quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

CLF023.11 O trabalho no rancho pôe uma jovem em perigo

Quando chegaram ao rancho, encontraram Russ a arranjar o celeiro. Estava em mangas de camisa e empapado em suor.
— Olá — saudou John. — Como vai isso?
Russ ficou a olhar para as reses, que os dois vaqueiros faziam entrar na nova vedação e fez um gesto de aborrecimento.  
— Como queres que esteja? Farto de trabalhar, até à ponta dos cabelos! Doem-me os ossos, sinto-me cansado e começo a ter sintomas de asfixia.
John deitou a cabeça para trás e começou a rir às gargalhadas.
— Não te rias! — exclamou Russ furioso. — O trabalho faz-me mal. É como um veneno para mim. E, com estas novas reses, ainda nos cansaremos mais. Asseguro-te, John, que esta tua ideia me vai custar a vida.
Deborah teve também de se rir. As opiniões de Russ sobre o trabalho eram cómicas. Apesar que era inegável que juntamente com John tinha realizado em poucos dias um trabalho extraordinário.
O rancho parecia outro. Tinham arranjado o antigo curral, construído outro maior e estavam a reparar o celeiro. Quanto à cabana tinham substituído os troncos que estavam em mau estado, mudado portas e janelas e algumas tábuas do telhado.
Nos momentos em que Russ se queixava do excesso de trabalho, John dava-lhe uma palmada nas costas e dizia:
— Pois enche-te de paciência, rapaz, porque isto é só o princípio.


Quando as reses ficaram encerradas no novo curral e os dois vaqueiros de Strasberg já se tinham ido embora, John esfregou as mãos e disse a Deborah:
—Prepare o ferro. Temos de as marcar.
— Oh, não! — exclamou Russ, desolado. — Marcar tantos animais!
Uma manhã, John, empunhando um machado, estava a esvaziar um grosso tronco de árvore, com o qual pensava fazer um bebedouro para o novo curral. Manejava a ferramenta com desenvoltura e descarregava golpes secos e potentes, que lançavam fragmentos de madeira pelo ar.
Notava como os seus músculos funcionavam com energia e que cada vez estavam mais desenvolvidos e poderosos. Isto enchia-o de satisfação e o seu corpo forte e jovem palpitava com o imenso prazer de se sentir saudável.
De repente, teve a sensação de que alguém o observava. Voltou a cabeça e viu Deborah, que só a um par de metros, o contemplava com estranha fixidez. Ela sorriu, perguntando:
—Que está a olhar?
A rapariga aproximou-se, e levantando a mão, passou suavemente a ponta dos dedos pela cicatriz que o rapaz tinha nas costas.
— A sua ferida está completamente fechada — murmurou.
Ele assentiu.
—Já não me incomoda nada.
—Tem a certeza de que está suficientemente forte para fazer uni trabalho tão esgotante?
John passou o antebraço pela testa suada.
—Nunca me senti tão bem como agora. Felizmente, tenho uma saúde de ferro.
Deborah mordeu o lábio inferior e baixou a cabeça.
—Cada vez que vejo a ferida, não posso evitar de me lembrar que fui eu quem a fez.
—Esqueça-o. Já passou tudo.
Ela negou com obstinação.
— Não posso esquecê-lo. À noite, quando estou só no meu quarto, estremeço de pânico ao pensar que estive quase a causar-lhe a morte. A vida tem estas ironias. O homem a quem feri gravemente, é o mesmo que me está a ajudar no momento mais difícil da minha vida. Cada vez que me lembro, sinto ódio por mim mesma.
 Ao notar a seriedade com que a rapariga falava, ele murmurou:
— Mas não me queria ferir á mim. Foi tudo um engano.
— Mas a verdade é que quase o matei. Poderá perdoar-me algum dia?
Interrompeu-os a chegada de Russ. Vinha sujo dos pés à cabeça e com uma expressão de aborrecimento.
— Ouve, John, passei toda a manhã a cavar para enterrar as estacas onde se vão amarrar reses. Queres dizer-me quando as vamos marcar?
— Amanhã mesmo— disse o rapaz. — De maneira que prepara-te para um dia esgotante.
—Quererás dizer para outro dia esgotante—replicou Russ, com malícia.
—Eu ajudo-os — disse Deborah inesperadamente.
— Você? - perguntou Russ, surpreendido.
— Por que não? Fazia-o quando o meu avô era vivo. Então todos os trabalhos do rancho eram feitos por ele e por mim. Sou capaz de laçar um novilho tão bem como qualquer homem.
John começou a rir.
— Espero que a lição te sirva de alguma coisa, Russ. Não te queixarás de um trabalho que uma mulher pode fazer.
— Gostava de ver — mastigou o outro, entre dentes. — Eu queixo-me por que... por que estou farto.
John pôs-lhe uma mão no ombro.
—Não te preocupes, amigo. Com o tempo farei de ti um bom vaqueiro.
— Ou um estupendo cadáver — resmungou Russ.
No dia seguinte, com as primeiras luzes da manhã, começaram a marcar o gado recém-adquirido. Era, com efeito, um trabalho esgotante, visto que consistia no seguinte: deixavam sair um animal da vedação; então, um deles, montado num cavalo, laçava-o e conduzia-o até uma estaca onde o deixavam solidamente amarrado, enquanto que o outro, que tinha aquecido o ferro ao fogo, se aproximava e aplicava-lhe a marca. Soltavam o animal e traziam outro.
John e Russ alternavam-se nas duas tarefas para que não fosse tão violento e tão monótono. Em pouco tempo, ambos estavam completamente sujos, dos pés à cabeça, visto que o suor tinha formado uma pasta pegajosa com o pó levantado. Russ não cessava de protestar.
— Tenho metido no nariz o cheiro de pelo e coiro queimados. Puff! Isto é insuportável.
Como lhes tinha prometido, Deborah veio ajudá-los. Demonstrou ser muito hábil a laçar novilhos. John e Russ contemplavam-na admirados, enquanto que ela, esporeando o cavalo, se lançava a galope atrás de um animal e, depois de voltear o laço por cima da cabeça, lançava-o para apanhar a rês pelo pescoço, derrubando-a espetacularmente quando o cavalo parava de repente.
Durante toda a manhã estiveram os três ocupados com a marcação dos animais. Eram tantos que teriam de trabalhar todo o dia, sem descansar um momento.
Pelo meio da tarde, estavam já bastante cansados. No entanto, decidiram continuar até ao fim, para assim acabar quanto antes.
No momento em que ocorreu o desastre, John tomava conta do ferro de marcar, e Russ e Deborah eram os encarregados de laçar as reses. Já faltavam poucas. Russ deixou sair uma, e Deborah lançou-se a galope, atrás dela. John viu logo que se tratava do maior e mais forte animal da manada. Um sexto sentido advertiu do perigo, mas não disse nada porque sabia que nada é pior para quem vai laçar do que o gritar-lhe quando se prepara para a manobra.
No entanto, seguiu toda a operação, em sobressalto. Deborah foi-se aproximando cada vez mais do fugitivo, até que, por fim, lançou o laço. Este assobiou pelos ares e foi apertar-se no pescoço da rês. A rapariga parou a sua montada e amarrou a corda fortemente. E então sucedeu o que John temia.
O animal era demasiado vigoroso e pesado para poder ser derrubado por uma mulher. A corda ficou tensa e a rês, enfurecida, deu um puxão seco e violento. Deborah perdeu o equilíbrio e viu-se arrancada da sela, caindo pesadamente no chão, onde ficou atordoada.
— Corra, Deborah, corra! — exclamou John.
A rapariga, desconcertada, olhou em volta. Viu que o animal, mugindo raivosamente e com o focinho junto ao chão, corria para ela, com a intenção de lhe dar uma marrada.
Deborah pôs-se em pé e tentou fugir, mas sentiu uma dor aguda no tornozelo direito que a fez perder novamente o equilíbrio e cair. Horrorizada, compreendeu que não podia andar, e que, portanto, estava a mercê do animal.
Viu que Russ, se aproximava a galope para ajudá-la, mas ainda estava muito longe. E a rês, na sua carga impetuosa, estava já a uma pequena distância. Levou as mãos à boca, convencida que chegara o seu último momento.
Então, John passou à sua frente, como um relâmpago e, dando um enorme salto, caiu sobre a rês. As suas mãos aferraram-se às hastes do animal e deixou-se cair com todo o peso do seu corpo.
O animal, continuou a avançar, durante alguns metros, mas acabou por parar para ver se se conseguia livrar do estorvo que era aquele peso. Entre o homem e o animal principiou uma luta feroz, épica.
Deborah já tinha visto vaqueiros a lutar com novilhos, mas nunca tinha visto ninguém que se atrevesse sozinho contra um animal tão grande e poderoso como aquele. Quase se esqueceu do perigo que corria e do seu tornozelo aleijado, para contemplar, fascinada, o que sucedia à sua frente.
A rês dava violentas sacudidelas e agitava a cabeça para se desprender do homem, ao mesmo tempo que inteiriçava as patas para não perder a estabilidade. John, pelo seu lado, estava a fazer um esforço sobre-humano, um esforço em que entravam em jogo todos os músculos do seu corpo.
As suas mãos seguravam como tenazes as hastes do animal e faziam força para vencer a resistência e torcer-lhe o forte e vigoroso pescoço.
O semblante do rapaz estava contraído pelo esforço. Gotas de suor humedeciam a sua testa e a sua respiração era profunda e agitada. Era tamanho o esforço que os seus pulsos estavam brancos, com todos os tendões marcados.
Transcorreram uns segundos intermináveis de luta desesperada. Depois, pouco a pouco, o pescoço da rês começou a ceder e a cabeça a virar-se centímetro a centímetro.
O rosto de John estava roxo e parecia que as veias iam estalar. O pescoço do animal continuava a ceder, até que, de repente, cessou toda a resistência e o rapaz acabou de torcer a cabeça do animal. Então a rês perdeu o equilíbrio e caiu pesadamente.
John continuou a segurá-la, para dar tempo a que Russ chegasse, e saltando do cavalo lhe atasse as quatro patas, deixando-a imobilizada. John pôs-se em pé vacilante e passou o antebraço pela testa suada. Russ, que o olhava sem esconder a sua admiração, murmurou:
— Bom trabalho, rapaz.
Em vez de lhe responder, John dirigiu-se para o sítio em que estava Deborah caída. Os olhos dos dois encontraram-se por uns momentos, durante os quais, nenhum dos dois falou. Depois, o jovem baixou-se para ela e ofereceu-lhe a mão.
— Eu ajudo-a — murmurou.
Deborah segurou a mão de John e trabalhosamente pôs-se em pé, mas quando quis andar, o tornozelo voltou a doer e teve de se apoiar no rapaz. A dor fê-la empalidecer intensamente.
— Não posso — balbuciou.
John pegou-lhe ao colo. Antes de começar a andar, olhou para Russ um momento, o qual disse:
— Leva-a para casa. Eu marco este animal.
E o rapaz encaminhou-se para a cabana, levando a rapariga nos seus braços.

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