terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

CLF023.03 Alguém se aproxima da cabana

Já há algum tempo que Dodge ficara para trás e John cavalgava pelo caminho solitário. Apesar de ainda não ter recuperado completamente as suas forças, sentia-se suficientemente forte para montar a cavalo e andar sozinho. Claro que Carol e Russ tinham protestado, mas ele não podia aguentar mais de oito dias na cama. Além disso, a ferida das costas quase já não o incomodava.
A bailarina e o amigo tinham insistido em que ele não devia sair sem autorização do Dr. Watts; no entanto mão lhes fez caso. Teve de ameaçar Russ de lhe partir a cara para este lhe dizer onde vivia o velho Wood. Depois, quando soube a morada, o outro quis acompanhá-lo. John opôs-se terminantemente.
—E um assunto para eu resolver sozinho.
E pusera-se a caminho sem permitir que alguém fosse com ele. Pelo que lhe tinha dito Russ, o pequeno rancho do velho Wood encontrava-se a alguns quilómetros de distância.
Depois de estar fechado tantos dias no quarto de Carol, no saloon, era-lhe agradável notar no rosto a carícia do ar e o cálido contacto do sol. Eram dois efeitos vivificantes.
Levava duas horas de viagem, quando no alto da colina, viu uma cabana de madeira junto da qual se erguia um celeiro e alguns muros. Só podia ser o rancho de Wood. Desmontou e, deixando o seu cavalo atado a uma árvore, continuou o caminho a pé.
Enquanto subia a ladeira da colina, procurando ocultar-se da vista de possíveis observadores, teve de reconhecer que ainda não se encontrava na plenitude das suas forças.




As pernas tremiam-lhe ligeiramente e sentia um certo cansaço. Ao chegar a poucos metros da casa permaneceu escondido atrás de uns arbustos. Não se via um único ser vivo, apesar da porta da casa estar aberta e pela chaminé se ver sair uma coluna de fumo.
Num dos currais encontravam-se alguns novilhos de tenra idade. Em silêncio, sem fazer o menor ruído, John aproximou-se da casa. Deteve-se um segundo em frente da porta, e logo, tomando uma decisão súbita, entrou velozmente.
Encontrou-se numa sala de tamanho regular, ao centro da qual havia uma mesa. Os móveis eram toscos e de fabricação caseira. Num dos extremos via-se um fogão, diante do qual se encontrava uma rapariga preparando a comida.
Quando John entrou, a jovem voltou rapidamente a cabeça, e olhou-o com os seus enormes olhos verdes. Era a mesma que uma semana antes disparara contra ele. Deborah Wood ficou um momento imóvel, com uma profunda surpresa estampada no semblante. Logo, ágil, deu uni salto e empunhou uma espingarda que estava apoiada numa das paredes. Mas John lançara-se atrás dela e, antes que a jovem pudesse disparar, deu uma forte palmada na arma arrancando-a das mãos e lançando-a a alguns metros de distância.
Devido à violência do encontrão, a jovem perdeu o equilíbrio e ficou meio caída de costas sobre a mesa central. Permaneceu imóvel nesta posição contemplando o jovem como uni animal encurralado. John observou-a à sua vontade. Com os cabelos loiros revolvidos, as faces incendiadas, os lábios entreabertos e as roupas descompostas, era ainda muito mais bela e sedutora do que na noite em que disparara contra ele.
No seu rosto, dourado pelo sol, ressaltavam os seus olhos como duas pedras preciosas. Havia nela alguma coisa de misterioso, alguma coisa inefável que a tornava fascinante. O seu corpo esbelto e flexível, parecia a personificação da graça e da agilidade.
Continuava na mesma posição, quando John começou a enrolar calmamente um cigarro.
—De maneira que, pela segunda vez, quis dar cabo de mim—disse ele com um sorriso irónico.
Ela não respondeu.
—Não me parece ser esta uma maneira muito delicada de receber um visitante. Sobretudo se esse visitante teve de passar oito dias de cama com um tiro nas costas — continuou ele no mesmo tom. —O menos que poderia fazer era oferecer-me uma cadeira e dar-me qualquer coisa de beber. Mas já que não o faz, servir-me-ei por minha conta.
Foi até ao aparador e pegou num copo e numa garrafa de whisky. Estava a servir-se uma boa dose, quando Deborah murmurou numa voz a tremer de ódio:
—Saia desta casa, saia imediatamente.
John sem fazer-lhe caso, sentou-se numa cadeira e tirando o cigarro dos lábios, bebeu um golo.
—Não a surpreende ver-me vivo? =perguntou.
Deborah incorporou-se. Permanecia quieta, sem deixar de fitar o jovem.
— Já sabia que não tinha morrido... desgraçadamente —replicou surdamente.
John arqueou uma sobrancelha e deu uma fumaça no seu cigarro.
—Pelo menos é sincera.
Apoiou os pés na mesa e contemplou-a fixamente.
—Devia ter-lhe dado um tiro, é o mínimo que merece uma pessoa capaz de disparar à traição. E podia tê-lo feito pois tinha o revólver apontado. No entanto, não sei porquê, não premi o gatilho.
Levantou-se e aproximando-se da jovem, pegou-lhe no queixo e estudou o seu rosto com fixidez.
— Talvez o que me impediu foi vê-la tão bonita.
 Ela, com um encontrão violento obrigou-o a soltá-la.
— Não me toque — advertiu com uma voz cheia de desprezo.
Ele riu em surdina.
—Parece uma gata assanhada. Mas eu gosto de mulheres ariscas. Pensando melhor, creio que, se não premi o gatilho, foi por curiosidade. Sim, sinto curiosidade em saber a razão por que disparou contra mim.
Como ela ficasse a olhá-lo com uns olhos muito abertos insistiu:
—Vá, diga-mo. Dou-lhe a minha palavra de honra que não lhe farei nada. Se vim aqui, foi só para saber a razão porque me alvejou.
Ela fez um gesto de profundo desprezo.
— Você é mais canalha do que eu supunha! -- exclamou. —Sabe tão bem como eu quais foram os motivos!
John bebeu um novo golo de whisky.
— Olhe, na minha vida já fiz muitas coisas, desde pesquisador de ouro até jogador profissional. Mas o que ainda não fui foi adivinho; de maneira que não posso saber as razões que teve para matar-me, uma pessoa que nunca vi na minha vida.
Deborah empalideceu e os seus maravilhosos olhos lançaram faíscas.
—Mas como pode dizer que nunca me viu na sua vida? Diz-mo precisamente a mim? A mim? E de um cinismo inacreditável!
John franziu as sobrancelhas.
—Naturalmente que nunca a tinha visto. Uma cara como a sua não se esquece facilmente.
Ela, presa de um grande nervosismo, deu uns passos pela sala.
— Mas nós conhecemo-nos! Não me venha dizer que...
Interrompeu-se bruscamente, ficando numa posição de escuta. John também tinha ouvido barulho de cascos de cavalo.
— Alguém se aproxima — murmurou.
Deborah precipitou-se para a porta e depois de olhar para o exterior, retrocedeu instintivamente. John pôde ver que ela empalidecera profundamente.
— São eles — sussurrou com uma voz desfalecida.
O jovem foi também à porta. Pôde ver dois cavaleiros que se aproximavam da cabana.
— Quem são? Por que treme tanto?
A rapariga parecia não ter escutado a sua pergunta. Com os olhos fora das órbitas pelo terror, limitou-se a sussurrar:
— São perigosos, são uns assassinos.
Os dois homens tinham já desmontado e, parando a uns poucos de passos da cabana observaram-nos fixamente. Um deles era muito magro e louro com os olhos de um azul descolorido e a boca de lábios delgados; o seu companheiro era corpulento e de feições toscas. Ambos tinham a barba por fazer e levavam os revólveres muito caídos sobre a perna. Tanto os largos chapéus como as botas estavam cheios de pó.
— De maneira que procuraste um «boneco» para te proteger — disse o louro com um sorriso cruel. — Fizeste mal, muito mal.
— Não é este o modo de te livrares de nós — disse o seu companheiro. — Com o teu amigo ou sem ele, tens de vir connosco —acrescentou o louro.
—Não! — exclamou Deborah tremendo como uma folha.
E, instintivamente, procurou refúgio atrás de John. Os dois indivíduos ficaram a olhar para o rapaz.
— Afasta-te e deixa-nos passar.
John com toda a tranquilidade, arrojou-lhes aos pés a ponta dum cigarro.
—Tenho muita pena amigos, mas não costumo receber ordens de ninguém — disse com uma voz calma. Os outros afastaram-se um do outro e permaneceram com as pernas muito afastadas em atitude ameaçadora.
—Afasta-te, idiota, E a última vez que o dizemos.
John mostrou os dentes num sorriso.
—Então, então, rapazes, olhem que estão a arriscar a pele.
O corpulento ficou roxo de raiva.
—Maldito! Vou-te...!
Mas o seu companheiro fê-lo calar com um gesto enérgico.
— Vou contar até três — disse a John. — Se quando acabar não te tiveres afastado, deixamos-te o corpo como um passador.
O jovem, sem se alterar assentiu:
—De acordo. Vamos ver como é que o vão fazer. O ruivo aspirou profundamente e começou a contar:
— Um...
John começou a assobiar, calmamente, unia melodia do Texas.
—Dois...
O jovem, continuava a assobiar e tinha um brilho irónico nas pupilas.
— Três...
Os dois homens, ao mesmo tempo, levaram a mão à anca e puxaram dos seus revólveres. Mas John, com uma velocidade espantosa, tinha-se encolhido sobre si próprio ao mesmo tempo que empunhava o seu «Colt», o qual soou duas vezes consecutivas. Tinha agido com tanta velocidade, que conseguira adiantar-se aos seus dois adversários. O mais corpulento foi o primeiro a cair. Fê-lo depois de cambalear como um ébrio, para, por fim, cair de bruços no chão.
O seu companheiro, o louro, estremeceu violentamente e do seu revólver partiu um tiro que se perdeu no ar. Logo caiu pesadamente. ~
John depois de guardar a arma, voltou-se à procura de Deborah. Mas esta não se encontrava atrás dele. Entrou na casa e chamou:
—Deborah! Deborah!
Não obteve resposta. A casa parecia deserta. Procurou em todos os quartos sem conseguir encontrá-la. Parecia ter-se esfumado misteriosamente.
Depois de a procurar inutilmente durante bastante tempo pelos corredores, John foi buscar o seu cavalo e cheio de estranheza empreendeu o caminho de regresso a Dodge.


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