— Não compreendo — disse ela. — Então não vamos fazer nada?
— Esperar. Parece-lhe pouco?
— Esperar o quê?
— Que as fúrias à solta se concentrem aqui.
Ao dizê-lo, Dicky pensava em Hutchinson e Romelle; no tio de Hazel e em Dave. A este havia-o deixado à solta, e Jimmy encontrava-se na quinta. Claro que Dicky, antes de partir, havia tido o cuidado de carregar com a documentação mais importante que se encontrava no cofre forte.
— A única coisa que devemos fazer é procedermos sempre de acordo. Pelo menos, que os outros se convençam disso... Parece-lhe difícil? — perguntou, risonho.
Hazel, sem saber porquê, começou a sentir-se desesperada.
— Não sei. Há qualquer coisa no senhor que me irrita.
— A culpa não é minha. O defeito é seu. Esqueça o que me ouviu dizer a Dave. Refiro-me a que lhe roubaria a noiva... A senhora é suficientemente bonita para saber que qualquer homem perderá a cabeça por si, e, sem dar por isso, nasceu-lhe o desejo de castigar a minha arrogância... Pois bem. Esqueça-se. Parta do princípio de que eu não disse nada. A senhora, quando se esquece de fascinar alguém, torna-se bastante suportável. Quando se julgava sozinha no bosque, e a surpreendi a fumar, pareceu-me encantadora... Porte-se agora da mesma forma. Considere-se sozinha. Se há em mim qualquer coisa que lhe desagrade, diga-o e eu a evitarei.
Ela fitava-o atónita. Notava que ia perdendo a segurança recobrada no dia anterior. Sentia-se outra vez diminuída como quando o tio a mantinha subjugada.
— Julgo que no senhor me desagrada em tudo! — olhou-o por cima do ombro e foi-se embora.
Vestia uma saia larga e uma blusa bastante justa. Propositadamente, renunciara no último instante a vestir o fato masculino de montar. Fizera a viagem de carro, protegida por Dicky e pelos homens armados que o acompanhavam. Fechou-se numa sala e até ao entardecer não saiu.
Encontrou Dicky no átrio da fachada principal, sentado em frente de Grotto e Jimmy, o coxo. Vendo-o acompanhado, reprimiu o que tencionava dizer-lhe e forçou um sorriso. Dicky, antes de a informar com a maior naturalidade que tudo ia na mesma, convidou-a a sentar-se.
— Preciso de falar consigo — disse ela secamente.
Dicky levantou-se e seguiu Hazel ao interior dá casa. Na sala contígua ao vestíbulo, ela estacou de repente. O seu rosto endureceu.
— Sabe que isto tem todo o aspeto duma armadilha? — disse asperamente.
— E é uma armadilha! — respondeu Dicky.
Mas, compreendendo que ela interpretava mal as suas palavras, apressou-se a esclarecer:
— Entendamo-nos: uma armadilha para os outros, não para a senhora! Porque não segue o meu conselho?
— Que conselho? — perguntou ela, tremendo de cólera.
— Que se esqueça de fascinar alguém... e a mim menos do que a ninguém. Inclusivamente, esqueça-se de que é uma rapariga. Eu nem sequer penso nisso... Vai um cigarro, «sócio»?
— Eu, sócia do senhor?! — gritou Hazel.
— Sim, nesta empresa. Visamos os dois o mesmo fim: saber o que se oculta por detrás de tudo isto.
— Tirara dois cigarros do masso e oferecera--lhe um. — Quer lume?
Aproximou o fósforo. O cigarro tremia nas mãos dela. Mas acendeu.
— A senhora está muito nervosa. Excita-se com demasiada facilidade... Isso é mau.
O pulso de Dicky, ao contrário, não podia estar mais calmo. Isto desesperava Hazel. Durante uns segundos havia acalentado a esperança de que ele começasse a perder o domínio de si mesmo.
No momento em que acendia o cigarro que ela sustinha nos lábios... Através das longas pestanas, havia observado o rosto de Dicky. Viu que o olhar dele se detinha na sua boca, depois no seu colo... «Está a comparar-me com ela... Pudesse eu mais do que ela!...», — pensou Hazel nos breves segundos em que julgou sentir a respiração de fogo do jovem...
Mas Dicky voltou-se de lado, e, tranquilamente, acendeu por sua vez o cigarro, sem que a chama do fósforo denunciasse o mais leve tremor. Hazel mordeu os lábios antes de dizer:
— Estou rodeada de inimigos!...
Chegou de longe um assobio prolongado. Dicky que permanecia diante da varanda, sorriu satisfeito.
— Bem, começam a chegar...
— Quem?
— Não sei. Espero vários «amigos». Não saia daqui.
Saiu. Fora, encontrou Grotto e Jimmy, atrás das colunas do pórtico, cada um empunhando o seu revólver. Dicky demorou-se a vigiar o caminho central que cruzava o vasto jardim em volta da casa. De súbito, apareceu um cavaleiro.
— É Lucas! — anunciou Grotto, saindo de detrás da coluna. — Vinha aí um carro! Ia a entrar no arvoredo, mas parou. Em seguida deu a volta como se receasse alguma coisa.
— Talvez os tenham visto — admitiu Dicky. — Não. Não podiam ver-nos. Parece que era o velho Kelly.
Ao fundo da escadaria encontravam-se três cavalos. Dicky indicou a Grotto que se dispusesse a partir. Ele também iria.
— Tu ficas — disse a Jimmy. -- Toma conta dela.
A rapariga encontrava-se à porta e ouviu-o.
— Eu não preciso que cuidem de mim! — exclamou, orgulhosa.
Dicky fitou-a trocista.
— Menos nervos, Hazel, já há pouco lho disse — e prevenindo Jimmy: — Não a percas de vista. Imagina que ela é Dave.
Dicky, Grotto e Lucas partiram a galope.
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