela tarde, Dicky chegara à conclusão ele que os autores da manobra tinham descoberto algum jazigo de ouro... Ao decidir apresentar-se com Hazel, teve a certeza de que todos os interessados no assunto acudiriam, e que a própria ambição os lançaria uns contra os outros...
— Foi mais fácil e mais rápido do que eu esperava — comentou Dicky. — Voltemos a casa.
Erik Kelly respirava ainda. Grotto sentou-se na boleia. Empreendeu o regresso por um dos caminhos que cruzavam o bosque contíguo. Deste modo, Kelly pôde ver um daqueles jardins que tantos comentários provocavam a quantos os conheciam. Era tal a quantidade de flores, que antes mesmo de se entrar no bosque já se sentia o seu perfume.
O carro foi avançando devagar, seguido pelos cavaleiros. Aquele jardim tinha um tanque e o cascalhar dos cavalos não conseguiu amortecer o coaxar das rãs. Erik Kelly reanimou-se um pouco ao atravessar o jardim. Parecia absorver tudo o que via. Depois caiu num desmaio profundo. Ao sair do arvoredo, divisaram a casa.
— Grotto — disse Dicky. — Jura... que não dirás a ninguém o que ouviste!
Grotto sorriu.
— Compreendo, Dicky!
— Talvez não tenhas compreendido... Refiro--me principalmente a Hazel. Ela deverá ignorar que nós sabemos o que a terra contém.
Grotto, antes de o fitar com estranheza, fez um gesto de desgosto.
—Dicky, eu pensava... que ajudarias essa rapariga...
—E vou fazê-lo. Quero que a hipoteca fique sem efeito.
Grotto, agora, olhou-o com assombro.
— Queres dizer... que vais oferecer-lha?...
— Não ofereço nada. A hipoteca sobre esta quinta não menciona o petróleo. Hazel dispõe ainda de dois dias para liquidar essa dívida.
A rapariga aguardava-os no pórtico. Os tiros deviam ter-se ouvido ali, pois Jimmy e os outros homens permaneciam em volta do edifício, de armas em punho. Ao reconhecer o carro, Hazel correu ao seu encontro.
Momentos depois, entre dois criados da casa, Erik foi levado para o quarto. Dicky ordenou que três homens fossem à cidade à procura dum médico. Já era muito tarde, e eles sem regressarem, quando Erik expirou. Um velho jardineiro encarregara-se dos primeiros socorros.
Durante o tratamento, Dicky esteve com Hazel. Contou-lhe pormenorizadamente o acontecido; depois, guardou silêncio. O rosto da jovem ia refletindo as mudanças que se produziam no seu ânimo.
—Pobre tio Erik! — ouviu-a suspirar, sem nenhum rancor ao moribundo.
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