domingo, 10 de fevereiro de 2019

CLF023.01 Uma mulher maravilhosa faz um tiro traiçoeiro

John Lee deu um murro nos copos e na garrafa de whisky que estavam sobre o balcão e deitou-os ao chão, onde se fizeram em pedaços. A bebida formou um charco nas pedras já sujas do chão. Então, o seu amigo Russ Linley resmungou e exclamou, surpreendido:
-- Que diabo estás tu a fazer? Enlouqueceste?
E ao mesmo tempo olhava com olhos cheios de tristeza o whisky entornado. John, com um gesto de aborrecimento e com um falar de bêbado, murmurou:
—Estou farto de beber como uma esponja. Vou-me embora.
Mas a bailarina Carol, que estava ao seu lado, lançou-lhe os braços ao pescoço e juntou o seu lindo rosto ao do jovem.
—Não te vás embora. Estamos tão bem aqui...
Russ tinha-se ajoelhado no chão e, quase a chorar, contemplava o whisky derramado.
—Não há direito — balbuciava — é um crime estragar whisky desta maneira. Um crime, um verdadeiro crime que deveria ser punido pela Lei. Por que razão existe um xerife, se não se ocupa destas coisas?
John afastou Carol violentamente e exclamou de mau humor:
—Não te metas no que não te interessa, estúpida! Quando digo que me vou embora, é porque me vou embora!




A bailarina, que tinha sido afastada contra o balcão, olhou-o com os cabelos despenteados e um esgar de desgosto na sua boca pintada. Os seus olhos, escurecidos com rimmel, brilhavam enfurecidos.
—És um bárbaro—sussurrou. —Um selvagem sem educação. Até os índios são mais civilizados do que tu.
—Deixa-me em paz! —exclamou ele.
O dono do saloon, detrás do balcão, permanecia perfeitamente imóvel, assim como os outros frequentadores que lá se encontravam. Todos contemplavam o jovem com olhos temerosos. De repente, um homem alto é forte avançou para John.
— Você está embriagado — disse com energia. — Devia ter vergonha de falar assim a uma mulher. Por que não mostra a sua valentia com um homem que...?
Não conseguiu terminar a frase. John saltou como um tigre sobre ele e começou a esmurrá-lo brutalmente. O homem, que era robusto, tentou defender-se, mas os golpes do jovem pareciam capazes de derrotar um touro.
Primeiro acertou-lhe na boca, da qual saiu um fio de sangue, e quase imediatamente amassou-lhe o nariz e uma face. O outro retrocedeu cambaleando. No entanto, o jovem não lhe deu repouso.
Durante uns momentos, houve luta feroz. Então John acertou novamente no queixo com um potentíssimo direto, que fez estalar os ossos do seu adversário. Este viu-se lançado para trás, e na queda, tombou sobre uma mesa, com a qual foi para o chão no meio de copos e garrafas partidas.
Ficou inconsciente, deitado de costas.
Com os cabelos revolvidos e com um brilho destruidor nas pupilas, John olhou os outros clientes, enquanto que com a mão direita afagava a culatra do seu revólver.
—Há mais alguém que tenha objeções a fazer sobre o meu procedimento?
Um silêncio profundo seguiu-se às suas palavras. Mesmo Carol, muito pálida, tinha emudecido de terror. John deu meia volta e agarrou a gola da camisa de Russ, que continuava inclinado sobre o whisky derramado, balbuciando protestos. Sem dizer palavra, levou-o de rastos.
Um riso estúpido de bêbado iluminava o semblante de Russ. Pelo Poente, a tarde começava a morrer. Russ levantou-se, esfregou a cabeça e gaguejou com voz pastosa:
— Divertimo-nos bastante. Talvez a única coisa que faltou foi uma bela luta.
Estava tão embriagado que não tinha notado a cena que se passara no saloon e de que o seu companheiro fora o protagonista.
John Lee era uma dessas pessoas que nunca passam despercebidas: às mulheres, porque era de um atrativo extraordinário e aos homens porque lhes causava uma sensação de perigo. De uma grande estatura, mais de um metro e oitenta, tinha um corpo atlético, musculoso e esbelto, que dava logo a entender ser possuidor de uma força e agilidade pouco vulgares.
Tinha o rosto muito queimado pelo sol, com feições firmes e marcadas. A testa larga, os olhos cinzentos e duros e a boca enérgica. Entre as sobrancelhas, de um desenho um pouco tosco, formaram-se duas profundas rugas. Dava a impressão de já ter vivido muito, embora não tivesse ainda vinte e oito anos de idade.
Vestia uma camisa abotoada até ao pescoço por uma dupla fila de botões, umas calças à cowboy, com dobras cinzentas, que faziam ressaltar ainda mais o tamanho das suas pernas de cavaleiro, botas com grandes esporas de prata e chapéu de aba larga. Em torno da cintura, apertava-se o cinturão do qual pendia um revólver, já sobre a perna, como os atiradores profissionais.
A sua personalidade era tão característica que, quem o tivesse visto uma vez na vida, não o' voltava a esquecer.
Russ Linley, o seu companheiro, era um personagem diametralmente oposto. De pequena estatura, tinha um corpo gordo e balofo. Levava a cabeça completamente rapada e tinha feições largas, olhos pequenos e redondos, nariz achatado e encarniçado e uma boca que estava sempre a sorrir. Vestia de maneira curiosa: camisa de quadrados, já velha, calças que se seguravam com grossos suspensórios, como os dos soldados de cavalaria, e que nas extremidades enfiavam numas botas grandes e cheias de pó. Levava sempre chapéu redondo e cheio de buracos e usava também cinturão com revólver.
— Que vamos fazer agora? — perguntou.
—Faz o que quiseres. Eu vou dormir.
Russ olhou incrédulo.
—Dormir? Disseste dormir? Mas se em Dodge City ainda há tantos sítios para nos divertirmos!
—Não me importa — disse John façanhudo. — Eu vou-me deitar.
— Parece-me que a bebedeira te deu para a tristeza—balbuciou Russ.
Só então reparou nas mãos de John.
— Tens os punhos ensanguentados — disse. — Deves ter batido nalguma porta.
John olhou os dedos que tinham os nós pelados e contemplou o seu companheiro com um brilho irónico no olhar.
—E verdade, devo ter batido contra alguma porta—assentiu ironicamente. — Bêbado I
Dirigiu-se para um bebedouro de cavalos, situado junto do passeio e começou a lavar as mãos. Russ foi para o seu lado.
— Por que me chamas bêbado, se também estás como eu? — perguntou John, em vez de responder, murmurou: — Doí-me a cabeça. Bebemos demasiado.
E submergiu o rosto na água. Quando se levantou, a cara e o cabelo escorriam água.
—Devias fazer a mesma coisa.
Mas Russ não o ouvia. Os seus olhos, muito abertos pelo assombro e pelo espanto, observavam por cima do ombro do jovem. De repente, exclamou:
— Cuidado, John!
Este, reagindo instintivamente, empunhou o revólver com grande rapidez ao mesmo tempo que, velozmente, se voltava. Mas não deu a volta completa.
Ouviu-se o estampido de uma arma de fogo e John sentiu nas costas um golpe tremendo.
De repente, as forças abandonaram-no, e apesar de lutar desesperadamente para conservar o equilíbrio, caiu de bruços no chão. Permaneceu uns momentos imóvel, comprovando que a vista se enevoava e que um líquido quente lhe corria pelas costas.
Mas a sua tremenda vontade de lutar fez forças da fraqueza. Dominando a crescente debilidade, ergueu o rosto contraído pela dor e viu Russ, imóvel, com o medo e o assombro estampados nas suas pupilas e conservando a mão afastada do cinturão. John segurou melhor o revólver, e cambaleando, pôs-se em pé disposto a disparar contra o seu agressor.
No entanto não chegou a premir o gatilho. Pelo contrário, ficou muito quieto, como se uma força magnética lhe tivesse paralisado todos os membros. Fechou e abriu os olhos várias vezes... Não podia acreditar no que via!
Diante dele, a uns dez passos de distância, encontrava-se uma rapariga empunhando fumegante revólver. Era muito jovem, com uns escassos vinte anos, de beleza surpreendente.
No seu belíssimo rosto, com olhos grandes e de cor verde, nariz delicado e lábios roxos e juvenis, havia uma expressão em que se misturava o horror e o ódio. Sacudiu por momentos a loura cabeleira e começou a retroceder, mas sem deixar de apontar a arma. O seu corpo esbelto e graciosamente formado, movia-se com suavidade.
John olhava-a fascinado, esquecendo-se até da arma que empunhava e do sangue que corria, nas suas costas. Nunca tinha visto aquela mulher na vida. Depois, a vista enevoou-se novamente e sentiu que o chão se afundava sob os seus pés.
Quando abriu os olhos, olhou espantado à sua volta. Não sabia onde se encontrava nem o que acontecera. Só reparou que estava num quarto, deitado numa cama. A cabeça doía-lhe muito e sentia grande fraqueza.
Tentou sair da cama e pôr-se em pé, mas perdeu o equilíbrio e agarrou-se à mesa de cabeceira que caiu com estrépito. Ficou meio caído na borda da cama. Imediatamente a porta abriu-se com violência e entraram Russ e Carol que se apressaram a deitá-lo novamente.
— Parece que estás interessado em morrer — protestou o seu companheiro. — Só um louco se lembrava de levantar-se na tua situação.
— Tenho a boca seca — murmurou John. — Doe-me muito as costas.
—E o que costuma acontecer às pessoas a quem metem asna bala de quarenta e cinco entre as costelas —disse Russ com sarcasmo. —E ainda podes agradecer o continuar vivo.
Então, tudo o que acontecera acudiu à memória de John. Carol aproximou-se com um copo de água e permitiu-lhe beber uns golos ao mesmo tempo que lhe recomendava:
—Não fales, o médico disse que não te convinha falar.
Mas ele, sem fazer caso, perguntou a Russ:
— Quem era a rapariga que disparou contra mim? O seu companheiro fez um gesto de espanto.
— Mas tu não a conheces?
— Nunca a vi. Sabes bem que só estou em Dodge há urna semana.
O outro encolheu os ombros.
—E tempo mais do que suficiente para que tu lhe tenhas feito uma das tuas.
John zangou-se.
— Disse-te que não a conhecia, pedaço de asno.
Russ fez um gesto conciliador.
—Está bem, homem, está bem. Mas então, por que disparou contra ti?
— Isso gostava eu de saber — disse o rapaz.
— John, não fales mais — interveio Carol. — Faz-te mal-estar a falar.
Ele olhou-a irritado.
—Não te metas onde não és chamada!
—Está bem, morre se é isso que queres! — retorquiu ela, aborrecida, e girando sobre os calcanhares, saiu do quarto batendo com a porta.

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