sexta-feira, 30 de agosto de 2019

ARZ014.13 Enfim, Tonopah e um médico

Havia já umas horas que atravessavam a pradaria.
Nancy ignorava quantos quilómetros teriam percorrido, mas tinha a certeza de serem muitos. Tonopah não podia já estar longe. Pela centésima vez, olhou para Cliff que, sem despregar os lábios, andava ao passo do cavalo. Da sua posição, a rapariga não podia ver o rosto do jovem, oculto pelas abas largas do chapéu. Admiravam-na a força e a resistência à dor daquele homem. Outro qualquer, com uma bala alojada no corpo, não teria andado mais do que uns metros. Cliff, pelo contrário, vinha a andar havia algumas horas sem proferir um simples queixume.
Nancy olhou para o horizonte, procurando ansiosamente algum sinal que lhe indicasse a proximidade de Tonopah. Precisavam chegar quanto antes, não só pelo perigo que representavam os homens de Hudson, mas para Cliff poder descansar e extrair-lhe a bala.
Inesperadamente, Bobby, que ia sentado adiante dela, fez um movimento brusco, ao mesmo tempo que voltava a cabeça.
— Cliff! Cliff!
Nancy, alarmada, olhou também para trás. A uns metros de distância, Cliff jazia no chão completamente imóvel. Devia ter caído quando a jovem perscrutava o horizonte, sem um gemido.
Nancy deteve o cavalo e apeou-se apressadamente, seguida de Bobby. Ambos correram para o jovem, ajoelhando-se junto dele. Com um grande esforço conseguiram voltá-lo e a rapariga depôs--lhe a cabeça no seu regaço. O jovem tinha os olhos fechados, o semblante muito pálido e respirava com dificuldade. Nancy pôs-lhe a mão na fronte.


— Tem muita febre — murmurou com acento receoso. — O ferimento deve estar infetado.
Bobby olhou para ela, desconcertado.
— Que podemos fazer?
A rapariga contemplava com angústia o rosto de Cliff.
— É preciso levá-lo para Tonopah sem perda de tempo. Uma ferida infetada é muito grave e eu não me atrevo a intervir, porque poderia pô-lo ainda pior. É preciso que intervenha um médico.
Num gesto de desespero, passou a mão pelos cabelos.
— Porque há-de ser tão teimoso este homem? Se ele fizesse caso das minhas palavras e fosse ele quem viesse a cavalo, escusava-se tudo isto. Deus queira que esta sua loucura não tenha consequências fatais.
Olhou para o pequeno com os olhos húmidos.
— Temos de o salvar Bobby, ouves? Temos de o salvar.
O pequeno assentiu:
— Sim, «miss» Nancy, eu ajudo-a. Sou muito amigo de Cliff, sabe? Faria por ele o que fosse preciso.
— Vamos, não podemos entreter-nos mais.
Entre ambos, com um esforço sobre-humano, levantaram o inconsciente Cliff e colocaram-no em cima do cavalo, atravessado sobre a sela. Bobby instalou-se atrás dele com a missão de vigiá-lo e evitar que escorregasse.
Nancy, agarrando as rédeas com a mão, dispôs-se a fazer de guia, percorrendo a pé o resto do caminho. A viagem foi lenta e fatigante, visto que o estado do ferido não lhes permitia acelerar a marcha. A rapariga olhava constantemente para trás como se a sua atenção pudesse aliviar o jovem. Em algumas ocasiões parou para o examinar. Bobby, com os olhos muito abertos, via-a proceder.
— Como está o Cliff, «miss» Nancy?
A rapariga abanava a cabeça desalentada.
— Muito mal. A febre vai aumentando e não recobra os sentidos.
Uma das vezes, depois do rápido exame, nas suas faces rolaram urnas lágrimas. O pequeno compadecido, pôs-lhe a mão no ombro.
— Não chore, menina. Cliff é forte.
A rapariga, que chegara ao limite da sua resistência, deixou escapar um soluço.
— Tenho medo, Bobby, não o posso evitar. Se ele morresse...
Bobby estava muito contristado.
— Quer-lhe muito, «miss» Nancy?
A rapariga mordeu o lábio inferior e ficou calada uns segundos. Depois secou as lágrimas com a mão e pegou de novo nas rédeas.
— Será melhor continuar para a frente.
Quando chegaram a Tonopah era já de noite. Algumas pessoas viram com assombro a chegada da estranha comitiva. Mas quem recebeu, entre todos, a maior surpresa, foi sem dúvida alguma o xerife quando viu aparecer em frente da sua casa Nancy com as roupas em desordem, os cabelos revoltos e uma expressão de ansiedade no rosto macerado pela fadiga, trazendo à rédea um cavalo, no qual vinha montado o pequeno Bobby e o corpo inanimado de Cliff.
— Que é isso, Nancy? Que lhes aconteceu?
Aproximou-se do jovem e, depois de o olhar rapidamente, voltou-se de novo para a rapariga.
— Que aconteceu a Werfel?
— Não me faça mais perguntas, xerife. Depois lhe contarei tudo. Agora, é preciso atender a... a Werfel. Está muito ferido; uma bala infetada.
Wilkes fez sinal a uns indivíduos que faziam parte do grupo de curiosos.
— Vocês dois, ajudem-me a trazê-lo para casa.
Enquanto os três transportavam o corpo de Cliff, o xerife chamou outro dos curiosos.
— Tu, Sam, vai procurar o Dr. Graham. Diz-lhe que venha imediatamente.
Ao ver que Wickes assentia, a rapariga deitou a correr e dirigiu-se para o quarto e arranjou a cama. Quando entraram com o corpo do jovem, puderam deitá-lo imediatamente.
— Agora ponham-se a andar e deixem-nos sós; não quero aqui curiosos — ordenou o xerife aos que o ajudaram.
Quando se foram embora, Wickes olhou para Cliff, para a rapariga e para o pequenito.
— Parece esgotada, Nancy. Seria melhor ir-se embora para descansar. E tu também, Bobby.
A rapariga abanou a cabeça.
— Estou bem. Esperarei pelo médico.
— Eu também fico — garantiu o pequenito em tom resoluto.
Momentos depois entrava no quarto o doutor Graham, homem já velho, de cabelos brancos e um pouco curvado. Depois de cumprimentar com um simples movimento de cabeça, aproximou-se do ferido e examinou-o cuidadosamente tomando-lhe a temperatura.
— É preciso extrair a bala imediatamente e desinfetar a ferida — murmurou com ar preocupado, enquanto abria a sua maleta de urgência. — Preciso água fervida, em abundância.
— Vou eu mesma tratar disso — disse Nancy.
Mas antes de se dirigir para a porta, olhou para o médico, com uns olhos brilhantes de profundo receio.
— Doutor, poderá salvá-lo?
Graham franziu as sobrancelhas. Farei quanto esteja nas minhas mãos. A rapariga humedeceu os lábios secos.
— Então, não tem a certeza?
O outro desviou o olhar e fez um gesto de dúvida. –
--- A infeção é muito grande, compreende? Além disso, esse rapaz está com uma febre altíssima, decorreram muitas horas desde que recebeu a bala... Todavia, não há que perder a esperança.
A rapariga ficou mergulhada num mar de confusões. Foi preciso que o médico lhe recordasse:
— Por favor, menina, preciso da água fervida.
Saiu do aposento aos tombos e dirigiu-se para a cozinha. Uma vez ali, como num sonho pôs uns recipientes no lume e esperou com a alma suspensa. As palavras deixaram-na desconcertada, metendo-lhe na alma o frio do pânico.
Quando a água ferveu, regressou ao quarto. Cliff, que não recobrara os sentidos, jazia no leito com o torso. nu, enquanto Graham, em mangas de camisa, dispunha as suas coisas com a ajuda do xerife. Bobby desaparecera, talvez porque Wickes ordenou que o levassem para a escola.
O médico voltou-se para Nancy:
— Ponha o recipiente sobre a mesa, por favor. Menina Brent, o xerife disse-me que tem muita prática do tratamento de feridos. Eu preciso que alguém me ajude, mas se está muito fatigada, diga-mo francamente e recorrerei a outra pessoa, ao próprio Wickes, por exemplo.
— Conte comigo, doutor — respondeu a rapariga, com decisão.
— De acordo. Então, mãos à obra.
Com a ajuda da rapariga, Graham começou a tratar de Cliff. A tarefa de extrair-lhe a bala foi lenta e laboriosa, porque a inflamação do ombro requeria grandes precauções. Todavia, ao cabo de vários minutos, a sonda conseguiu localizar o pedaço de chumbo e tirá-lo da carne lacerada.
O médico procedeu então a uma rigorosa desinfeção da ferida e de toda a zona infetada, assegurando-se de que realizava o seu trabalho como convinha. Quando terminou, a própria Nancy se encarregou das ligaduras.
— Bom, agora é preciso deixá-lo descansar — disse o médico, enquanto guardava os seus apetrechos na maleta. — Procurem que não lhe falte a vigilância nem um momento. Em cima da mesa de cabeceira deixei um calmante, para lhe ser ministrado em caso de necessidade; mas se virem que alguma coisa não segue bem, avisem-me imediatamente.
Quando o médico partiu, Wickes olhou pensativo para a rapariga.
— Nancy, será melhor que nós esperemos ali naquela saleta. De vez em quando viremos ver Werfel e, entretanto, conte-me o que lhes aconteceu.

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